terça-feira, 30 de junho de 2015

O tempo da esperança

 

 

M. Oliveira de Sousa  |  Justiça e Paz - Aveiro

Vivemos cada dia com a convicção de que amanhã há uma nova manhã; uma madrugada de esperança. Cantamos em silêncio, envolvidos na rotina, que o caminho feito é garantia para o que falta percorrer. Quem pode abonar o decurso da natureza?!

Ser mais em cada dia porque basta um homem bom para haver esperança!

As pessoas parecem já não acreditar num futuro feliz nem confiam cega­mente num amanhã melhor a partir das condi­ções atuais.

Troca-se o momento pelo sonho!

A humanidade, mesmo na mais pequenina beleza, sonho e anseio, muda profunda­mente, e o avolumar-se de constantes novida­des consagra uma fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direção. Torna-se difícil parar para recuperarmos a profundidade da vida: nós! A alteridade interpelante.

O urgente desafio de proteger a nossa casa é a preocupação de unir em busca do que sabemos poder mudar. Porque o tempo que dedicamos à nossa flor é que a torna tão bela - diz o Principezinho!

Quando assaltados por dúvidas e desorientações, desvele-se que é ao entardecer, quando passou a fugacidade da luminosidade - não confundível com a intensidade da luz - que vemos se valeu a pena o dia percorrido! Tal só é equacionável se a intensão dos momentos não se sobrepõe à totalidade do tempo.

Caminhemos cantando; que as nos­sas lutas e a nossa preocupação por este tempo não nos tirem a alegria da esperança!

(Inspirado na Laudato Si e outras oportunidades)

(Correio do Vouga, Julho 2015)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

MINHA FILHA, A TUA FÉ TE SALVOU

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Pe Georgino RochaJesus está à beira mar. Chega Jairo, um dos chefes da sinagoga de Cafarnaum e pede-lhe para ir a sua casa. No caminho ocorre um encontro singular que Marcos realça com pormenor e beleza. Mc 5, 21-43 .

Uma mulher, sem nome, deseja ser curada da doença de fluxo de sangue, pois anda cansada de sofrer e estás prestes a desanimar. Já havia gasto “todos os seus bens “ nas mãos dos médicos. Ouve falar de Jesus e sente-se atraída pela sua fama. Decide meter-se na multidão e, destemida, ir avançando até se aproximar dEle e lhe poder tocar no manto. Este gesto era punido pela lei judaica. Mas superior ao rigor do castigo está o impulso da necessidade, a certeza do amor, a força da confiança que pressentem a possibilidade da cura desejada. E, de facto, assim acontece! O diálogo que se segue é enternecedor e pode ser condensado na declaração de Jesus: “Minha filha, a tua fé te salvou”.

Este encontro singular é memória do ocorrido que denuncia tantas outras situações a necessitarem de quem lhes preste a atenção solícita e curativa que Jesus revela e realiza. Quantas pessoas com “feridas secretas” na sociedade e na Igreja?! A sofrerem horrivelmente e sem esperança porque estão rotuladas, proibidas, marginalizadas. Os sem-abrigo. Os ex-reclusos. Os dependentes da droga, da prostituição e tantos outros. Como a mulher do Evangelho, sem nome, marcada pela crença que lhe haviam incutido os mestres da lei: impura pela perda de sangue, dom divino. Tantas pessoas que não têm a quem confiar a sua dor sofrida, que buscam ajuda e consolação, sem saberem a quem recorrer. Sentem-se culpáveis quando muitas vezes são apenas vítimas. (Pagola). 

Pessoas boas que se consideram indignas de receber Cristo na comunhão porque a sua consciência “doentia” lhes proíbe, em virtude de cargas morais que pouco têm a ver com o Evangelho da misericórdia; crentes que, ao final da vida, não encontram alívio para o peso martirizante do remorso nem abertura para beneficiar do perdão e da ternura de Jesus. No entanto, a sua pessoa irradia força sanadora e regenerativa, proximidade atenta e solícita, sintonia compreensiva e afectuosa. Quantas pessoas a quererem tocar Jesus pois sabem que nEle encontram a dignidade ofuscada e, por vezes, conspurcada por tradições e culturas que moldam um pensar generalizado com efeitos tão negativos e desumanos.

A cura da ferida secreta da mulher anónima tem um sentido novo. A libertação da anomalia funcional do organismo feminino abre horizontes novos: a mulher recupera a saúde, readquire o seu bom nome, a sua honra, é reintegrada na sociedade, sente-se perdoada e abençoada por Deus, pode fazer com normalidade as práticas religiosas, retoma os caminhos da salvação. Com a restituição da saúde fisiológica, muitos outros bens lhe são concedidos: a nível interior e exterior. A harmonia é refeita em todas as dimensões da pessoa. A cura é integral! A atitude de Jesus continua cheia de actualidade em todas as áreas, sobretudo nas da medicina da vida, dos cuidados de saúde, das pessoas e instituições envolvidas neste processo. Quem pode deixar de projectar, sobre a realidade social, a luz que brilha nesta forma de proceder?

quarta-feira, 24 de junho de 2015

A casa comum

 

M. Oliveira de Sousa  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

A latitude da casa é muito variável.

A semana, chegando mesmo a ser afirmado que o ano de 2015, ficará marcado pela casa comum que o Papa Francisco apela à urgência no seu cuidado, na Encíclica “Laudato Si” (Louvado Sejas) – título inspirado no Cântico das Criaturas do Pobre de Assis, S. Francisco.

O mundo ficou rendido à beleza e oportunidade do documento. É enaltecida a importância poética, teológico-pastoral (sobretudo a dimensão de pecado, mencionado uma dezena de vezes – Francisco cita o Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, São Boaventura, João Paulo II, Bento XVI) e, sobretudo para quem quer ver a Encíclica na prateleira laicizante da esfera do privado, o compromisso da consciência ambiental de cada um.

Grande parte do mundo, curiosamente passada cerca de uma semana do 124º aniversário da Rerum Novarum de Leão XIII (15 de maio de 1891), aprofunda a matéria com uma unanimidade que a precursora da Doutrina Social da Igreja não teve no seu tempo e que agora notam-se os assuntos contestados à escala global o que, não altura o Papa de Carpineto Romano, já pre-anunciava em grande medida: exploração desenfreada dos recursos e das pessoas sem considerar a justiça social de uns e de outros.

A Comissão Justiça e Paz promove a apresentação da Encíclica no próximo dia 29. Surgirão interpelações de várias leituras que resguardamos por agora.

A administração da casa comum também não pode deixar de evocar a memória, para que não caíamos nos mesmos erros! A título de ilustração apontamos dois exemplos de Memoração. O Prémio Nélson Mandela, criado em 2014 e pela primeira vez atribuído, e logo a um português (Jorge Sampaio). Também uma curiosidade com a mesma matriz temática (casa comum) o projeto Casa Comum, da Fundação Mário Soares, que disponibiliza na Internet, de modo simples e rápido, documentação histórica de diferentes países da CPLP, criando um espaço de diálogo e de memória das nossas Culturas e da História – da apresentação do próprio projeto!

E não podemos deixar de evocar uma reportagem sensibilizante e altamente ilustrativa do que se pode fazer com tão pouco para o mesmo cuidado (tantas vezes mencionado pelo Papa). Pensando nas palavras de Francisco “A conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária. Esta conversão comporta várias atitudes que se conjugam para ativar um cuidado generoso e cheio de ternura. Em primeiro lugar, implica gratidão e gratuidade, ou seja, um reconhecimento do mundo como dom recebido do amor do Pai, que consequentemente provoca disposições gratuitas de renúncia e gestos generosos, mesmo que ninguém os veja nem agradeça.” – pensamos claro no Dr João Almiro e na reportagem sobre o cuidado da sua casa: "A Casa das Andorinhas". Uma reportagem que passou esta semana na TVI.

A casa comum tem muitas divisões. Isso não é um problema, é uma oportunidade no saber cuidar!

terça-feira, 23 de junho de 2015

A casa comum…

 

Repórter TVI: "Até Voares"

Uma grande reportagem de Ana Leal, com imagem de João Franco e edição de Miguel Freitas, que conta a história de um homem que não acredita em "pessoas más"

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Já teve uma fortuna incalculável, foi fundador do Laboratório Farmacêutico Labesfal, é dono de uma farmácia em Campo de  Besteiros. João Almiro tem 89 anos e abdicou de tudo para viver com assassinos, pedófilos, prostitutas, alcoólicos, toxicodependentes, crianças, velhos, deficientes e dementes.
João Almiro acredita que "não há homens maus".
Como ninguém, conhece todas as prisões de Norte a Sul do país. Vai buscá-los no seu velho carro de 1999. Partilha a própria casa com eles porque acredita que é possível recuperá-los.
"A Casa das Andorinhas" - é assim que lhe chama - é uma  porta aberta para entrarem "todos os aflitos".
Histórias de homens e mulheres que ninguém quer e que aprenderam a voar.
"Até Voares" é uma grande reportagem de Ana Leal, com imagem de João Franco e edição de Miguel Freitas. 

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Ecologia e ambiente: “Laudato Si”

PAPA FRANCISCO

Ecologia integral?!

A ecologia integral - parte de uma nova visão da Terra. É a visão inaugurada pelos astronautas a partir dos anos 60 quando se lançaram os primeiros foguetes tripulados. Eles vêem a Terra de fora da Terra. De lá, de sua nave espacial ou da Lua, como testemunharam vários deles, a Terra aparece como resplandecente planeta azul e branco que cabe na palma da mão e que pode ser escondido pelo polegar humano.
Daquela perspectiva, Terra e seres humanos emergem como uma única entidade. O ser humano é a própria Terra enquanto sente, pensa, ama, chora e venera. A Terra emerge como o terceiro planeta de um Sol que é apenas um entre 100 bilhões de outros de nossa galáxia, que, por sua vez, é uma entre 100 bilhões de outras do universo, universo que, possivelmente, é apenas um entre outros milhões paralelos e diversos do nosso. E tudo caminhou com tal calibragem que permitiu a nossa existência aqui e agora. Caso contrário não estaríamos aqui. Os cosmólogos, vindos da astrofísica, da física quântica, da biologia molecular, numa palavra, das ciências da Terra, nos advertem que o inteiro universo se encontra em cosmogênese. Isto significa: ele está em gênese, se constituindo e nascendo, formando um sistema aberto, sempre capaz de novas aquisições e novas expressões. Portanto ninguém está pronto. Por isso, temos que ter paciência com o processo global, uns com os outros e também conosco mesmo, pois nós, humanos, estamos igualmente em processo de antropogênese, de constituição e de nascimento.
Três grandes emergências ocorrem na cosmogênese e antropogênese: (1) a complexidade/diferenciação, (2) a auto-organização/consciência e (3) a religação/relação de tudo com tudo. A partir de seu primeiro momento, após o Big-Bang, a evolução está criando mais e mais seres diferentes e complexos (1). Quanto mais complexos mais se auto-organizam, mais mostram interioridade e possuem mais e mais níveis de consciência (2) até chegaram à consciência reflexa no ser humano. O universo, pois, como um todo possui uma profundidade espiritual. Para estar no ser humano, o espírito estava antes no universo. Agora ele emerge em nós na forma da consciência reflexa e da amorização. E, quanto mais complexo e consciente, mais se relaciona e se religa (3) com todas as coisas, fazendo com que o universo seja realmente uni-verso, uma totalidade orgânica, dinâmica, diversa, tensa e harmônica, um cosmos e não um caos.
As quatro interações existentes, a gravitacional, a eletromagnética e a nuclear fraca e forte, constituem os princípios diretores do universo, de todos os seres, também dos seres humanos. A galáxia mais distante se encontra sob a ação destas quatro energias primordiais, bem como a formiga que caminha sobre minha mesa e os neurônios do cérebro humano com os quais faço estas reflexões. Tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, aberto, passando pelo caos que é sempre generativo, pois propicia um novo equilíbrio mais alto e complexo, desembocando numa ordem, rica de novas potencialidades.
Bibliografia mínima de orientação
- Boff, L., Uma cosmovisão ecológica: a narrativa atual, em Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres, Atica, S.Paulo1995, pp.63-100.
- Crema, R., Introdução à visão holística, Cultrix, S.Paulo 1997.
- De Duve, C, Poeira vital. A vida como imperativo cósmico, Campus, Rio de Janeiro 1997.
- Gadotti, M., Pedagogia da Terra, Editora Fundação Peirópolis, S.Paulo 2001.
- Hawking, S., O universo numa casca de noz, Mandarin, S.Paulo 2001.
- Müller, R., O nascimento de uma civilização global, Aquariana, S.Paulo 1991.
- Zohar, D., O ser quântico. Uma visão revolucionária da natureza humana e da consciência baseada na nova física, Best Seller, S.Paulo 1991.
(in http://leonardoboff.com/site/eco/eco_int.htm, consultado em 2015.06.19)


quarta-feira, 17 de junho de 2015

FEZ-SE GRANDE BONANÇA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

[Pe%2520Gerogino%255B3%255D.jpg]A travessia do mar da Galileia constitui um momento privilegiado para Jesus mostrar aos discípulos quem é por meio das acções que faz. Mc 4, 35-41. Serve igualmente de “cenário” do ambiente de turbulência e perseguição em que vivem as comunidades a que o autor dirige a narrativa. Projecta luz sobre a relação do homem com as forças da natureza, as tempestades ambientais e a bonança do equilíbrio recuperado.  Deixa em aberto a pergunta expectante dos discípulos: “Quem é este homem a quem o vento e o mar obedecem?”

Após uma jornada tranquila de missão, em que se sucedem parábolas ricas de ensinamentos, Jesus convida os discípulos a passarem à outra margem, pois estavam à beira mar. No percurso, sem nada o prever, surge uma tempestade que ameaça a embarcação e os tripulantes. As águas ficam tão revoltas que facilmente podem submergi-los. Atemorizados pela iminência dos perigos e intrigados pela atitude de Jesus que continuava a dormir deitado à popa, erguem a voz e clamam: “Mestre, não te importas que pereçamos?” Ele levanta-se, fala imperiosamente ao vento e mar, ordenando-lhes que regressem à quietude inicial. E surgiu a grande bonança da harmonia das forças da natureza e a tranquilidade de ânimo dos homens amedrontados. Jesus aproveita para dar um esclarecimento complementar, em género de pergunta com sabor de censura: “Porque estais assustados? Ainda não tendes fé?”

Salvos do naufrágio ameaçador, podem seguir para a outra margem onde a missão continua. Era terra de “pagãos”, talvez adoradores de outros deuses, indiferentes à religião dos Judeus, dedicados ao comércio, orgulhosos do seu poderio. Serenos e lúcidos, os discípulos podem continuar na companhia de Jesus e anunciar a novidade da sua façanha, do seu Evangelho. De facto, a sua mensagem afirma a harmonia integral de toda a criação e de todas as criaturas, a interdependência dos seres entre si e com o ambiente, a escala de valores em que todos se incluem, cada um a seu nível, a responsabilidade humana na gestão ética das energias da vida, a providência amorosa do nosso Deus que, de forma discreta, mas persistente, acompanha a evolução dos acontecimentos e inspira o desejo da humanidade chegar à margem onde “outro mundo é possível”.

O Papa Francisco, na sua encíclica “Louvado Seja” dedicada ao cuidado da criação, destaca algumas constantes que acompanham todo o documento. E são elas: a íntima relação entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que no mundo está intimamente conexo; a crítica ao novo paradigma e às formas de poder que derivam da tecnologia; o apelo a encontrar outros modos de entender a economia e o progresso; o valor próprio de cada criatura; o sentido humano da ecologia; a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local; a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida. São temas continuamente retomados ao longo da encíclica e não “arrumados” em simples enunciados. LS 16.

Outro mundo é possível. Vamos navegar no rumo certo, apesar dos ventos furiosos e das marés contrárias! Vamos procurar chegar a porto seguro, onde todos têm abrigo e segurança e podem contemplar a beleza do mar, sentir o calor do sol, apreciar a leveza do ar e a pureza transparente da água, a grandeza do universo. Vamos descobrir e apreciar a “impressão digital” do Criador e os vestígios do rasto histórico de Jesus que, por meio do seu Espírito, nos confia a missão de renovar continuamente a face da terra.

sexta-feira, 12 de junho de 2015

IGREJA: RESTO OU RESÍDUO?

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Pe Gerogino RochaUm homem lança a semente à terra, um grão de mostarda é colocado na horta. Mc 4, 26-34. Neste cenário tão simples, Jesus dá a conhecer o “mistério” do reino: a sua presença discreta, a energia fecunda da sua seiva, a tendência universal do seu crescimento, a certeza inabalável da sua realização em benefício do ser humano chamado a adoptar, livremente, a atitude responsável mais congruente. Que contraste com a forma tradicional de apresentar o reino de Deus! Que impacto não começa a provocar na gente ilustrada e curiosa que acorria a ouvir Jesus para examinar a sua ortodoxia!

As árvores frondosas e robustas cedem lugar a simples grãos de semente. O messias “arrasador” surge como um humilde semeador de hortas e campos, amigo de excluídos sociais pelos líderes políticos e religiosos. As técnicas vitoriosas não têm a ver com a manipulação indiscriminada das sementes nem com o controle hegemónico do sistema alimentar ou a quantidade numérica da produção; tem a ver sobretudo com a proximidade, o cuidado, o serviço e a confiança. Os frutos apetecidos manifestam-se no acolhimento aberto a todos, na fecundidade generosa, na aceitação humilde das leis do crescimento, na qualidade do relacionamento.

Os cristãos, no seu agir diário e nas opções que tomam a prazo, encontram-se perante um dilema crucial: Queremos ser uma Igreja “resto” de fiéis ou um “resíduo de tradições religiosas progressivamente insignificantes? Resto à maneira da semente que silenciosamente germina no interior da terra e do grão de mostarda que cresce progressivamente e se faz arbusto resistente e maleável onde vêm poisar as aves do céu? Arbusto exposto, em interacção com o meio ambiente, acolhedor e fecundo?

A evolução da mudança em curso, sobretudo na Europa, faz disparar todos os alarmes humanos. O Papa Francisco, e, com ele, tantos homens e mulheres com o sentido da realidade, lançam propostas de renovação que pretendem fazer do “resto fiel” um povo que sabe em quem confia e transmite por contágio a alegria do Evangelho. Esta é a hora da coragem humilde, da ousadia serena, da criatividade fiel. 

As parábolas são como o pavio fino de uma vela que, aparentemente, não têm valor nenhum, mas sem ele não surge a luz que ilumina, aquece e atrai; são como um tesouro escondido que encerra o “valor divino do humano” e a sabedoria das culturas surgidas da experiência da vida partilhada. Realmente, “a semente é a Palavra de Deus e o semeador é Cristo”.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

FESTA DO CORPO DE DEUS - TOMAI E COMEI O PÃO DA VIDA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

A ceia pascal de Jesus com os seus discípulos é narrada por Marcos de modo sóbrio e substancioso. Mc 14, 12-16 e 22-26. Nada a mais é dito que possa distrair do seu núcleo central e dos seus gestos significativos, bem como da disposição radical do seu único protagonista. Tudo se conjuga e converge na entrega do corpo e no derrame do sangue feitos generosamente por Jesus em prol de um mundo novo, fruto de uma nova aliança. Tudo se centra no pão que é partido e repartido e no vinho que é tomado e bebido. Pão e vinho, frutos da terra e do trabalho humano que, pela força do Espírito Santo, se convertem no corpo e no sangue do Senhor Jesus. Que maravilha de simplicidade e clareza! Que beleza de atitudes e sentimentos! Que riqueza de sentido intencional e de discreta presença amorosa!


“Onde queres que façamos os preparativos?” – indagam os discípulos para saberem o que fazer. Pergunta sensata, pois os habitantes de Jerusalém, por ocasião da festa da Páscoa, costumavam disponibilizar espaços das suas casas para os peregrinos se alojar e celebrar a ceia em família ou com os amigos. Pergunta que fica para sempre a marcar o coração humano, a família de sangue, a comunidade cristã e a outros espaços de vida em sociedade sensível a estes valores. “Onde queres?”

“Ide à cidade” – responde Jesus, mostrando claramente a sua vontade. É na cidade dos homens que quer celebrar. É pela cidade que se vai doar. É com a cidade que quer cantar os salmos de louvor. É para a cidade que encaminha os discípulos à procura de quem manifeste os sinais indicados: vir ao encontro, trazer uma bilha de água, estar a caminho de casa. A identificação resulta em cheio. O caminho está aberto e o local encontrado. “O Mestre pergunta: onde está a sala?” – dizem ao dono da casa. Sobem e preparam tudo o que era necessário, segundo o ritual judaico. Pergunta que continua hoje: “Onde está?”


Jesus que, desde o começo toma a iniciativa da vinda à festa, realiza a ceia memorial de quanto Deus fez pelo seu povo desde a libertação da servidão no Egipto até à posse da terra prometida; ceia memorial da aliança celebrada no Sinai e das condições escritas nas dez palavras/mandamentos da Lei. E introduz um elemento novo: o pão da miséria é agora o pão da vida, o seu corpo entregue por amor; o vinho da aspersão é agora o vinho da salvação, o sangue derramado pelos comensais e por toda a humanidade. Pão e vinho da eucaristia são, desde então, o próprio Jesus, não em forma de símbolo, mas de sacramento; não em presença virtual, mas real; não a “fazer de conta”, a parecer, mas a ser verdadeiramente. Assumindo a substância do pão e do vinho na pobreza da sua consistência, na insignificância da sua visibilidade, no risco da sua fragilidade facilmente deteriorável.


A razão humana, por si mesma, ainda que muito se esforce, não consegue alcançar o que realmente acontece nesta acção admirável de Jesus. Vê gestos, escuta palavras, capta sentimentos, adverte no sentido manifesto, mas detém-se maravilhada e seduzida pelo que está contido no pão e no vinho transformados. Só a fé pode levar-nos ao seio do mistério. Só a confiança filial nos dá garantia da verdade de tão sublime presença. Só a relação fraterna nos abre ao amor da Eucaristia e nos leva a ser coerentes: “o amor com amor se paga”.


A eucaristia do corpo e sangue de Jesus é celebrada na assembleia cristã, sobretudo ao domingo, e conservada em reserva no sacrário. Esta reserva é designada normalmente por Santíssimo Sacramento. É sempre o Senhor que se oferece por nós, está à nossa disposição para nos acolher e alentar, para nos acompanhar nos caminhos da vida e abrir horizontes de futuro definitivo. Por isso, lhe retribuímos com o que somos e temos: atenção agradecida, acolhimento solícito, escuta amorosa, comunhão consciente, adoração ardente, entrega confiante. E damos testemunho público desta força divina que nos anima e encaminha, deste acompanhamento encorajante que nos revigora.


A Igreja celebra, hoje, a festa do Corpo de Deus, como popularmente é conhecida. Avivemos a nossa fé e deixemos que se robusteça a nossa esperança, pois quem parte e reparte o pão da Eucaristia é convidado a partir e repartir o pão da mesa, dos recursos económicos, das oportunidades de trabalho, da entreajuda solidária, do sentido humano-divino da vida.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

sobre a decisão genética

 

Pedro José Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

“A simplicidade é a verdade das virtudes e a desculpa dos defeitos. É a graça dos santos e o encanto dos pecadores” - André Comte-Sponville, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, p.168

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Agressividade, ou mesmo algo mais, que o contestado cinismo com o tempero cruel do que é odioso na negação da simplicidade. Tão difícil ser simples. A simplicidade é o contrário da duplicidade, da complexidade, da pretensão. Tudo o que não se quer e não se faz pela indecisão: toma conta do viver. Inércia institucional. Volta outra vez a agressividade que gera indiferença: estar-se nas tintas para a obediência serviçal nos discernimentos meio pragmáticos e disfuncionais? Aonde vamos parar com a pressa da Imprudência sem o sentido geracional? Haverá almoço grátis?

Onde está a responsabilidade que foge do dever-do-amor-perfeito? Querer distinguir as ordens. Não ter ilusões nem sobre a Verdade (que só reside na Pessoa de Cristo e não a Amizade imperfeita por Ele…) nem sobre o Valor (que não se passa do ser-se-peão-de-xadrez-com-regras-(des)conhecidas, em tabuleiro eclesiástico, um tanto ou quanto obscuro, nas transparências líquidas: tipo água baptismal limpa de todos os compromissos…); mas não se renuncia a uma coisa nem à outra. A Verdade só vale para quem a ama; o Valor só é verdadeiro para quem a ele se submete (dói querer tudo e agora!). É aí que se cruzam o Conhecimento, o Dever e o Desejo. Eis o «TotoVida» com uma tripla para ninguém ficar a perder. Ausência de tempo!

Será apenas aí que o Amor se torna responsável e encontra a Verdade do que deve ser feito (o mesmo se dispõe no que deve ser obedecido…). Por isso as armas são pacíficas: oração (rezar o sentido do que se espera sem ainda ver claro…) + penitência (purificação do desejo de poder mais no desejo de servir menos…) + liberdade sem medo (responsabilidade com fé…). Entrar dentro do confessionário e ajoelhar a Alma; voltar-se para fora de casa e comungar na Família. Complexidade das causas ou simplicidade da presença. Consciência dupla, mesmo tripla e tudo o mais que não possa ser imaginado. Decidir é evoluir na ruptura e na continuidade. Não há saltos na História.

Devemo-nos uma responsabilidade sem senhorio. Razão lúcida, encarnada, mínima. Conclusão até doer no suporte da Fé, sem conhecer as razões do Coração: “Ama e faz o que queres”, pois já era… – ou compadece-te e faz o que deves, daqui em diante. Que ainda não seja tarde para a beleza da verdade fazer sentido na responsabilidade do serviço cada vez mais simples. Despir a farsa e ganhar autenticidade: caminho responsável pelos que vierem depois de nós. O projecto universal dever ser o projecto da vida cristã fiel. Peso no Céu. Leveza na Terra. Não há receitas intermédias. Não aos “rebuçados” privados. Sim às “sopas” comunitárias. Obrigatório e agradecido.