terça-feira, 14 de julho de 2015

Desejo e Conversão

 

Pedro José L. Correia |  Justiça e Paz – Aveiro

 

Meditação de James Martin[1], S.J

(No dia da ordenação ministerial dos padres:
João Santos e Pedro Barros, ao serviço da igreja diocesana.
Aos que estão na Fidelidade do Desejo.
Aos que continuam no Desejo da Fidelidade.
A todos os peregrinos que atravessando o deserto da Vida,
olham convertidos para o horizonte do Reino de Deus,
ainda aqui na Terra da Promessa.
Como no anúncio automóvel na TV tipo detetores de mentiras
ou coragem para ler os Sinais dos Tempos na formação hoje,
ou outra realidade que «ainda não» vemos
mas «já está» presente a germinar.
Aveiro, pe. pedro josé, 12 e 13 julho de 2015, na véspera e no dia do «holocausto do desejo e da conversão»).

[1.] – A história de Bartimeu [Mc 10,46-52] não é apenas uma história acerca de algo que a maior parte de nós nunca experimentará – uma cura milagrosa – ; também é uma história acerca de algo comum à nossa experiência: desejo e conversão.


[2.] – O desejo é muitas vezes mal visto nos círculos religiosos devido a duas interpretações erróneas comuns. Primeiro, só pensamos no desejo em termos de querer superficial: «Quero um carro novo!» Segundo, só pensamos nele como desejo sexual ou luxúria: «Tenho de te ter!» Contudo, sem desejos saudáveis, deixaríamos de existir de uma forma real. Não quereríamos estudar nem aprender. Não quereríamos ganhar a vida para sustentar a nossa família. Não quereríamos ajudar a aliviar o sofrimento de ninguém. Além disso, sem desejo sexual, nem sequer estaríamos cá.


[3.] – Jesus considera libertadora a identificação e a nomeação dos nossos desejos. Depois de rasparmos qualquer egoísmo superficial, os nossos anseios mais profundos e os nossos desejos santos ficam a descoberto: o desejo de amizade, o desejo de amor, o desejo de trabalho com sentido, e, muitas vezes, o desejo de cura. E, finalmente, claro, o nosso desejo mais profundo vai para Deus. E é Deus que coloca esses desejos dentro de nós. É essa uma forma de Deus nos chamar para si. Nós desejamos Deus porque Deus nos deseja a nós.


[4.] – Muitas vezes, as pessoas precisam de ser animadas a reconhecer esses anseios profundos, que podem ajudar a guiar as nossas vidas, sobretudo se alguém as aconselhou a ignorar ou a erradicar os seus desejos. Depois de o fazerem, descobrem uma verdade fundamental: o desejo é um dos motores da vocação de cada pessoa. Ao nível mais básico, duas pessoas são atraídas para o casamento por desejo: físico, emocional, espiritual. O desejo desempenha um papel importante nas vocações, no mundo do trabalho. Como é que o futuro cientista, por exemplo, apreende a sua vocação para estudar Biologia a não ser interessando-se pelas suas aulas de Biologia do liceu?


[5.] – Reparem que Jesus não diz: «Bartimeu, aceita as coisas tal como são.» É isso que a multidão diz: «Cala-te!» Jesus anima-o a nomear o seu desejo, perguntando-lhe diretamente: «Que queres que te faça?»


[6.] – O encontro de Bartimeu com Jesus também sublinha a importância de sermos sinceros na nossa relação com Deus. Seria difícil para o cego não pedir a Jesus para o curar de algo que o atormentara durante toda a vida, sobretudo se ele conhecesse a reputação de Jesus como autor de curas. Do mesmo modo, quando nos colocamos diante de Deus na oração, devemos sentir-nos à-vontade para expressar os nossos desejos. Se dissermos apenas aquilo que achamos que «devemos» dizer na oração, mas negando os próprios desejos profundos – se obedecermos à ordem da multidão no sentido de nos «calarmos» -, a nossa relação com Deus poderá esfriar. Deus convida-nos a ser sinceros acerca daquilo que desejamos, mesmo que isso possa constituir um desafio se esses desejos não se cumprem. Todavia, mesmo nesses períodos difíceis, Deus convida-nos a continuar a conversar com Ele. E isso inclui a partilha transparente dos nossos desejos profundos. Deus anseia pela nossa sinceridade.


[7.] – Jesus pergunta a Bartimeu: «Que queres que te faça?» E ainda mais: «Que te diz o teu coração? Quais são os teus desejos? Quando escutas o teu coração, o que é que ele te diz?» Jesus escuta Bartimeu, que, por sua vez, escuta o seu coração.


[8.] – Nomear os nossos desejos também é um sinal de humildade. Bartimeu sabe que não se pode curar a si próprio. Nós também não. Nós colocamo-nos diante de Deus conscientes das nossas limitações. Em suma, precisamos de ajuda. Porque não havemos de admiti-lo?


[9.] – Finalmente, às vezes precisamos de ignorar a multidão, sobretudo quando ela nos manda calar. «Não desejas algo melhor para ti», dizem a Bartimeu, e também a nós. «Desiste dessas ridículas esperanças de mudança. Deixa de desejar coisas novas.» Jesus, pelo contrário, não grita: «Cala-te!» A voz de Jesus é diferente da voz da multidão. Ele pergunta, com delicadeza: «Que queres que te faça?»


[10.] – O encontro com Bartimeu também é uma história de conversão, caracterizada pelo gesto do cego que deita fora a sua capa. Seria, provavelmente, um dos seus bens mais valiosos, um manto que podia ser usado como casaco e, à noite, como cobertor, ou até como cama. Seria quase impensável que um pobre homem se desfizesse da sua capa. Assim, a capa do cego é um símbolo maravilhoso de conversão. «E ele, atirando fora a capa, deu um salto (anapedesas) e veio ter com Jesus», diz Marcos. Tal como as redes que Pedro tem de largar, Bartimeu deixa para trás parte do seu passado para poder ver o seu futuro”.

[1] FONTE: MARTIN, James, S.J., Jesus: Um Encontro Passo a Passo [Jesus: A Pilgrimage, 2014], Paulinas Editora, Prior Velho, 2015, pp.332-334. Obs. A numeração dos parágrafos não se encontra no texto original.

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