quinta-feira, 27 de junho de 2013

Igreja, sindicatos e direito à greve

 

A Doutrina Social católica reconhece a legitimidade da greve quando se apresenta como “recurso inevitável, senão mesmo necessário”, tendo em vista um “benefício proporcionado”, como se pode ler no Catecismo da Igreja.
Portugal vive hoje uma greve geral, convocada pelas duas centrais sindicais e apoiada, entre outros, pela Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos e a Juventude Operária Católica.
Segundo o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, “a greve, uma das conquistas mais penosas do associativismo sindical, pode ser definida como a recusa coletiva e concertada, por parte dos trabalhadores, de prestarem o seu trabalho, com o objetivo de obter, por meio da pressão assim exercida sobre os empregadores, sobre o Estado e sobre a opinião pública, melhores condições de trabalho e da sua situação social”.
A greve deve ser sempre um método pacífico de reivindicação e de luta pelos próprios direitos e torna-se “moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou com objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum” indica ainda o referido Compêndio.
A carta apostólica ‘Octogesima Adveniens’, escrita em 1971 pelo Papa Paulo VI, ressalva que, no caso dos serviços públicos “necessários para a vida quotidiana de toda uma comunidade, dever-se-á saber determinar os limites, para além dos quais o prejuízo causado se torna inadmissível”.
A ‘Gaudium et Spes’, constituição pastoral aprovada durante o Concílio Vaticano II (1962-1965), declara no n.º 68 que os parceiros sociais envolvidos numa paralisação devem “retomar o mais depressa possível o caminho da negociação e do diálogo da conciliação”.
João Paulo II, na sua encíclica sobre o trabalho, indicava que os sindicatos “cresceram a partir da luta dos trabalhadores, do mundo do trabalho e, sobretudo, dos trabalhadores da indústria, esforçando-se pela defesa dos seus justos direitos, em confronto com os empresários e os proprietários dos meios de produção” (‘Laborem Exercens’, 20).
Para a Igreja Católica, as organizações sindicais, “perseguindo o seu fim específico ao serviço do bem comum, são um fator construtivo de ordem social e de solidariedade e, portanto, um elemento indispensável da vida social”.
“O reconhecimento dos direitos do trabalho constitui desde sempre um problema de difícil solução, porque se atua no interior de processos históricos e institucionais complexos, e ainda hoje pode considerar-se incompleto. Isto torna mais que nunca atual e necessário o exercício de uma autêntica solidariedade entre os trabalhadores”, assinala o Compêndio da Doutrina Social.
À luz desta conceção, a doutrina social “não pensa que os sindicatos sejam somente o reflexo de uma estrutura ‘de classe’ da sociedade, como não pensa que sejam o expoente de uma luta de classe, que inevitavelmente governe a vida social” (‘Laborem Exercens’, 20).
O Compêndio da Doutrina Social, no seu número 308, refere, por outro lado, que “os sindicatos são chamados a atuar de novas formas, ampliando o raio da própria ação de solidariedade”.
OC










segunda-feira, 17 de junho de 2013

Contribuição para a desconstrução de uma falácia…

 

Há por aí, como sabemos, determinadas ‘verdades’ que, de tantas vezes serem repetidas, até parece que são verdadeiras.
Vou procurar desconstruir uma delas relativa ao horário dos docentes.
Diz-se que os professores nem 35h semanais trabalham, uma vez que a sua Componente Letiva (CL) é de 22h, ou mesmo menor, se se falar dos que têm maior antiguidade.
Vejamos o que esconde a afirmação.
Hoje, um docente até aos 50 anos no 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e no Secundário tem 22h de CL e 13h de Componente Não Letiva (CNL), perfazendo as 35h semanais.
A legislação define que, das 35h, 3 Tempos Letivos (TL) da CNL são para o trabalho na escola – funções referidas no art.º 82 do Estatuto da Carreira Docente (ECD) – entre as quais se encontram as reuniões.
Estas são várias: Departamento, Grupo Disciplinar (GD), Conselhos de Turma (CT) – as atribuídas ao docente, incluindo intercalares (a meio dos períodos) e de caráter disciplinar – bem como todas as outras necessárias.
No GD serão preparatórias e subsequentes de cada Conselho Pedagógico (CP) e as que discutem questões das disciplinas lecionadas, incluindo as de planificação.
Cada reunião tem duração definida de duas horas, não se contabilizando o tempo quer de preparação (documentos têm de ser lidos, elaborados…), quer de realização do decidido (reuniões servem para algo…).
E haverá só uma destas reuniões por semana?
Na hora sobrante, das 3 referidas, atribui-se uma das tarefas descrita no citado art.º 82.
As restantes 10h são, em princípio, trabalho individual.
O docente terá até 8 turmas (este n.º tem vindo a aumentar), uma vez que variam consoante as horas semanais das disciplinas a lecionar.
Falando do Secundário, no qual trabalho, estabeleço a média de 4 turmas/docente, cada uma com 30 alunos (este n.º também tem vindo a aumentar, mais do dobro de qualquer ação de formação profissional), sabendo que as médias são terríveis!
Para corrigir testes num período, no mínimo 2, tem-se: 4Turmasx30Alunos=120Testes; 120Testesx2=240Testes.
Para a correção, dando-se 30min para cada, tem-se: 240Testesx30min=120h.
Tendo em conta os 3 períodos letivos, tem-se: 120hx3Períodos=360h.
Neste ano letivo foram 13+10+10=33Semanas de aulas, pelo que considerando as 10h semanais atribuídas na CNL tem-se: 33Semanasx10h=330h.
Isto é, faltarão 30h só para corrigir testes…
Acresce que até têm de ser elaborados, reproduzidos, recolhidos…
Registo que não contabilizei até aqui a preparação de aulas!
E há que as preparar…
Os trabalhos, temáticos e os de casa, têm de ser corrigidos, as aulas laboratoriais têm de ser concebidas e preparadas, as visitas de estudo têm de ser organizadas…
Com a falta de auxiliares existente nas escolas já se exige aos professores que lavem o material e deixem as salas prontas para serem utilizadas pelo próximo colega…
Então a questão não estará nestes professores, mas sim nos ‘maiores de 50’, porque têm redução da CL, estando aqui, de certeza, o problema…
Vamos então ver o que se passa com aqueles!
Sublinho que os cargos existentes na escola só podem ser atribuídos a estes docentes uma vez que os outros não têm horas para tal, pois no ‘tempo da outra senhora’ (leia-se Dr.ª Lurdes Rodrigues) foi estipulado que deveriam ser desempenhados na CNL.
Seria até útil que quem agora fala em acabar com a redução da CL para os professores mais antigos percebesse que iria ter de nela atribuir as horas para o exercício dos cargos, o que não representaria qualquer ganho de per se…
Faltam horas na CNL para os cargos, não podendo ser todos nela atribuídos aos que ficaram, pois são cada vez menos devido às reformas, verificando-se até utilização de horas de apoio aos alunos para esta finalidade.
E há que salientar que para a maioria dos cargos se estipulam duas horas da CNL para o seu desenvolvimento!
Dou o exemplo do de Coordenador da Saúde, que envolve o da Educação Sexual, área que tenho vindo a trabalhar no doutoramento que desenvolvo.
Com os Mega Agrupamentos, aqueles professores coordenam agora todos os níveis de ensino, do Pré-Escolar ao Secundário.
Basta uma reunião mensal com cada um dos níveis para que se esgote tal tempo.
E não se preparam as reuniões? Não se trabalha o que delas emana?
Se as horas são para coordenação e assim se esgotam, em que tempo se trabalha?
Não se preparam as atividades? Não se despende tempo a contactar intervenientes para as realizações? Não se organizam as visitas de estudo?
Por último, há que desmistificar a também peregrina ideia que os professores têm muitas férias, entendendo-se que é isso que acontece em cada interrupção letiva.
Para além das reuniões de avaliação (4x3h=12h, no caso apresentado), do trabalho administrativo, p. ex. atas, uma vez que, no mínimo, cada um secretaria uma reunião, contabilize-se o tempo de preparação – atribuição de classificações a 120 alunos nas várias componentes (testes e fichas, trabalho de aula, envolvendo o prático, e fora dela, atitudes e valores) – 30h, considerando, no mínimo, 15min/aluno. E vão 42 neste caso!
Cada paragem tem 9 dias (63h) e para além do descrito há que assegurar o secretariado das reuniões, preparar o período seguinte, delinear o planeamento para discussão com os outros colegas do GD, preparar aulas e atividades e fazer a avaliação do trabalho desenvolvido.
No que respeita ao início do ano, regresso a 3 de setembro para quem gozou férias em agosto, envolveu igualmente 9 dias, no máximo.
Reuniões de departamento, de GD (planificação, definição do Plano Anual de Atividades (PAA), distribuição de serviço), dos CT (primeiro conhecimento dos alunos, da turma e discussão de estratégias), Reunião Geral de Professores (RGP)…
Faz-se ainda alguma formação interna e preparam-se aulas e atividades do início do período (recolha e organização de materiais, bibliografia…).
O final do ano envolve as últimas avaliações, com o já descrito para as anteriores, elaboram-se termos, fazem-se exames e vigilâncias e o secretariado das provas internas e externas, que se prolonga agosto dentro.
Constituem-se turmas, desenvolvem-se ocupações de tempos livres para os jovens, elaboram-se relatórios das atividades desenvolvidas e toda a burocracia relacionada com a Avaliação do Desempenho Docente (ADD), frequentam-se ações de formação, faz-se o inventário de recursos…
Realço, no final, que em muitos países da UE os docentes têm 8 semanas de férias, terminando o trabalho com o términus do ano letivo dos alunos, ou na semana seguinte.
Espero ter contribuído para a desconstrução da falácia.
Claro que tal não evita que se continue a dizer o que se quer, pois os objetivos de quem o diz, às vezes, são insondáveis…
Em educação, até se diz que há professores a mais…
E havia tanto para dizer a este nível, como se explica na ‘Educação, levanta-te e luta’.
Não estaremos a falar do melhor do mundo, que são as crianças e os jovens…

Professores, aliados naturais

 
M. Oliveira de Sousa | Justiça e Paz-Aveiro
O período que estamos a viver, acerca dos malefícios cometidos contra a “res” (“coisa”) pública, é algo impudente. Não há critérios sustentados nem sustentáveis, não há princípios minimamente ancorados no debate, na discussão de ideias para ganhar escala participativa, tudo é altamente mutável; participamos, por inação, na destruição de tudo o que faz ser um Estado: conjunto de instituições e serviços de harmonização e equidade social que regulam e apoiam o exercício da soberania e a consolidação de um território.
O que se vê no exercício da soberania? As funções do Estado estão a ser perigosamente conotadas, pelo poder Executivo e, indiretamente, pela base de apoio Parlamentar do mesmo, como veículos coercivos de expolição dos cidadãos: coimas, multas, autos, taxas moderadoras, emolumentos,… desacreditam-se as instituições, desativam-se os serviços, descredibiliza-se o serviço público, mata-se o Estado. Assiste-se à implosão.
Por que razão não atende o Ministério da Educação e Ciência às mais elementares recomendações do Conselho Nacional da Educação, OCDE, UNESCO,… em matéria didático-pedagógica? Isto é, o desenvolvimento económico esta intrinsecamente ligado aos índices de literacia, escolaridade e conhecimento.
Conseguiu-se essa coisa notável, vilmente notável, de descredibilizar as pessoas que tanto fazem para que o Estado cumpra os seus pilares essenciais: educação universal e plural, cultura e ciência. 
Até a greve parece ser algo que se deseja como maldito, proibido.
A greve é nas suas causas em consequências um apelo à consciência coletiva. No caso dos professores, nada que seja da sua responsabilidade ficará por cumprir, com grave prejuízo (tempo, vencimento, acumulação de serviço, serenidade, realização, família) para si próprios, sobretudo do tempo do silêncio – aquele em que no recato de sua casa permite criar, sonhar, planear, fazer auto crítica e auto motivação. Portanto, se fazem greve é porque têm consciência da  mensagem que é preciso anunciar: o futuro está comprometido. Para além do acessório, no serviço docente é feito sem planificação e objetivo pedagógico! A greve dos professores é também um grito para um rápido despertar de educadores e educandos, sejam pais, filhos, profissionais de qualquer área.
Está orquestrada uma mudança radical no direito das pessoas e das instituições: ter cidadãos preparados para responder às necessidades de qualificação do país, da sua sustentabilidade económica, social, ética.
A escola é um espaço didático de interação e aprendizagens, de realização serena e confiante. A escola não é um espaço murado onde uma mole de seres humanos coabita de forma mais ou menos organizada!
Os professores são os aliados naturais dos pais na educação dos jovens!









o amor que nasce da impotência


Pedro José Correia  |  Justiça e Paz-Aveiro

«Nós temos um intervalo entre nascer e morrer. Só um. Só um intervalo. Só um tempo. Só uma vida»
[Miguel Esteves Cardoso]


     A negação que alimenta a Vida. Um Deus que se aproxima e se sente negado na água, no beijo, no óleo. A água que é a pureza e o bem; o beijo, que é o amor; o óleo, que nos envolve, nos unge e amacia o coração. Eis o fariseu da negação quase total. Ficou a corda quase partida.
     Na mulher o medo deu lugar às lágrimas. Reparemos no contraste, tudo se dá e nada se guarda. Na atitude da mulher ferida e humilhada, surge a dignidade e a abertura. Eis a Mulher da afirmação quase total. Ficou a língua solta pelo Silêncio nobre.
     Vem a explicação que tudo baralha. O que está em causa não é saber quanto amor é preciso para poder obter o perdão dos pecados. Trata-se de saber quem está mais disposto a amar: aquele a quem foi perdoado muito ou aquele a quem foi perdoado pouco? Eis o nosso desentendimento parcial.
     Estão juntas duas realidades que parecem diferentes. Amar e perdoar. Nós consideramos que amar é uma coisa e perdoar é outra. Perdoar é sempre um gesto de cima. Eu perdoo, porque sou melhor que os outros. Jesus não permitiu que entendamos o perdão deste modo. “O perdão nasce do amor”. Pensamos nós. Nossa lógica (psicológica).
     Separações duras, mortes violentas, conflitos que deixam marcas, mágoas e até ódios. Façamos um teste a nós próprios. A avaliação está reservada à misericórdia de Deus. O amor mede-se pelo tamanho do perdão. Primeiro, vem o perdão e só depois, o amor. “O amor nasce do perdão”. E não o contrário. Age Deus através de nós. Nossa antropologia (teológica).
       Precisamos de ver as duas realidades juntas. Ambas fecundam a Vida: na negação da mesma Vida. Arrancar a Indiferença dentro de nós. Se não dermos o passo do Perdão, não chegaremos ao Amor. Se sou capaz de perdoar, eu amo. Se não sou ainda capaz de perdoar, tenho ainda e apenas a ilusão de que amo, mas ainda não aprendi a amar. Não estou só.
      O perdão é a-histórico. O amor é eterno. A eternidade fecunda a história em todos os instantes que perduram. O Perdão é o Amor Ressuscitado! Só então, perdoamos e amamos, ou se for a ocasião, amamos e perdoamos. Eis a nossa amenidade limonada!?









O AMOR PERDOA E GERA VIDA NOVA


Georgino Rocha | Justiça e Paz-Aveiro


Jesus aceita o convite para tomar uma refeição em casa de um fariseu, um cultor da lei. Entra e senta-se no seu lugar à mesa. E ocorre o inesperado que vai provocar o ensinamento sobre o amor que perdoa e gera vida nova.
O episódio, segundo Lucas, faz parte da missão de Jesus na região da Galileia, nas imediações do Mar de Tiberíades. Situa-se na fase do anúncio e da concretização do programa messiânico: apresentar e realizar a novidade de Deus em relação às pessoas e às situações de vida ou seja a atenção aos pobres, a libertação dos oprimidos, a inclusão dos marginalizados, a misericórdia e perdão de todas as ofensas/dívidas, o tempo de graça para todos. Programa que contrasta radicalmente com a mentalidade reinante: a salvação exclusiva para os judeus piedosos, a observância meticulosa das leis, a exclusão dos pecadores e dos estranhos.
Jesus aproveita a circunstância para afirmar esta novidade. Fá-lo por palavras e acções. E ilustra-o com uma excelente parábola. O centro da narrativa é: na refeição a mulher pecadora e na parábola o credor generoso que perdoa aos devedores. Os interlocutores principais são: Jesus e Simão, o fariseu anfitrião. Os convivas, quais testemunhas qualificadas, que admiram o que vêem e se interrogame sobre quem será aquele que até perdoa pecados.
A admiração dos convivas é expressão da novidade ocorrida: Um homem a perdoar pecados, uma mulher notoriamente “indigna” a ser reconhecida na sua dignidade, um banquete de comensais sem descriminação, uma sentença assertiva de libertação: “Os teus pecados estão perdoados. A tua fé te salvou. Vai e em paz”.
A mulher anónima realiza gestos de gratidão pelo perdão recebido: perfume derramado em unção, prostração aos pés de Jesus, choro de lágrimas de arrependimento, limpeza dos pés andantes de Jesus, beijos de admiração e ternura; gestos que contrastam com a atitude de Simão, o fariseu. E Jesus confronta-o directamente a fim de descobrir a novidade do amor que perdoa, da misericórdia que supera qualquer sacrifício, do perdão que cura todo o pecado. A parábola vem reforçar este ensinamento. O confronto no diálogo e a aprovação do juízo sobre a atitude do credor na parábola evidenciam como é mais fácil saber o que os outros devem fazer do que sermos coerentes e adoptarmos as práticas correspondentes.
O programa iniciado por Jesus na zona de Tiberíades continua, hoje, a ser anunciado e vivido por tantos voluntários que, solidários com as “sobras” da sociedade e das igrejas, se dedicam generosamente ao serviço de os re-situar de acordo com a dignidade comum a todos e com as capacidades/limitações de cada um; pelas comunidades cristãs que sabem acolher, acompanhar, celebrar, irradiar o amor benevolente de Deus.
Como o Papa Francisco, na sua catequese sobre o Povo de Deus a 12 Julho 2013 somos convidados a rezar: “Que a Igreja «seja lugar da misericórdia e da esperança de Deus, onde cada um se possa sentir acolhido, amado, perdoado, encorajado”. Mas, como é óbvio, “a Igreja deve estar com as portas abertas, para que todos possam entrar. E nós devemos sair por aquelas portas para anunciar o Evangelho”.
A medida do perdão é o amor sem medida. Mostra-o Jesus de forma eloquente. Deus perdoa não pelas nossas obras, mas pela sua grande misericórdia. As obras são resposta coerente e reconhecida. E dão testemunho do perdão recebido numa vida em paz.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

JOVEM, LEVANTA-TE


Georgino Rocha | Justiça e Paz-Aveiro


Esta ordem é dada por Jesus a um jovem defunto que ia ser sepultado. Aconteceu em Naim, terra das delícias. Ao entrar na cidade, duas multidões se encontram: a do cortejo fúnebre a caminho do cemitério e a dos acompanhantes de Jesus. A ordem dada é imperiosa e tem efeitos imediatos. O jovem senta-se e começa a falar. Um coro de vozes se ergue perante a maravilha realizada à vista de todos: Deus visitou o seu povo, enviou-nos um grande profeta. As multidões aclamam com entusiasmo e a fama de Jesus espalha-se pelas regiões vizinhas. Chega, segundo a narrativa de Lucas, aos ouvidos de João Baptista que fica intrigado e resolve enviar dois discípulos a averiguar a verdade dos factos e de quem os provocava.
Também nós somos convidados a cultivar a verdade dos factos, a saber quem lhes dá origem, a descobrir e assumir o sentido que comportam. Não se pode viver de boatos ainda que bem-intencionados, nem de meias verdades ainda que altamente positivas. Só o realismo sadio e a ousadia confiante dão consistência às razões de viver e abrem no presente caminhos de futuro.
O episódio de Naim prefigura, de algum modo, a cena do Calvário. O jovem morto que vai a sepultar pode simbolizar o enterro de Jesus. O ergue-te reproduzirá o gesto pascal da manhã da ressurreição. A entrega à mãe faz lembrar o que acontece junto à cruz e, depois, no túmulo de José de Arimateia. A verdade é reconhecida, apesar dos boatos surgidos. Os discípulos ficam admirados e ganham um novo alento. A multidão aclama a vitória da vida sobre a morte, da esperança contagiante sobre a dúvida persistente que semeia o abatimento e lança o desespero.
Jesus olha para a mãe, capta o drama da sua situação – viúva que perde o filho, seu único arrimo e garantia de futuro -, condói-se interiormente, aproxima-se e diz-lhe: “não chores”. Parece um conselho estranho, uma exortação descabida. No entanto, é a forma de estabelecer a relação de proximidade e de verificar a anuência confiante da mãe do jovem. Por isso, prossegue a sua acção curativa: toca no caixão, faz com que o cortejo pare e, perante o olhar atento de todos, diz a palavra de intimação benevolente: “Jovem, eu te ordeno: Levanta-te”.
A narrativa de Lucas espelha na figura dos intervenientes no episódio de Naim o reflexo de tantas situações da humanidade: Viúvas de maridos vivos, jovens na flor da idade em cortejos de morte lenta, gente perdida na cidade e indiferente ao que vai acontecendo, multidões compadecidas e solidárias que se mantêm na expectativa de que algo pode acontecer. E Jesus surge como o Senhor da vida, o grande profeta enviado por Deus para bem do seu povo, o sanador das feridas humanas, o anunciador de uma nova situação/criação que será definitiva, mas lança raízes fecundas já no presente com a nossa colaboração.