sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

SANTO NATAL E FELIZ 2012

 

Este Natal vai ser diferente; a nossa responsabilidade é outra, a par com tudo o que vimos fazendo, inovando, lendo, dialogando com o mundo. É necessariamente assim com quem se deixa interpelar e assume os compromissos em perspetiva mais hermenêutica.

Natal2011_cdjp
Sejamos nós capazes de entender este "Mistério", a Incarnação, que nos é confiado, a nós vasos de barro, e anunciar em linguagens que o século o inculture e transforme em ordem ao bem comum!?
A nós, mulheres e homens de boa vontade, também nos é pedido ver para além do simbólico. O rosto materno de Deus coabita com Maria.

CDJP.Aveiro

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

SER CRISTÃO NA VIDA PÚBLICA

 
Georgino Rocha
A afirmação parece redundante. Toda a pessoa é relação. A sociedade nasce dos laços de relacionamento entre os cidadãos. Os cristãos são cidadãos de “corpo inteiro”. Tudo o que é humano lhes diz respeito. Nada acontece que esteja fora dos espaços de vida. Também públicos: na sociedade, na política, na educação, na economia, na cultura, na religião.
Esta realidade interpela-nos fortemente: Como superar a ética individualista e vencer a indiferença em que tantos humanos dão sinais claros de viver? Como lançar pontes de contacto e fomentar laços de união, reforçando a natural sociabilidade e criando a autêntica solidariedade no seu sentido mais pleno? Como ajudar tantas pessoas a libertarem-se da indolência face às mudanças em curso; ou com manifesta inércia e preguiça face ao bem de todos, o bem comum? Como passar de ideias generosas e conselhos ponderados a atitudes éticas coerentes?
A resposta é complexa, destacando-se a educação na e para a liberdade e a ética solidária. A liberdade entende-se à luz da verdade que a inteligência humana deve procurar e assumir como valor fundamental da sua dignidade. Supõe, sempre, o domínio dos impulsos cegos e dos critérios egoístas, o controle de vontades indolentes e adormecidas. Exige lucidez prática, atenção solícita, memória fiel, perspectiva correcta. Assim, o rosto social da pessoa deixa transparecer o que ela é verdadeiramente e a prudência converte-se no seu modo normal de proceder.
A ética solidária decorre naturalmente deste modo de ser humano e enriquece a nossa comum humanidade com novos valores, designadamente o valor do contributo de cada um e o apreço pelo bem comum.
O concílio Vaticano II reconhece estes valores e exorta a que sejam tidos em conta para uma sã convivência social, alicerçada no amor, na justiça e na paz. Simultaneamente, denuncia o erro daqueles que ignoram as repercussões de comportamentos anti-sociais, lesivos ao bem comum, o erro dos gostam de fazer caridade, aliviando necessidades individuais e esquecendo que seria mais eficaz eliminar as injustiças que a originam.
O critério da colaboração na promoção do bem comum não é simples nem fácil de determinar e aplicar, sobretudo quando tem como referência «a própria capacidade e a necessidade alheia». Por isso este critério exige a educação das consciências, em ordem a um maior amadurecimento e a uma coerente autonomia dos cristãos com a sua cidadania robustecida pela fé.





EDUCAR OS JOVENS PARA A JUSTIÇA E A PAZ–Mensagem do Papa Bento XVI para o Dia Mundial da Paz 2012_1 de Janeiro


 
1. O INÍCIO DE UM NOVO ANO, dom de Deus à humanidade, induz-me a desejar a todos, com grande confiança e estima, de modo especial que este tempo, que se abre diante de nós, fique marcado concretamente pela justiça e a paz.
Com qual atitude devemos olhar para o novo ano? No salmo 130, encontramos uma imagem muito bela. O salmista diz que o homem de fé aguarda pelo Senhor « mais do que a sentinela pela aurora » (v. 6), aguarda por Ele com firme esperança, porque sabe que trará luz, misericórdia, salvação. Esta expectativa nasce da experiência do povo eleito, que reconhece ter sido educado por Deus a olhar o mundo na sua verdade sem se deixar abater pelas tribulações. Convido-vos a olhar o ano de 2012 com esta atitude confiante. É verdade que, no ano que termina, cresceu o sentido de frustração por causa da crise que aflige a sociedade, o mundo do trabalho e a economia; uma crise cujas raízes são primariamente culturais e antropológicas. Quase parece que um manto de escuridão teria descido sobre o nosso tempo, impedindo de ver com clareza a luz do dia.
Mas, nesta escuridão, o coração do homem não cessa de aguardar pela aurora de que fala o salmista. Esta expectativa mostra-se particularmente viva e visível nos jovens; e é por isso que o meu pensamento se volta para eles, considerando o contributo que podem e devem oferecer à sociedade. Queria, pois, revestir a Mensagem para o XLV Dia Mundial da Paz duma perspectiva educativa: « Educar os jovens para a justiça e a paz », convencido de que eles podem, com o seu entusiasmo e idealismo, oferecer uma nova esperança ao mundo.
A minha Mensagem dirige-se também aos pais, às famílias, a todas as componentes educativas, formadoras, bem como aos responsáveis nos diversos âmbitos da vida religiosa, social, política, económica, cultural e mediática. Prestar atenção ao mundo juvenil, saber escutá-lo e valorizá-lo para a construção dum futuro de justiça e de paz não é só uma oportunidade mas um dever primário de toda a sociedade.
Trata-se de comunicar aos jovens o apreço pelo valor positivo da vida, suscitando neles o desejo de consumá-la ao serviço do Bem. Esta é uma tarefa, na qual todos nós estamos, pessoalmente, comprometidos.
As preocupações manifestadas por muitos jovens nestes últimos tempos, em várias regiões do mundo, exprimem o desejo de poder olhar para o futuro com fundada esperança. Na hora actual, muitos são os aspectos que os trazem apreensivos: o desejo de receber uma formação que os prepare de maneira mais profunda para enfrentar a realidade, a dificuldade de formar uma família e encontrar um emprego estável, a capacidade efectiva de intervir no mundo da política, da cultura e da economia contribuindo para a construção duma sociedade de rosto mais humano e solidário.
É importante que estes fermentos e o idealismo que encerram encontrem a devida atenção em todas  as componentes da sociedade. A Igreja olha para os jovens com esperança, tem confiança neles e encoraja-os a procurarem a verdade, a defenderem o bem comum, a possuírem perspectivas abertas sobre o mundo e olhos capazes de ver « coisas novas » (Is 42, 9; 48, 6).
Os responsáveis da educação
2. A educação é a aventura mais fascinante e difícil da vida. Educar – na sua etimologia latinaeducere – significa conduzir para fora de si mesmo ao encontro da realidade, rumo a uma plenitude que faz crescer a pessoa. Este processo alimenta-se do encontro de duas liberdades: a do adulto e a do jovem. Isto exige a responsabilidade do discípulo, que deve estar disponível para se deixar guiar no conhecimento da realidade, e a do educador, que deve estar disposto a dar-se a si mesmo. Mas, para isso, não bastam meros dispensadores de regras e informações; são necessárias testemunhas autênticas, ou seja, testemunhas que saibam ver mais longe do que os outros, porque a sua vida abraça espaços mais amplos. A testemunha é alguém que vive, primeiro, o caminho que propõe.
E quais são os lugares onde amadurece uma verdadeira educação para a paz e a justiça? Antes de mais nada, a família, já que os pais são os primeiros educadores. A família é célula originária da sociedade. « É na família que os filhos aprendem os valores humanos e cristãos que permitem uma convivência construtiva e pacífica. É na família que aprendem a solidariedade entre as gerações, o respeito pelas regras, o perdão e o acolhimento do outro ».[1] Esta é a primeira escola, onde se educa para a justiça e a paz.
Vivemos num mundo em que a família e até a própria vida se vêem constantemente ameaçadas e, não raro, destroçadas. Condições de trabalho frequentemente pouco compatíveis com as responsabilidades familiares, preocupações com o futuro, ritmos frenéticos de vida, emigração à procura dum adequado sustentamento se não mesmo da pura sobrevivência, acabam por tornar difícil a possibilidade de assegurar aos filhos um dos bens mais preciosos: a presença dos pais; uma presença, que permita compartilhar de forma cada vez mais profunda o caminho para se poder transmitir a experiência e as certezas adquiridas com os anos – o que só se torna viável com o tempo passado juntos. Queria aqui dizer aos pais para não desanimarem! Com o exemplo da sua vida, induzam os filhos a colocar a esperança antes de tudo em Deus, o único de quem surgem justiça e paz autênticas.
Quero dirigir-me também aos responsáveis das instituições com tarefas educativas: Velem, com grande sentido de responsabilidade, por que seja respeitada e valorizada em todas as circunstâncias a dignidade de cada pessoa. Tenham a peito que cada jovem possa descobrir a sua própria vocação, acompanhando-o para fazer frutificar os dons que o Senhor lhe concedeu. Assegurem às famílias que os seus filhos não terão um caminho formativo em contraste com a sua consciência e os seus princípios religiosos.
Possa cada ambiente educativo ser lugar de abertura ao transcendente e aos outros; lugar de diálogo, coesão e escuta, onde o jovem se sinta valorizado nas suas capacidades e riquezas interiores e aprenda a apreciar os irmãos. Possa ensinar a saborear a alegria que deriva de viver dia após dia a caridade e a compaixão para com o próximo e de participar activamente na construção duma sociedade mais humana e fraterna.
Dirijo-me, depois, aos responsáveis políticos, pedindo-lhes que ajudem concretamente as famílias e as instituições educativas a exercerem o seu direito-dever de educar. Não deve jamais faltar um adequado apoio à maternidade e à paternidade. Actuem de modo que a ninguém seja negado o acesso à instrução e que as famílias possam escolher livremente as estruturas educativas consideradas mais idóneas para o bem dos seus filhos. Esforcem-se por favorecer a reunificação das famílias que estão separadas devido à necessidade de encontrar meios de subsistência. Proporcionem aos jovens uma imagem transparente da política, como verdadeiro serviço para o bem de todos.
Não posso deixar de fazer apelo ainda ao mundo dos media para que prestem a sua contribuição educativa. Na sociedade actual, os meios de comunicação de massa têm uma função particular: não só informam, mas também formam o espírito dos seus destinatários e, consequentemente, podem concorrer notavelmente para a educação dos jovens. É importante ter presente a ligação estreitíssima que existe entre educação e comunicação: de facto, a educação realiza-se por meio da comunicação, que influi positiva ou negativamente na formação da pessoa.
Também os jovens devem ter a coragem de começar, eles mesmos, a viver aquilo que pedem a quantos os rodeiam. Que tenham a força de fazer um uso bom e consciente da liberdade, pois cabe-lhes em tudo isto uma grande responsabilidade: são responsáveis pela sua própria educação e formação para a justiça e a paz.
Educar para a verdade e a liberdade
3. Santo Agostinho perguntava-se: « Quid enim fortius desiderat anima quam veritatem – que deseja o homem mais intensamente do que a verdade? ».[2] O rosto humano duma sociedade depende muito da contribuição da educação para manter viva esta questão inevitável. De facto, a educação diz respeito à formação integral da pessoa, incluindo a dimensão moral e espiritual do seu ser, tendo em vista o seu fim último e o bem da sociedade a que pertence. Por isso, a fim de educar para a verdade, é preciso antes de mais nada saber que é a pessoa humana, conhecer a sua natureza. Olhando a realidade que o rodeava, o salmista pôs-se a pensar: « Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que Vós criastes: que é o homem para Vos lembrardes dele, o filho do homem para com ele Vos preocupardes? » (Sal 8, 4-5). Esta é a pergunta fundamental que nos devemos colocar: Que é o homem? O homem é um ser que traz no coração uma sede de infinito, uma sede de verdade – não uma verdade parcial, mas capaz de explicar o sentido da vida –, porque foi criado à imagem e semelhança de Deus. Assim, o facto de reconhecer com gratidão a vida como dom inestimável leva a descobrir a dignidade profunda e a inviolabilidade própria de cada pessoa. Por isso, a primeira educação consiste em aprender a reconhecer no homem a imagem do Criador e, consequentemente, a ter um profundo respeito por cada ser humano e ajudar os outros a realizarem uma vida conforme a esta sublime dignidade. É preciso não esquecer jamais que « o autêntico desenvolvimento do homem diz respeito unitariamente à totalidade da pessoa em todas as suas dimensões »,[3] incluindo a transcendente, e que não se pode sacrificar a pessoa para alcançar um bem particular, seja ele económico ou social, individual ou colectivo.
Só na relação com Deus é que o homem compreende o significado da sua liberdade, sendo tarefa da educação formar para a liberdade autêntica. Esta não é a ausência de vínculos, nem o império do livre arbítrio; não é o absolutismo do eu. Quando o homem se crê um ser absoluto, que não depende de nada nem de ninguém e pode fazer tudo o que lhe apetece, acaba por contradizer a verdade do seu ser e perder a sua liberdade. De facto, o homem é precisamente o contrário: um ser relacional, que vive em relação com os outros e sobretudo com Deus. A liberdade autêntica não pode jamais ser alcançada, afastando-se d’Ele.
A liberdade é um valor precioso, mas delicado: pode ser mal entendida e usada mal. « Hoje um obstáculo particularmente insidioso à acção educativa é constituído pela presença maciça, na nossa sociedade e cultura, daquele relativismo que, nada reconhecendo como definitivo, deixa como última medida somente o próprio eu com os seus desejos e, sob a aparência da liberdade, torna-se para cada pessoa uma prisão, porque separa uns dos outros, reduzindo cada um a permanecer fechado dentro do próprio “eu”. Dentro de um horizonte relativista como este, não é possível, portanto, uma verdadeira educação: sem a luz da verdade, mais cedo ou mais tarde cada pessoa está, de facto, condenada a duvidar da bondade da sua própria vida e das relações que a constituem, da validez do seu compromisso para construir com os outros algo em comum ».[4]
Por conseguinte o homem, para exercer a sua liberdade, deve superar o horizonte relativista e conhecer a verdade sobre si próprio e a verdade acerca do que é bem e do que é mal. No íntimo da consciência, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer e cuja voz o chama a amar e fazer o bem e a fugir do mal, a assumir a responsabilidade do bem cumprido e do mal praticado.[5] Por isso o exercício da liberdade está intimamente ligado com a lei moral natural, que tem carácter universal, exprime a dignidade de cada pessoa, coloca a base dos seus direitos e deveres fundamentais e, consequentemente, da convivência justa e pacífica entre as pessoas.
Assim o recto uso da liberdade é um ponto central na promoção da justiça e da paz, que exigem a cada um o respeito por si próprio e pelo outro, mesmo possuindo um modo de ser e viver distante do meu. Desta atitude derivam os elementos sem os quais paz e justiça permanecem palavras desprovidas de conteúdo: a confiança recíproca, a capacidade de encetar um diálogo construtivo, a possibilidade do perdão, que muitas vezes se quereria obter mas sente-se dificuldade em conceder, a caridade mútua, a compaixão para com os mais frágeis, e também a prontidão ao sacrifício.
Educar para a justiça
4. No nosso mundo, onde o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, não obstante as proclamações de intentos, está seriamente ameaçado pela tendência generalizada de recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade, do lucro e do ter, é importante não separar das suas raízes transcendentes o conceito de justiça. De facto, a justiça não é uma simples convenção humana, pois o que é justo determina-se originariamente não pela lei positiva, mas pela identidade profunda do ser humano. É a visão integral do homem que impede de cair numa concepção contratualista da justiça e permite abrir também para ela o horizonte da solidariedade e do amor.[6]
Não podemos ignorar que certas correntes da cultura moderna, apoiadas em princípios económicos racionalistas e individualistas, alienaram das suas raízes transcendentes o conceito de justiça, separando-o da caridade e da solidariedade. Ora « a “cidade do homem” não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdia e comunhão. A caridade manifesta sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor teologal e salvífico a todo o empenho de justiça no mundo ».[7]
« Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados » (Mt 5, 6). Serão saciados, porque têm fome e sede de relações justas com Deus, consigo mesmo, com os seus irmãos e irmãs, com a criação inteira.
Educar para a paz
5. « A paz não é só ausência de guerra, nem se limita a assegurar o equilíbrio das forças adversas. A paz não é possível na terra sem a salvaguarda dos bens das pessoas, a livre comunicação entre os seres humanos, o respeito pela dignidade das pessoas e dos povos e a prática assídua da fraternidade ».[8] A paz é fruto da justiça e efeito da caridade. É, antes de mais nada, dom de Deus. Nós, os cristãos, acreditamos que a nossa verdadeira paz é Cristo: n’Ele, na sua Cruz, Deus reconciliou consigo o mundo e destruiu as barreiras que nos separavam uns dos outros (cf. Ef 2, 14-18); n’Ele, há uma única família reconciliada no amor.
A paz, porém, não é apenas dom a ser recebido, mas obra a ser construída. Para sermos verdadeiramente artífices de paz, devemos educar-nos para a compaixão, a solidariedade, a colaboração, a fraternidade, ser activos dentro da comunidade e solícitos em despertar as consciências para as questões nacionais e internacionais e para a importância de procurar adequadas modalidades de redistribuição da riqueza, de promoção do crescimento, de cooperação para o desenvolvimento e de resolução dos conflitos. « Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus » – diz Jesus no sermão da montanha (Mt 5, 9).
A paz para todos nasce da justiça de cada um, e ninguém pode subtrair-se a este compromisso essencial de promover a justiça segundo as respectivas competências e responsabilidades. De forma particular convido os jovens, que conservam viva a tensão pelos ideais, a procurarem com paciência e tenacidade a justiça e a paz e a cultivarem o gosto pelo que é justo e verdadeiro, mesmo quando isso lhes possa exigir sacrifícios e obrigue a caminhar contracorrente.
Levantar os olhos para Deus
6. Perante o árduo desafio de percorrer os caminhos da justiça e da paz, podemos ser tentados a interrogar-nos como o salmista: « Levanto os olhos para os montes, de onde me virá o auxílio? » (Sal 121, 1).
A todos, particularmente aos jovens, quero bradar: « Não são as ideologias que salvam o mundo, mas unicamente o voltar-se para o Deus vivo, que é o nosso criador, o garante da nossa liberdade, o garante do que é deveras bom e verdadeiro (…), o voltar-se sem reservas para Deus, que é a medida do que é justo e, ao mesmo tempo, é o amor eterno. E que mais nos poderia salvar senão o amor? ».[9] O amor rejubila com a verdade, é a força que torna capaz de comprometer-se pela verdade, pela justiça, pela paz, porque tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta (cf. 1 Cor 13, 1-13).
Queridos jovens, vós sois um dom precioso para a sociedade. Diante das dificuldades, não vos deixeis invadir pelo desânimo nem vos abandoneis a falsas soluções, que frequentemente se apresentam como o caminho mais fácil para superar os problemas. Não tenhais medo de vos empenhar, de enfrentar a fadiga e o sacrifício, de optar por caminhos que requerem fidelidade e constância, humildade e dedicação.
Vivei com confiança a vossa juventude e os anseios profundos que sentis de felicidade, verdade, beleza e amor verdadeiro. Vivei intensamente esta fase da vida, tão rica e cheia de entusiasmo.
Sabei que vós mesmos servis de exemplo e estímulo para os adultos, e tanto mais o sereis quanto mais vos esforçardes por superar as injustiças e a corrupção, quanto mais desejardes um futuro melhor e vos comprometerdes a construí-lo. Cientes das vossas potencialidades, nunca vos fecheis em vós próprios, mas trabalhai por um futuro mais luminoso para todos. Nunca vos sintais sozinhos! A Igreja confia em vós, acompanha-vos, encoraja-vos e deseja oferecer-vos o que tem de mais precioso: a possibilidade de levantar os olhos para Deus, de encontrar Jesus Cristo – Ele que é a justiça e a paz.
Oh vós todos, homens e mulheres, que tendes a peito a causa da paz! Esta não é um bem já alcançado mas uma meta, à qual todos e cada um deve aspirar. Olhemos, pois, o futuro com maior esperança, encorajemo-nos mutuamente ao longo do nosso caminho, trabalhemos para dar ao nosso mundo um rosto mais humano e fraterno e sintamo-nos unidos na responsabilidade que temos para com as jovens gerações, presentes e futuras, nomeadamente quanto à sua educação para se tornarem pacíficas e pacificadoras! Apoiado em tal certeza, envio-vos estas refl exões que se fazem apelo: Unamos as nossas forças espirituais, morais e materiais, a fim de « educar os jovens para a justiça e a paz ».
Vaticano, 8 de Dezembro de 2011.
BENEDICTUS PP XVI






































domingo, 27 de novembro de 2011

“A ação de Deus em favor do seu Povo é o fundamento da Esperança”




1. Hoje iniciamos o tempo litúrgico do Advento, profundamente marcado pela virtude da esperança. Valor essencial de toda a vida cristã, a nossa sociedade vive tempos em que é urgente cultivar a esperança, anunciá-la através do testemunho daqueles que confiam que se Deus está connosco, estamos salvos. Desta esperança que encontra o seu fundamento na presença de Deus no meio de nós só os crentes podem ser testemunhas. Esta dimensão sobrenatural não anula a esperança humana, antes ajuda os homens a encontrarem o verdadeiro fundamento da sua confiança.
É por isso que o Advento é um tempo litúrgico marcado pela esperança. Celebramos a definitiva presença salvífica de Deus a agir no meio do seu Povo e no coração dos homens, em Jesus Cristo, Deus incarnado que nos redime e através do dom do Espírito Santo nos inspira a viver todas as realidades humanas com nobreza e grandeza. Cristo é, continua a ser, Deus a agir no meio do seu Povo, com a força da sua Páscoa, com o seu amor de Bom Pastor, com a luz do Espírito Santo, com a promessa da sua última manifestação para a transformação definitiva da história. O Advento é um tempo abrangente de todas as etapas da esperança: dos que esperaram, longamente, a vinda do Messias; dos que acreditam que Jesus é Deus no meio de nós, no âmago da nossa história; dos que esperam continuamente que Deus se lhes manifeste; dos que aguardam a última vinda do Senhor, para salvar definitivamente a humanidade.

2. Perante a necessidade de redenção do Povo de Israel o Profeta Isaías pede que Deus desça do Céu e Se manifeste no meio do seu Povo: “Voltai, por amor dos vossos servos e das tribos da vossa herança. Oh, se rasgásseis os céus e descêsseis! Ante a Vossa face estremeceriam os montes!” (Is. 63,19).
Perante a realidade da nossa sociedade, nós os crentes que sabemos que só com a ação de Deus a humanidade se transformará, apetece-nos clamar como o Profeta: descei, Senhor, lá do alto dos céus, sede Deus connosco, mostrai a vossa força transformadora, porque “nosso Pai e nosso Redentor, é desde sempre o Vosso Nome” (Is. 63,16). Mas o mesmo Profeta dá a resposta a essa nossa prece: “Mas Vós descestes… Vós saís ao encontro dos que praticam a justiça e recordam os vossos caminhos” (Is. 64,4). Esta certeza de que Deus já desceu e veio ao nosso encontro no seu Filho Jesus Cristo é o centro da nossa fé, o fundamento da nossa esperança. É esta certeza de fé que a Igreja recorda no Advento. Em Jesus Cristo, Deus revelou-Se, definitivamente, como Deus connosco, a agir no dia a dia da nossa realidade. Ao comunicar-nos o Espírito Santo revelou-nos que a força que pode transformar os homens é o seu amor, é o nosso amor uns pelos outros, que encontra a sua fonte, não apenas na força da natureza, mas no amor de Deus, Ele que nos amou primeiro.
Esta certeza de fé, que é experiência de salvação, é proclamada por Paulo na sua primeira Carta aos Coríntios: “Dou graças a Deus a vosso respeito pela graça divina que nos foi dada em Cristo Jesus. Porque fostes enriquecidos em tudo: em toda a palavra e em todo o conhecimento; e, deste modo, tornou-se firme em vós o testemunho de Cristo. De facto, já não vos falta nenhum dom da graça” (1Cor. 1,4-7).

3. Se já não nos falta nenhum dom da graça, então o que é que nos falta para sentirmos a ação de Deus, para vermos, hoje, a salvação a acontecer? A abertura do coração dos crentes a este dom de Deus, que é Jesus Cristo, o Deus connosco. Temos de escutar a sua Palavra como expressão do que nos quer dizer em cada momento; temos de nos deixar invadir pelo Seu amor, acreditando que só o amor transforma o mundo; seguirmos os caminhos da graça de que Ele dotou a sua Igreja; termos a simplicidade de travarmos as nossas lutas e percorrer os caminhos da vida, na simplicidade dos gestos sacramentais; deixarmos que Ele nos transforme, para podermos confiar que Ele transformará o mundo. Ele já veio e não está ausente dos caminhos dos homens; nós é que nos afastamos d’Ele.
A esperança depende da fidelidade dos cristãos, da sua busca da santidade. Nem sempre percebemos como é que a transformação que Ele realiza em nós, se repercute na transformação do mundo. Mas Ele sabe. Uma coisa é certa: Ele quer uma Igreja Santa, que seja fermento na massa, ou, na expressão do Concílio Vaticano II, sacramento de salvação. O advento só será tempo de esperança se aprofundar, em nós, o ardor da santidade. Nesse ardor entrecruzam-se todos os grandes desafios que o Santo Padre nos lança: Nova Evangelização, Ano da Fé, aniversário do Concílio.

4. Esta certeza de que o Senhor não está ausente, exprime-se, hoje, nesta celebração, na administração do sacramento da Ordem, a diáconos que daqui a meses serão presbíteros. Este sacramento é uma experiência maravilhosa de que Deus age, não de forma mítica, mas transformando os homens, dando-lhes o poder de agirem com a força de Deus, de serem a expressão visível e sensível de que Deus não abandonou o seu Povo.
Maria foi a primeira criatura a deixar-se transformar completamente pela ação de Deus. Ela continua a ser a expressão viva da presença de Deus no mundo. Continua a entregar-nos o Seu Filho Jesus. E se na sua vida pessoal ela participa da intimidade do amor trinitário, como instrumento de salvação, continua a atrair-nos com a força do amor de Deus. Rainha do Advento, porque é, realmente, estímulo da nossa esperança e causa da nossa alegria.
Mosteiro dos Jerónimos, 27 de novembro de 2011
D. José Policarpo, cardeal-patriarca de Lisboa

terça-feira, 22 de novembro de 2011

DIÁLOGOS NA CIDADE


CONVITE -Elogio à Fraternidade

Comissão Diocesana Justiça e Paz tomou posse


A nova Comissão Diocesana Justiça e Paz, presidida por Manuel Oliveira de Sousa, tomou posse no passado sábado, e a equipa agora empossada tem por objectivo o despertar da Doutrina Social da Igreja na Igreja de Aveiro, na sociedade e junto dos que mais necessitam. Esta comissão está organizada por várias áreas como Ambiente e Sustentabilidade, Ciência, Economia e Emprego, Justiça, Mobilidade, Saúde, Comunicação e Família. Na equipa estão nomes como José Vaz, José Carlos Mota, Amélia Rebelo e Óscar Gaspar.
Uma equipa que junta juventude e experiência e que segundo Manuel Sousa procura respostas no campo da doutrina social da Igreja. “Queríamos aproveitar uma série de recursos que temos de gente que colabora e o perfil que criámos para podermos dar corpo a esta comissão, atendendo a jovens e gente que trabalhou em vários serviços da diocese e outras pessoas com experiência profissional rica em diversidade do seu currículo, que vem ao encontro que o compêndio a Igreja define como áreas prioritárias de intervenção”, adianta Manuel Sousa.
O Padre João Gonçalves, vigário para a Pastoral Social, conta com este novo elenco para receber alertas que a sociedade manifeste para depois e, em conjunto, procurar dar as respostas possíveis. “Possa receber desta comissão uma grande sensibilidade, alertas e sos. E que os nossos grupos possam dar resposta. Espero que a comissão faça uma leitura constante sobre as carências, dificuldade as problemáticas da diocese e a um nível mais aberto para que nos grupos possamos dar as respostas possíveis”, sublinha o Vigário para a Pastoral Social.

sábado, 19 de novembro de 2011

SER CRISTÃO NA SOCIEDADE



O cristão é membro qualificado da sociedade. Como todas as pessoas tem humanidade que fundamenta a cidadania e como muitas outras tem uma religião que dá sentido ao estilo de vida com a marca e o jeito de Jesus Cristo. Por isso, o seu espaço privilegiado de realização tem a ver com o âmbito social e, nele, com todas as dimensões que este abrange e promove.

Fora da sociedade a cidadania dilui-se e a fé cristã empobrece de tal maneira que se descaracteriza e desfigura. A par de outros agentes educativos, a sociedade surge como a grande escola de educação. Daí, a importância de saber apreciar e promover os valores fundamentais sejam eles privados ou públicos, políticos e culturais, económicos ou religiosos.
Todos os valores tem como centro a pessoa humana e como objectivo mobilizador a sua qualidade de vida chamada à plenitude em Jesus Cristo. O que é indigno da pessoa desfigura o rosto de Deus e dá azo às mais diversas alergias religiosas.

A pessoa humana constitui o primeiro centro de responsabilidade social do cristão. Nem de outro modo pode ser. Do Mestre vem o exemplo e o mandato. Quem não lhe liga anda por longe da sua mensagem. A sua compreensão integral mostra a pessoa como um ser dinâmico em crescimento, dotado de uma dignidade inviolável e de uma responsabilidade solidária inalienável.

Ser em crescimento dinâmico, a pessoa está dotada de uma inteligência que procura a verdade e, encontrando-a, a assume e segue sem rodeios. Possui uma consciência que vai escalonando os valores que dignificam o seu proceder e rejeita o que o avilta, dando testemunho de uma sabedoria de vida apreciável. Goza de uma liberdade única, fruto da verdade e não de impulsos descontrolados ou modas publicitárias, espelho da grandeza dos valores que dão sentido às opções de cada dia.

Toda a pessoa é uma unidade de diversidades múltiplas: fisiológicas, psicológicas, relacionais e sociológicas, espirituais e de comunhão com o divino. Ter em conta o conjunto é indispensável para gerar e viver a harmonia do humano que há em nós. Atender apenas a uma parte é mutilá-lo e, a par de experiências de satisfação e de êxito, armazenar razões emocionais próximas da frustração e fazer surgir um figurino que desvirtua o rosto original que pretende espelhar: ser imagem e semelhança de Deus que, em Jesus Cristo, nos dá a medida e o estilo a que estamos chamados, a harmonia da beleza e do bem que nos eleva e realiza.

Georgino Rocha

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Discurso de Bento XVI no encontro inter-religioso de Assis



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Queridos irmãos e irmãs,
distintos Chefes e representantes das Igrejas e Comunidades eclesiais e das religiões do mundo,
queridos amigos,
Passaram-se vinte e cinco anos desde quando pela primeira vez o beato Papa João Paulo II convidou representantes das religiões do mundo para uma oração pela paz em Assis. O que aconteceu desde então? Como se encontra hoje a causa da paz? Naquele momento, a grande ameaça para a paz no mundo provinha da divisão da terra em dois blocos contrapostos entre si. O símbolo saliente daquela divisão era o muro de Berlim que, atravessando a cidade, traçava a fronteira entre dois mundos. Em 1989, três anos depois do encontro em Assis, o muro caiu, sem derramamento de sangue. Inesperadamente, os enormes arsenais, que estavam por detrás do muro, deixaram de ter qualquer significado. Perderam a sua capacidade de aterrorizar. A vontade que tinham os povos de ser livres era mais forte que os arsenais da violência. A questão sobre as causas de tal derrocada é complexa e não pode encontrar uma resposta em simples fórmulas. Mas, ao lado dos fatores económicos e políticos, a causa mais profunda de tal acontecimento é de caráter espiritual: por detrás do poder material, já não havia qualquer convicção espiritual. Enfim, a vontade de ser livre foi mais forte do que o medo face a uma violência que não tinha mais nenhuma cobertura espiritual. Sentimo-nos agradecidos por esta vitória da liberdade, que foi também e sobretudo uma vitória da paz. E é necessário acrescentar que, embora neste contexto não se tratasse somente, nem talvez primariamente, da liberdade de crer, também se tratava dela. Por isso, podemos de certo modo unir tudo isto também com a oração pela paz.
Mas, que aconteceu depois? Infelizmente, não podemos dizer que desde então a situação se caracterize por liberdade e paz. Embora a ameaça da grande guerra não se aviste no horizonte, todavia o mundo está, infelizmente, cheio de discórdias. E não é somente o facto de haver, em vários lugares, guerras que se reacendem repetidamente; a violência como tal está potencialmente sempre presente e caracteriza a condição do nosso mundo. A liberdade é um grande bem. Mas o mundo da liberdade revelou-se, em grande medida, sem orientação, e não poucos entendem, erradamente, a liberdade também como liberdade para a violência. A discórdia assume novas e assustadoras fisionomias e a luta pela paz deve-nos estimular a todos de um modo novo
Procuremos identificar, mais de perto, as novas fisionomias da violência e da discórdia. Em grandes linhas, parece-me que é possível individuar duas tipologias diferentes de novas formas de violência, que são diametralmente opostas na sua motivação e, nos particulares, manifestam muitas variantes. Primeiramente temos o terrorismo, no qual, em vez de uma grande guerra, realizam-se ataques bem definidos que devem atingir pontos importantes do adversário, de modo destrutivo e sem nenhuma preocupação pelas vidas humanas inocentes, que acabam cruelmente ceifadas ou mutiladas. Aos olhos dos responsáveis, a grande causa da danificação do inimigo justifica qualquer forma de crueldade. É posto de lado tudo aquilo que era comummente reconhecido e sancionado como limite à violência no direito internacional. Sabemos que, frequentemente, o terrorismo tem uma motivação religiosa e que precisamente o caráter religioso dos ataques serve como justificação para esta crueldade monstruosa, que crê poder anular as regras do direito por causa do «bem» pretendido. Aqui a religião não está ao serviço da paz, mas da justificação da violência.
A crítica da religião, a partir do Iluminismo, alegou repetidamente que a religião seria causa de violência e assim fomentou a hostilidade contra as religiões. Que, no caso em questão, a religião motive de facto a violência é algo que, enquanto pessoas religiosas, nos deve preocupar profundamente. De modo mais subtil mas sempre cruel, vemos a religião como causa de violência também nas situações onde esta é exercida por defensores de uma religião contra os outros. O que os representantes das religiões congregados no ano 1986, em Assis, pretenderam dizer – e nós o repetimos com vigor e grande firmeza – era que esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição. Contra isso, objeta-se: Mas donde deduzis qual seja a verdadeira natureza da religião? A vossa pretensão por acaso não deriva do facto que se apagou entre vós a força da religião? E outros objetarão: Mas existe verdadeiramente uma natureza comum da religião, que se exprima em todas as religiões e, por conseguinte, seja válida para todas? Devemos enfrentar estas questões, se quisermos contrastar de modo realista e credível o recurso à violência por motivos religiosos. Aqui situa-se uma tarefa fundamental do diálogo inter-religioso, uma tarefa que deve ser novamente sublinhada por este encontro. Como cristão, quero dizer, neste momento: É verdade, na história, também se recorreu à violência em nome da fé cristã. Reconhecemo-lo, cheios de vergonha. Mas, sem sombra de dúvida, tratou-se de um uso abusivo da fé cristã, em contraste evidente com a sua verdadeira natureza. O Deus em quem nós, cristãos, acreditamos é o Criador e Pai de todos os homens, a partir do qual todas as pessoas são irmãos e irmãs entre si e constituem uma única família. A Cruz de Cristo é, para nós, o sinal daquele Deus que, no lugar da violência, coloca o sofrer com o outro e o amar com o outro. O seu nome é «Deus do amor e da paz» (2 Cor 13,11). É tarefa de todos aqueles que possuem alguma responsabilidade pela fé cristã, purificar continuamente a religião dos cristãos a partir do seu centro interior, para que – apesar da fraqueza do homem – seja verdadeiramente instrumento da paz de Deus no mundo.
Se hoje uma tipologia fundamental da violência tem motivação religiosa, colocando assim as religiões perante a questão da sua natureza e obrigando-nos a todos a uma purificação, há uma segunda tipologia de violência, de aspeto multiforme, que possui uma motivação exatamente oposta: é a consequência da ausência de Deus, da sua negação e da perda de humanidade que resulta disso. Como dissemos, os inimigos da religião veem nela uma fonte primária de violência na história da humanidade e, consequentemente, pretendem o desaparecimento da religião. Mas o «não» a Deus produziu crueldade e uma violência sem medida, que foi possível só porque o homem deixara de reconhecer qualquer norma e juiz superior, mas tomava por norma somente a si mesmo. Os horrores dos campos de concentração mostram, com toda a clareza, as consequências da ausência de Deus.
Aqui, porém, não pretendo deter-me no ateísmo prescrito pelo Estado; queria, antes, falar da «decadência» do homem, em consequência da qual se realiza, de modo silencioso, e por conseguinte mais perigoso, uma alteração do clima espiritual. A adoração do dinheiro, do ter e do poder, revela-se uma contrarreligião, na qual já não importa o homem, mas só o lucro pessoal. O desejo de felicidade degenera num anseio desenfreado e desumano como se manifesta, por exemplo, no domínio da droga com as suas formas diversas. Aí estão os grandes que com ela fazem os seus negócios, e depois tantos que acabam seduzidos e arruinados por ela tanto no corpo como na alma. A violência torna-se uma coisa normal e, em algumas partes do mundo, ameaça destruir a nossa juventude. Uma vez que a violência se torna uma coisa normal, a paz fica destruída e, nesta falta de paz, o homem destrói-se a si mesmo.
A ausência de Deus leva à decadência do homem e do humanismo. Mas, onde está Deus? Temos nós possibilidades de O conhecer e mostrar novamente à humanidade, para fundar uma verdadeira paz? Antes de mais nada, sintetizemos brevemente as nossas reflexões feitas até agora. Disse que existe uma conceção e um uso da religião através dos quais esta se torna fonte de violência, enquanto que a orientação do homem para Deus, vivida retamente, é uma força de paz. Neste contexto, recordei a necessidade de diálogo e falei da purificação, sempre necessária, da vivência da religião. Por outro lado, afirmei que a negação de Deus corrompe o homem, priva-o de medidas e leva-o à violência.
Ao lado destas duas realidades, religião e antirreligião, existe, no mundo do agnosticismo em expansão, outra orientação de fundo: pessoas às quais não foi concedido o dom de poder crer e todavia procuram a verdade, estão à procura de Deus. Tais pessoas não se limitam a afirmar «Não existe nenhum Deus», mas elas sofrem devido à sua ausência e, procurando a verdade e o bem, estão, intimamente estão a caminho d’Ele. São «peregrinos da verdade, peregrinos da paz». Colocam questões tanto a uma parte como à outra. Aos ateus combativos, tiram-lhes aquela falsa certeza com que pretendem saber que não existe um Deus, e convidam-nos a tornar-se, em lugar de polémicos, pessoas à procura, que não perdem a esperança de que a verdade exista e que nós podemos e devemos viver em função dela. Mas, tais pessoas chamam em causa também os membros das religiões, para que não considerem Deus como uma propriedade que de tal modo lhes pertence que se sintam autorizados à violência contra os demais. Estas pessoas procuram a verdade, procuram o verdadeiro Deus, cuja imagem não raramente fica escondida nas religiões, devido ao modo como eventualmente são praticadas. Que os agnósticos não consigam encontrar a Deus depende também dos que creem, com a sua imagem diminuída ou mesmo deturpada de Deus. Assim, a sua luta interior e o seu interrogar-se constituem para os que creem também um apelo a purificarem a sua fé, para que Deus – o verdadeiro Deus – se torne acessível. Por isto mesmo, convidei representantes deste terceiro grupo para o nosso Encontro em Assis, que não reúne somente representantes de instituições religiosas. Trata-se de nos sentirmos juntos neste caminhar para a verdade, de nos comprometermos decisivamente pela dignidade do homem e de assumirmos juntos a causa da paz contra toda a espécie de violência que destrói o direito.
Concluindo, queria assegura-vos de que a Igreja Católica não desistirá da luta contra a violência, do seu compromisso pela paz no mundo. Vivemos animados pelo desejo comum de ser «peregrinos da verdade, peregrinos da paz».
Bento XVI (tradução para português publicada pelo Vaticano)











Crise: Vaticano propõe «Banco central» mundial

 

 

Conselho Pontifício Justiça e Paz publica documento sobre reforma do sistema financeiro e monetário internacional

D.R.

Cidade do Vaticano, 24 out 2011 (Ecclesia) ? O Vaticano publicou hoje uma nota oficial sobre a necessidade de ?reforma do sistema financeiro internacional?, defendendo a criação de uma ?autoridade pública" com competência universal, uma espécie de ?Banco central mundial?.

No documento, da autoria do Conselho Pontifício Justiça e Paz (CPJP), apela-se à criação de ?algumas formas de controlo monetário global?, considerando que o Fundo Monetário Internacional (FMI) perdeu ?a sua capacidade de garantir a estabilidade das finanças mundiais?.

O organismo da Santa Sé aponta para a ?exigência de um organismo que desenvolva as funções de uma espécie de ?Banco central mundial? que regule o fluxo e o sistema das trocas monetárias, da mesma forma que os Bancos centrais nacionais?.

Em causa estão ?os sistemas de câmbio existentes, para encontrar um modo eficaz de coordenação e supervisão? num processo que, para a Santa Sé, deve ?envolver também os países emergentes e em via de desenvolvimento?.

O documento cita a encíclica ?Caritas in veritate?, de Bento XVI, para apelar a uma ?autoridade pública mundial? que seja capaz de favorecer a criação de ?mercados livres e estáveis, disciplinados por um quadro jurídico adequado?.

O mercado financeiro global, ?que cresceu muito mais rapidamente do que a economia geral?, deve ser colocado sob o controlo de um ?número mínimo de regras partilhadas?, entende o CPJP, que lamenta a falta de controlo sobre movimentos de capitais e a ?desregulamentação das atividades bancárias e financeiras?.

Entre as possíveis medidas a tomar apresentam-se ?medidas de taxação das transações financeiras? destinadas também a ?contribuir para a constituições de uma reserva mundial, destinada a apoiar as economias dos países atingidos pela crise, bem como para o resaneamento do seu sistema financeiro e monetário?.

Uma eventual recapitalização dos bancos, com recurso a fundos públicos, deve ser condicionada pela promoção de ?comportamentos ?virtuosos? e destinados a desenvolver a economia real?.

Lembrando que mais de mil milhões de pessoas vivem hoje com pouco mais de um dólar por dia, o Vaticano afirma que ?as desigualdades aumentaram enormemente? no mundo de hoje.

Caso não se encontre ?um remédio? para as injustiças que afligem o mundo, o CPJP teme que ?os efeitos negativos? que daí derivariam para o plano social, político e económico possam ?gerar um clima de crescente hostilidade e, no final, de violência?, chegando mesmo a ?minar as próprias bases das instituições democráticas, mesmo das que se consideram mais sólidas?.

Entre as causas da atual crise, o Vaticano aponta o ?liberalismo económico sem regras e sem controlo?, situação já enunciada em 1967, pelo Papa Paulo VI, com a sua encíclica ?Populorum progressio?.

No documento referem-se ainda ?três ideologias devastadoras? com responsabilidades na crise - ?utilitarismo, individualismo e tecnocracia? ? e assinala-se que a situação económica e financeira se deve a ?comportamentos de egoísmo, avareza coletiva e açambarcamento de bens em larga escala?.

A nota oficial foi apresentada em conferência de imprensa, no Vaticano, pelo presidente do CPJP, cardeal Peter Turkson, que a considerou como um ?contributo? para a próxima reunião do G-20, entre 3 e 4 de novembro em Cannes (França), a respeito da necessidade de uma ?ação de conjunto?.

OC

Notícia atualizada 12h44