sábado, 28 de setembro de 2013

a riqueza é perigo para quem? - por Pe. Teixeira (1926-2007)


Pe Pedro José  |  Justiça e Paz - Aveiro
“Têm-se ouvido autênticas barbaridades sobre as riquezas, como se estas fossem as responsáveis por todos os males do mundo. As riquezas não são sujeitos imputáveis. As riquezas são um bem produzido pela Natureza. O bom ou o mau uso que delas podemos fazer é que nos podem levar a uma vida correcta ou dissoluta. O profeta Amós tem-nos vindo a catequizar nestes últimos dois domingos, sobre o caminho a seguir quanto ao seu uso. Infelizmente o homem ainda não aprendeu que o excesso, seja no que for, conduz a todas as anomalias que imaginar se pode. E o dinheiro não escapa.
A parábola do rico avarento e do pobre Lázaro, que S. Lucas nos apresenta para reflexão neste domingo, pode e deve ser um valente abanão, a fim de nos acordar para a realidade da vida. Nem tudo são «rosas» nem tudo são «espinhos». Tal como o trigo e o joio, ambos crescem lado a lado. Há que saber distingui-los. Aqui é que está a diferença entre o verdadeiro e falso crente. Este confia no dinheiro e na sua esperteza para o fazer aumentar e o gozar. Aquele usa-o moderadamente e partilha-o com os que mais precisam.
Esforcem-se por compreender que Lucas não narra esta parábola aqui para condenar os ricos e compensar os pobres com um final feliz. Conta-a para nos prevenir dos perigos da riqueza incontrolada, tanto mais que todos sabem, embora nem todos estejam convencidos, que os bens da Terra têm um destino universal: pertencem a todos os habitantes da Terra. Cremos já estar a entrar por um caminho perigoso e muito contestado!
Mas a VERDADE foi sempre contestada!...”






FONTE: TEIXEIRA NEVES, Pe. Manuel Rodrigues, Kerigma, Edição Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 2008, p. 191.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

DEIXA-TE CONVENCER

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
“Deixa-te convencer” é exortação velada e insinuante que encerra a parábola do rico Epulão e do pobre Lázaro. “Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos”. Esta resposta está posta na boca de Abraão como ponto final a um diálogo persuasivo sobre o valor das coisas vistas da “outra margem do rio”, sobre a importância de saber aproveitar as oportunidades que o tempo nos proporciona, sobre a articulação consequente que existe entre a fase presente da vida e o futuro definitivo.
Deixa-te convencer, pois a vida é só uma, no tempo e na eternidade, embora com ritmos diferentes, tem uma dignidade própria que se manifesta progressivamente nas opções que fazemos e nas atitudes que assumimos, nas relações que criamos e alimentamos e nas associações que organizamos, na sociedade que constituímos.
Deixa-te convencer, pois os bens são pertença de todos e a todos se destinam, de forma equitativa e solidária, estando nas nossas mãos para serem bem geridos, segundo o propósito do Criador que se revela, de modo original, em Jesus de Nazaré, o Filho único de Deus, e as leis justas estabelecidas pela autoridade humana.
Deixa-te convencer, pois o futuro definitivo, a vida eterna, está germinalmente contido no presente, como a árvore na semente, tem a força de atracção mobilizadora das nossas energias e talentos, e oferece-nos a capacidade de aguentar e superar as contrariedades que, frequentemente, surgem no nosso peregrinar; garante-nos que tudo o que fazemos é parcela do bem de todos e está cheio de consequências.
Deixa-te convencer, pois a aspiração à felicidade é fundamental no ser humano, como manifesta o rico Epulão tanto no luxo das vestes e nos esplêndidos banquetes, como sobretudo na experiência de frustração que lhe provoca  sofrimentos horríveis e na súplica aflitiva por ajuda, ainda que mínima; aspiração que comanda a vida nas horas de infortúnio e nos períodos de sucesso. Todos nascemos para ser felizes e vamos construindo a felicidade, sobretudo com pequenas coisas e em momentos fugazes.
Deixa-te convencer. Este é o tempo em que Deus coloca à nossa disposição todos os seus dons, a sua Palavra em tantas vozes humanas; o seu Filho Jesus em tantos rostos (des)figurados que urge reconfigurar; o seu Espírito que livre e discretamente vai agindo em nós para agilizar a nossa resposta coerente, o nosso envolvimento generoso; a sua Igreja que, apesar das limitações, nos abre as portas e acolhe como família de irmãos e nos proporciona o que tem de melhor: a mesa do Senhor, a comunhão de todos uns com os outros em Deus; as pessoas que fazem parte da nossa comum humanidade, familiares, vizinhos, próximos ou distantes. Deixa-te convencer: o futuro feliz está ao nosso alcance, por graça de Deus e esforço de cada um de nós.  

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

«Um dia vamos ser mais família…Hoje é o dia!»:


 

O Tempo como dom na História: coisas da vida familiar.
“Fazer da nossa família o nosso lar”D. António Francisco.

A inquietude, o não-repouso e o ritmo stressante corrompem a nossa Criatividade. Mas ela apazigua-se ou agudiza-se no tempo-de-retorno às atividades mais variadas (escolares, laborais, pastorais, desportivas, etc.). Neste ambiente que todos respiramos somos convidados a viver “UM DIA em FAMÍLIA”, no ESPÍRITO da Missão Jubilar. Eis o tempo, o dom e a tarefa, simples mas muito importante, a experimentar (isto se o fizermos, sem adiamentos…). E se for preciso repeti-la, à proposta encarnada, à medida do nosso Desejo e por nosso Dever/Direito.
A distância que vai da “família real à família ideal”; é uma distância humana. A distância da nossa fragilidade e da nossa liberdade; no fundo da nossa dignidade cuidada ou ferida. “Os meus problemas, são os nossos problemas”. E os nossos problemas não podem ter a última palavra, que seja fechada e/ou surda. Não deveriam ter. Essa distância, que se está a reflectir, – sem desejo de a complicar, mas aprofundando – é, também, a distância de/até Deus… e, naturalmente, equivale à distância de si mesmo.
A Família deve ser reconduzida à (sua) Esperança de encontrar a (sua) Verdade. Tal como o ser humano. Negar “isto” é entrar num estrada de sentido único, enquanto enigma e abismo. Por isso na Família (e em nós pessoas): «Ou nada do que é humano nos é alheio» – somos o que qualquer um de nós é capaz de imaginar -; «ou nada do que é humano nos pode ser alheio» – somos apenas aquilo que faz sentido para nós. Uma descrição é inclusiva, a outra é exclusiva; ou somos definidos por tudo o que há em nós – da nossa família – que devemos ou não rejeitar, ou somos definidos pela inclusão de tudo o que descobrimos sobre nós mesmos e nossa condição familiar. Mas de uma maneira ou de outra a questão ganha forma: o que podemos ou devemos fazer em relação à família, se é que sabemos e devemos fazer alguma coisa!? “Família torna-te no que és!”.
«Deus, pátria e família». Presos no meio da ponte. Presos entre o psiquiatra Júlio Machado Vaz e/ou o padre Gonçalo Portocarrero de Almada, ambos muito perto da realidade; ambos demasiado perto da ficção. A família tradicional e/ou disfuncional é muito maior do que aquilo que “muitos” opinam. Por isso, é necessário reler António Baltasar Marcelino. Ouvir para além das paredes. Caminhar desde as catequeses de infância, adolescência e juventude; desde as catequeses de âmbito familiar; as reuniões de formação multifacetada; os espaços de reflexão e convívio; os rituais sacramentais ao longo das diversas etapas da vida; os critérios de bem-estar e bem-ser, etc.; aí a Família não “morre prematuramente”; a vida familiar renascerá em cada Lar.
A família na sua realidade e dentro das suas vivências, em mudança agitada, não pode descuidar o viver íntimo, mas não fechado em si, de modo disperso em tantas coisas que a negam; para que a “vida familiar” seja vivida, substancialmente, como diálogo com Deus, e assim seja uma vida que possa agregar os outros.
Diante das muitas propostas, sejamos corajosos fiquemos dispostos e comprometidos, gradualmente do mínimo até ao máximo do que somos capazes. Continuando a semear: Deus nos ajudará a sermos mais fecundos e felizes.
Finalizemos com Santo Agostinho, rezando nossos medos, graças e compromissos familiares, já vividos ou a viver: «Tarde Vos amei, / ó Beleza tão antiga e tão nova, / tarde Vos amei! / Eis que habitáveis dentro de mim e eu lá fora a procurar-Vos! / Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. / Estáveis comigo, e eu não estava convosco! / Retinha-me longe de Vós aquilo / que não existiria se não existisse em Vós. / Porém chamastes-me com uma voz tão forte / que rompestes a minha surdez! / Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira! / Exalastes perfume: / respirei-o, suspirando por Vós. / Saboreei-Vos e agora tenho fome e sede de Vós. / Tocastes-me e ardi no desejo da vossa paz»[1].
 

[1]FONTE: St AGOSTINHO, Confissões, Livraria A.I. – Braga, 2008, Livro X, Capítulo 27, p. 322