quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Dia Mundial da Paz - A BÊNÇÃO DE DEUS FAZ-NOS IRMÃOS

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

Os pastores acorrem ao “portal de Belém”, o curral onde nasce Jesus, e encontram um cenário absolutamente normal para uma família “em trânsito”. Lc 2, 16-21. Observam o recheio rico de pobreza, deixam-se envolver pela paz contagiante e concentram o seu olhar nas pessoas e nas atitudes. 

Em Jesus, Deus abençoa-nos, isto é, manifesta e diz o bem que nos quer, a vida que nos deseja, o tempo que nos oferece, o futuro que nos prepara, a aliança que connosco celebra. E quem acolhe esta bênção pode abençoar porque reconhece que Deus está na origem de todo o bem; que está presente nas pessoas e nas famílias; que destina a todos e a cada um os bens criados e transformados pela tecnologia. Abençoar alguém é desejar-lhe que tome consciência da presença de Deus na vida, na família, nos projectos, nos sonhos em realização.

No início do Ano Novo, que o bom Deus nos dê a sua bênção, olhe com bondade o nosso coração e lhe conceda sabedoria para entender a vida como doação confiante. Que este ano não nasça envelhecido, mas surja com gérmenes de esperança a brotar em todos e encontre pessoas à altura do tamanho dos desafios com que nos debatemos e reclamam solução urgente em nome da dignidade humana. A exemplo de Maria, a mãe de Jesus.

"Já não escravos, mas irmãos" - clama o Papa Francisco na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz, 2015. E com ele, todos os que escutam as aspirações profundas do coração humano, sentem a beleza da dignidade e da autonomia e verificam "o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem, flagelo que "fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade. Tal fenómeno abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade... Já não escravos, mas livres".

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Mensagem para o 48º Dia Mundial da Paz - 1 janeiro 2015

MENSAGEM DO SANTO PADRE
FRANCISCO
PARA A CELEBRAÇÃO DO
XLVIII DIA MUNDIAL DA PAZ
1º DE JANEIRO DE 2015


1. No início dum novo ano, que acolhemos como uma graça e um dom de Deus para a humanidade, desejo dirigir, a cada homem e mulher, bem como a todos os povos e nações do mundo, aos chefes de Estado e de Governo e aos responsáveis das várias religiões, os meus ardentes votos de paz, que acompanho com a minha oração a fim de que cessem as guerras, os conflitos e os inúmeros sofrimentos provocados quer pela mão do homem quer por velhas e novas epidemias e pelos efeitos devastadores das calamidades naturais. Rezo de modo particular para que, respondendo à nossa vocação comum de colaborar com Deus e com todas as pessoas de boa vontade para a promoção da concórdia e da paz no mundo, saibamos resistir à tentação de nos comportarmos de forma não digna da nossa humanidade.
Já, na minha mensagem para o 1º de Janeiro passado, fazia notar que «o anseio duma vida plena (…) contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar».[1] Sendo o homem um ser relacional, destinado a realizar-se no contexto de relações interpessoais inspiradas pela justiça e a caridade, é fundamental para o seu desenvolvimento que sejam reconhecidas e respeitadas a sua dignidade, liberdade e autonomia. Infelizmente, o flagelo generalizado da exploração do homem pelo homem fere gravemente a vida de comunhão e a vocação a tecer relações interpessoais marcadas pelo respeito, a justiça e a caridade. Tal fenómeno abominável, que leva a espezinhar os direitos fundamentais do outro e a aniquilar a sua liberdade e dignidade, assume múltiplas formas sobre as quais desejo deter-me, brevemente, para que, à luz da Palavra de Deus, possamos considerar todos os homens, «já não escravos, mas irmãos».
À escuta do projecto de Deus para a humanidade
2. O tema, que escolhi para esta mensagem, inspira-se na Carta de São Paulo a Filémon; nela, o Apóstolo pede ao seu colaborador para acolher Onésimo, que antes era escravo do próprio Filémon mas agora tornou-se cristão, merecendo por isso mesmo, segundo Paulo, ser considerado um irmão. Escreve o Apóstolo dos gentios: «Ele foi afastado por breve tempo, a fim de que o recebas para sempre, não já como escravo, mas muito mais do que um escravo, como irmão querido» (Flm 15-16). Tornando-se cristão, Onésimo passou a ser irmão de Filémon. Deste modo, a conversão a Cristo, o início duma vida de discipulado em Cristo constitui um novo nascimento (cf. 2 Cor 5, 17; 1 Ped 1, 3), que regenera a fraternidade como vínculo fundante da vida familiar e alicerce da vida social.
Lemos, no livro do Génesis (cf. 1, 27-28), que Deus criou o ser humano como homem e mulher e abençoou-os para que crescessem e se multiplicassem: a Adão e Eva, fê-los pais, que, no cumprimento da bênção de Deus para ser fecundos e multiplicar-se, geraram a primeira fraternidade: a de Caim e Abel. Saídos do mesmo ventre, Caim e Abel são irmãos e, por isso, têm a mesma origem, natureza e dignidade de seus pais, criados à imagem e semelhança de Deus.
Mas, apesar de os irmãos estarem ligados por nascimento e possuírem a mesma natureza e a mesma dignidade, a fraternidade exprime também a multiplicidade e a diferença que existe entre eles. Por conseguinte, como irmãos e irmãs, todas as pessoas estão, por natureza, relacionadas umas com as outras, cada qual com a própria especificidade e todas partilhando a mesma origem, natureza e dignidade. Em virtude disso, a fraternidade constitui a rede de relações fundamentais para a construção da família humana criada por Deus.
Infelizmente, entre a primeira criação narrada no livro do Génesis e o novo nascimento em Cristo – que torna, os crentes, irmãos e irmãs do «primogénito de muitos irmãos» (Rom 8, 29) –, existe a realidade negativa do pecado, que interrompe tantas vezes a nossa fraternidade de criaturas e deforma continuamente a beleza e nobreza de sermos irmãos e irmãs da mesma família humana. Caim não só não suporta o seu irmão Abel, mas mata-o por inveja, cometendo o primeiro fratricídio. «O assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gen 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros».[2]
Também na história da família de Noé e seus filhos (cf. Gen 9, 18-27), é a falta de piedade de Cam para com seu pai, Noé, que impele este a amaldiçoar o filho irreverente e a abençoar os outros que o tinham honrado, dando assim lugar a uma desigualdade entre irmãos nascidos do mesmo ventre.
Na narração das origens da família humana, o pecado de afastamento de Deus, da figura do pai e do irmão torna-se uma expressão da recusa da comunhão e traduz-se na cultura da servidão (cf. Gen 9, 25-27), com as consequências daí resultantes que se prolongam de geração em geração: rejeição do outro, maus-tratos às pessoas, violação da dignidade e dos direitos fundamentais, institucionalização de desigualdades. Daqui se vê a necessidade duma conversão contínua à Aliança levada à perfeição pela oblação de Cristo na cruz, confiantes de que, «onde abundou o pecado, superabundou a graça (…) por Jesus Cristo» (Rom 5, 20.21). Ele, o Filho amado (cf. Mt 3, 17), veio para revelar o amor do Pai pela humanidade. Todo aquele que escuta o Evangelho e acolhe o seu apelo à conversão, torna-se, para Jesus, «irmão, irmã e mãe» (Mt 12, 50) e, consequentemente, filho adoptivo de seu Pai (cf. Ef 1, 5).
No entanto, os seres humanos não se tornam cristãos, filhos do Pai e irmãos em Cristo por imposição divina, isto é, sem o exercício da liberdade pessoal, sem se converterem livremente a Cristo. Ser filho de Deus requer que primeiro se abrace o imperativo da conversão: «Convertei-vos – dizia Pedro no dia de Pentecostes – e peça cada um o baptismo em nome de Jesus Cristo, para a remissão dos seus pecados; recebereis, então, o dom do Espírito Santo» (Act 2, 38). Todos aqueles que responderam com a fé e a vida àquela pregação de Pedro, entraram na fraternidade da primeira comunidade cristã (cf. 1 Ped 2, 17; Act 1, 15.16; 6, 3; 15, 23): judeus e gregos, escravos e homens livres (cf. 1 Cor 12, 13; Gal 3, 28), cuja diversidade de origem e estado social não diminui a dignidade de cada um, nem exclui ninguém do povo de Deus. Por isso, a comunidade cristã é o lugar da comunhão vivida no amor entre os irmãos (cf. Rom 12, 10; 1 Tes 4, 9; Heb 13, 1; 1 Ped 1, 22; 2 Ped 1, 7).
Tudo isto prova como a Boa Nova de Jesus Cristo – por meio de Quem Deus «renova todas as coisas» (Ap 21, 5)[3] – é capaz de redimir também as relações entre os homens, incluindo a relação entre um escravo e o seu senhor, pondo em evidência aquilo que ambos têm em comum: a filiação adoptiva e o vínculo de fraternidade em Cristo. O próprio Jesus disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, visto que um servo não está ao corrente do que faz o seu senhor; mas a vós chamei-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi ao meu Pai» (Jo 15, 15).
As múltiplas faces da escravatura, ontem e hoje
3. Desde tempos imemoriais, as diferentes sociedades humanas conhecem o fenómeno da sujeição do homem pelo homem. Houve períodos na história da humanidade em que a instituição da escravatura era geralmente admitida e regulamentada pelo direito. Este estabelecia quem nascia livre e quem, pelo contrário, nascia escravo, bem como as condições em que a pessoa, nascida livre, podia perder a sua liberdade ou recuperá-la. Por outras palavras, o próprio direito admitia que algumas pessoas podiam ou deviam ser consideradas propriedade de outra pessoa, a qual podia dispor livremente delas; o escravo podia ser vendido e comprado, cedido e adquirido como se fosse uma mercadoria qualquer.
Hoje, na sequência duma evolução positiva da consciência da humanidade, a escravatura – delito de lesa humanidade[4] – foi formalmente abolida no mundo. O direito de cada pessoa não ser mantida em estado de escravidão ou servidão foi reconhecido, no direito internacional, como norma inderrogável.
Mas, apesar de a comunidade internacional ter adoptado numerosos acordos para pôr termo à escravatura em todas as suas formas e ter lançado diversas estratégias para combater este fenómeno, ainda hoje milhões de pessoas – crianças, homens e mulheres de todas as idades – são privadas da liberdade e constrangidas a viver em condições semelhantes às da escravatura.
Penso em tantos trabalhadores e trabalhadoras, mesmo menores, escravizados nos mais diversos sectores, a nível formal e informal, desde o trabalho doméstico ao trabalho agrícola, da indústria manufactureira à mineração, tanto nos países onde a legislação do trabalho não está conforme às normas e padrões mínimos internacionais, como – ainda que ilegalmente – naqueles cuja legislação protege o trabalhador.
Penso também nas condições de vida de muitos migrantes que, ao longo do seu trajecto dramático, padecem a fome, são privados da liberdade, despojados dos seus bens ou abusados física e sexualmente. Penso em tantos deles que, chegados ao destino depois duma viagem duríssima e dominada pelo medo e a insegurança, ficam detidos em condições às vezes desumanas. Penso em tantos deles que diversas circunstâncias sociais, políticas e económicas impelem a passar à clandestinidade, e naqueles que, para permanecer na legalidade, aceitam viver e trabalhar em condições indignas, especialmente quando as legislações nacionais criam ou permitem uma dependência estrutural do trabalhador migrante em relação ao dador de trabalho como, por exemplo, condicionando a legalidade da estadia ao contrato de trabalho... Sim! Penso no «trabalho escravo».
Penso nas pessoas obrigadas a prostituírem-se, entre as quais se contam muitos menores, e nas escravas e escravos sexuais; nas mulheres forçadas a casar-se, quer as que são vendidas para casamento quer as que são deixadas em sucessão a um familiar por morte do marido, sem que tenham o direito de dar ou não o próprio consentimento.
Não posso deixar de pensar a quantos, menores e adultos, são objecto de tráfico e comercialização para remoção de órgãos, para ser recrutados como soldados, para servir de pedintes, para actividades ilegais como a produção ou venda de drogas, ou para formas disfarçadas de adopção internacional.
Penso, enfim, em todos aqueles que são raptados e mantidos em cativeiro por grupos terroristas, servindo os seus objectivos como combatentes ou, especialmente no que diz respeito às meninas e mulheres, como escravas sexuais. Muitos deles desaparecem, alguns são vendidos várias vezes, torturados, mutilados ou mortos.
Algumas causas profundas da escravatura
4. Hoje como ontem, na raiz da escravatura, está uma concepção da pessoa humana que admite a possibilidade de a tratar como um objecto. Quando o pecado corrompe o coração do homem e o afasta do seu Criador e dos seus semelhantes, estes deixam de ser sentidos como seres de igual dignidade, como irmãos e irmãs em humanidade, passando a ser vistos como objectos. Com a força, o engano, a coacção física ou psicológica, a pessoa humana – criada à imagem e semelhança de Deus – é privada da liberdade, mercantilizada, reduzida a propriedade de alguém; é tratada como meio, e não como fim.
Juntamente com esta causa ontológica – a rejeição da humanidade no outro –, há outras causas que concorrem para se explicar as formas actuais de escravatura. Entre elas, penso em primeiro lugar na pobreza, no subdesenvolvimento e na exclusão, especialmente quando os três se aliam com a falta de acesso à educação ou com uma realidade caracterizada por escassas, se não mesmo inexistentes, oportunidades de emprego. Não raro, as vítimas de tráfico e servidão são pessoas que procuravam uma forma de sair da condição de pobreza extrema e, dando crédito a falsas promessas de trabalho, caíram nas mãos das redes criminosas que gerem o tráfico de seres humanos. Estas redes utilizam habilmente as tecnologias informáticas modernas para atrair jovens e adolescentes de todos os cantos do mundo.
Entre as causas da escravatura, deve ser incluída também a corrupção daqueles que, para enriquecer, estão dispostos a tudo. Na realidade, a servidão e o tráfico das pessoas humanas requerem uma cumplicidade que muitas vezes passa através da corrupção dos intermediários, de alguns membros das forças da polícia, de outros actores do Estado ou de variadas instituições, civis e militares. «Isto acontece quando, no centro de um sistema económico, está o deus dinheiro, e não o homem, a pessoa humana. Sim, no centro de cada sistema social ou económico, deve estar a pessoa, imagem de Deus, criada para que fosse o dominador do universo. Quando a pessoa é deslocada e chega o deus dinheiro, dá-se esta inversão de valores».[5]
Outras causas da escravidão são os conflitos armados, as violências, a criminalidade e o terrorismo. Há inúmeras pessoas raptadas para ser vendidas, recrutadas como combatentes ou exploradas sexualmente, enquanto outras se vêem obrigadas a emigrar, deixando tudo o que possuem: terra, casa, propriedades e mesmo os familiares. Estas últimas, impelidas a procurar uma alternativa a tão terríveis condições, mesmo à custa da própria dignidade e sobrevivência, arriscam-se assim a entrar naquele círculo vicioso que as torna presa da miséria, da corrupção e das suas consequências perniciosas.
Um compromisso comum para vencer a escravatura
5. Quando se observa o fenómeno do comércio de pessoas, do tráfico ilegal de migrantes e de outras faces conhecidas e desconhecidas da escravidão, fica-se frequentemente com a impressão de que o mesmo tem lugar no meio da indiferença geral.
Sem negar que isto seja, infelizmente, verdade em grande parte, apraz-me mencionar o enorme trabalho que muitas congregações religiosas, especialmente femininas, realizam silenciosamente, há tantos anos, a favor das vítimas. Tais institutos actuam em contextos difíceis, por vezes dominados pela violência, procurando quebrar as cadeias invisíveis que mantêm as vítimas presas aos seus traficantes e exploradores; cadeias, cujos elos são feitos não só de subtis mecanismos psicológicos que tornam as vítimas dependentes dos seus algozes, através de chantagem e ameaça a eles e aos seus entes queridos, mas também através de meios materiais, como a apreensão dos documentos de identidade e a violência física. A actividade das congregações religiosas está articulada a três níveis principais: o socorro às vítimas, a sua reabilitação sob o perfil psicológico e formativo e a sua reintegração na sociedade de destino ou de origem.
Este trabalho imenso, que requer coragem, paciência e perseverança, merece o aplauso da Igreja inteira e da sociedade. Naturalmente o aplauso, por si só, não basta para se pôr termo ao flagelo da exploração da pessoa humana. Faz falta também um tríplice empenho a nível institucional: prevenção, protecção das vítimas e acção judicial contra os responsáveis. Além disso, assim como as organizações criminosas usam redes globais para alcançar os seus objectivos, assim também a acção para vencer este fenómeno requer um esforço comum e igualmente global por parte dos diferentes actores que compõem a sociedade.
Os Estados deveriam vigiar por que as respectivas legislações nacionais sobre as migrações, o trabalho, as adopções, a transferência das empresas e a comercialização de produtos feitos por meio da exploração do trabalho sejam efectivamente respeitadoras da dignidade da pessoa. São necessárias leis justas, centradas na pessoa humana, que defendam os seus direitos fundamentais e, se violados, os recuperem reabilitando quem é vítima e assegurando a sua incolumidade, como são necessários também mecanismos eficazes de controle da correcta aplicação de tais normas, que não deixem espaço à corrupção e à impunidade. É preciso ainda que seja reconhecido o papel da mulher na sociedade, intervindo também no plano cultural e da comunicação para se obter os resultados esperados.
As organizações intergovernamentais são chamadas, no respeito pelo princípio da subsidiariedade, a implementar iniciativas coordenadas para combater as redes transnacionais do crime organizado que gerem o mercado de pessoas humanas e o tráfico ilegal dos migrantes. Torna-se necessária uma cooperação a vários níveis, que englobe as instituições nacionais e internacionais, bem como as organizações da sociedade civil e do mundo empresarial.
Com efeito, as empresas[6] têm o dever não só de garantir aos seus empregados condições de trabalho dignas e salários adequados, mas também de vigiar por que não tenham lugar, nas cadeias de distribuição, formas de servidão ou tráfico de pessoas humanas. A par da responsabilidade social da empresa, aparece depois a responsabilidade social do consumidor. Na realidade, cada pessoa deveria ter consciência de que «comprar é sempre um acto moral, para além de económico».[7]
As organizações da sociedade civil, por sua vez, têm o dever de sensibilizar e estimular as consciências sobre os passos necessários para combater e erradicar a cultura da servidão.
Nos últimos anos, a Santa Sé, acolhendo o grito de sofrimento das vítimas do tráfico e a voz das congregações religiosas que as acompanham rumo à libertação, multiplicou os apelos à comunidade internacional pedindo que os diversos actores unam os seus esforços e cooperem para acabar com este flagelo.[8] Além disso, foram organizados alguns encontros com a finalidade de dar visibilidade ao fenómeno do tráfico de pessoas e facilitar a colaboração entre os diferentes actores, incluindo peritos do mundo académico e das organizações internacionais, forças da polícia dos diferentes países de origem, trânsito e destino dos migrantes, e representantes dos grupos eclesiais comprometidos em favor das vítimas. Espero que este empenho continue e se reforce nos próximos anos.
Globalizar a fraternidade, não a escravidão nem a indiferença
6. Na sua actividade de «proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade»,[9] a Igreja não cessa de se empenhar em acções de carácter caritativo guiada pela verdade sobre o homem. Ela tem o dever de mostrar a todos o caminho da conversão, que induz a voltar os olhos para o próximo, a ver no outro – seja ele quem for – um irmão e uma irmã em humanidade, a reconhecer a sua dignidade intrínseca na verdade e na liberdade, como nos ensina a história de Josefina Bakhita, a Santa originária da região do Darfur, no Sudão. Raptada por traficantes de escravos e vendida a patrões desalmados desde a idade de nove anos, haveria de tornar-se, depois de dolorosas vicissitudes, «uma livre filha de Deus» mediante a fé vivida na consagração religiosa e no serviço aos outros, especialmente aos pequenos e fracos. Esta Santa, que viveu a cavalo entre os séculos XIX e XX, é também hoje testemunha exemplar de esperança[10] para as numerosas vítimas da escravatura e pode apoiar os esforços de quantos se dedicam à luta contra esta «ferida no corpo da humanidade contemporânea, uma chaga na carne de Cristo».[11]
Nesta perspectiva, desejo convidar cada um, segundo a respectiva missão e responsabilidades particulares, a realizar gestos de fraternidade a bem de quantos são mantidos em estado de servidão. Perguntemo-nos, enquanto comunidade e indivíduo, como nos sentimos interpelados quando, na vida quotidiana, nos encontramos ou lidamos com pessoas que poderiam ser vítimas do tráfico de seres humanos ou, quando temos de comprar, se escolhemos produtos que poderiam razoavelmente resultar da exploração de outras pessoas. Há alguns de nós que, por indiferença, porque distraídos com as preocupações diárias, ou por razões económicas, fecham os olhos. Outros, pelo contrário, optam por fazer algo de positivo, comprometendo-se nas associações da sociedade civil ou praticando no dia-a-dia pequenos gestos como dirigir uma palavra, trocar um cumprimento, dizer «bom dia» ou oferecer um sorriso; estes gestos, que têm imenso valor e não nos custam nada, podem dar esperança, abrir estradas, mudar a vida a uma pessoa que tacteia na invisibilidade e mudar também a nossa vida face a esta realidade.
Temos de reconhecer que estamos perante um fenómeno mundial que excede as competências de uma única comunidade ou nação. Para vencê-lo, é preciso uma mobilização de dimensões comparáveis às do próprio fenómeno. Por esta razão, lanço um veemente apelo a todos os homens e mulheres de boa vontade e a quantos, mesmo nos mais altos níveis das instituições, são testemunhas, de perto ou de longe, do flagelo da escravidão contemporânea, para que não se tornem cúmplices deste mal, não afastem o olhar à vista dos sofrimentos de seus irmãos e irmãs em humanidade, privados de liberdade e dignidade, mas tenham a coragem de tocar a carne sofredora de Cristo,[12] o Qual Se torna visível através dos rostos inumeráveis daqueles a quem Ele mesmo chama os «meus irmãos mais pequeninos» (Mt 25, 40.45).
Sabemos que Deus perguntará a cada um de nós: Que fizeste do teu irmão? (cf. Gen 4, 9-10). A globalização da indiferença, que hoje pesa sobre a vida de tantas irmãs e de tantos irmãos, requer de todos nós que nos façamos artífices duma globalização da solidariedade e da fraternidade que possa devolver-lhes a esperança e levá-los a retomar, com coragem, o caminho através dos problemas do nosso tempo e as novas perspectivas que este traz consigo e que Deus coloca nas nossas mãos.
Vaticano, 8 de Dezembro de 2014.
FRANCISCUS

 
[1] N. 1.
 
[3] Cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 11.
 
[4] Cf. Discurso à Delegação internacional da Associação de Direito Penal (23 de Outubro de 2014): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 30/X/2014), 9.
 
[5] Discurso aos participantes no Encontro mundial dos Movimentos Populares (28 de Outubro de 2014): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 06/XI/2014), 9.
 
[6] Cf. Pontifício Conselho «Justiça e Paz», La vocazione del leader d’impresa. Una riflessione (Milão e Roma, 2013).
 
[7] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 66.
 
[9] Bento XVI, Carta enc. Caritas in veritate, 5.
 
[10] «Mediante o conhecimento desta esperança, ela estava “redimida”, já não se sentia escrava, mas uma livre filha de Deus. Entendia aquilo que Paulo queria dizer quando lembrava aos Efésios que, antes, estavam sem esperança e sem Deus no mundo: sem esperança porque sem Deus» ( Bento XVI, Carta enc. Spe salvi, 3).
 
[12] Cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 24; 270.

«Jesus Cristo: estrela presente/ausente»

 
Pedro José Correia |  Justiça e Paz – Aveiro




Lc 2, 10-11: «… porque vos anuncio uma grande alegria [Boa Notícia] para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo [Messias] Senhor».
Jo 1, 11-12: «… Veio para o que era seu, e os seus não O receberam.
Mas àqueles que O receberam e acreditaram no seu nome,
deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus».
I. Reflexão
Jesus Cristo… Na grande Insatisfação Espiritual “corresponde” a Pequenez dos sinais que apontam a Corporalidade do Messias (cuidado os “falsos messias” usam as mesmas “armas”…). Num paralelo distante, quase sempre, as “Letras Maiúsculas” e o vício paralelo de “passar-entre-os-pingos-da-chuva-abençoada”: como negar as nossas raízes profundas na História Divina: foi/é por Sua Iniciativa Amorosa.
Jesus Cristo… A fragilidade disfarçada e patente…; o pecado inconsciente e repudiado…; o desalento e a desventura… ainda, assim, “fazemos” dispensável a REDENÇÃO? Que utilidade para as nossas acções inúteis? É preciso (a tal utilidade inútil!?) reaprender a “desligar” e a “desligarmo-nos de”. O Verbo “poderoso” do “Logos”: ligar/desligar. «Além de ser decadente, eu sou também o contrário» (Nietzsche).
Jesus Cristo… Na Incerteza do “nosso” compromisso “aparece-nos” a Certeza do Seu Dom: a Fraternidade. A urgência de não termos escravidões, mesmos algumas servidões. Onde está a humanidade do Filho, estará a humanidade dos irmãos (óbvio que ultrapassa a “genética cultural do sangue”). «(…)desata-me, nó de luz,/e ata-me depressa enquanto eles não sabem,/abraça-me,/abarca-me,/abrasa-me,/mal com a terra por amor dos caminhos marítimos, (…)» (Herberto Helder).
Jesus Cristo… O «Bem» feito de Bondade, Ternura e Justiça. Uma ementa assim torna-se difícil digerir. Nem bacalhau…, nem o melhor peixe…, nem a melhor carne…, na melhor mesa: em restaurante de luxo! Os nossos sonhos são alimentados “frangamente” (…frangos criados em aviários, ao ar domesticado!?) num quotidiano cheio de dispensas. Sou/serei capaz de escolher a ementa libertadora?
Jesus Cristo… “Vem Jesus, Filho de Deus, / fazer-nos pessoas em relação. / Que mergulhados na Tua contemplação / Sejamos no amor, discípulos teus.” (João Santos). Apenas com/na Simplicidade, desarmada, da vivência comunitária: as surpresas ordinárias tornam-se essenciais porque prioritárias. A humanidade de Jesus como divindade e amor: sim um modo (cru e terno) de estar no mundo. Diferença, às vezes, impositiva; nunca, putativa; sempre, indicativa.
II. Oração
“– Ao ouvirmos a proclamação do Evangelho: Deus fala-nos por «Jesus Cristo». Sabemos que és o Centro da nossa estrela: da nossa Vida. Que nossa adoração possa exprimir a Fidelidade à Tua Palavra: meditada, rezada e anunciada aos irmãos, em humanidade. Que o Evangelho do Teu Nascimento, fortaleça a nossa Dignidade comum, para sermos cada vez mais família e irmãos de todos”.











sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Mensagem de Natal – É Natal, Jesus está connosco

 

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É Natal, Jesus está connosco. Desde a Sua conceção, Ele é verdadeiro homem e verdadeiro Deus: homem como nós, nascido numa família humana, mas concebido pelo Espírito Santo. Ele é o verdadeiro «Emanuel», o Deus connosco (Mt 1, 23).
Este Jesus é a razão do verdadeiro Natal. Celebramos o Seu nascimento. A narração da natividade, tal como a descrevem os Evangelhos, é muito simples: tudo ocorre na solidão e no silêncio. Maria e José são as únicas testemunhas. A grandiosidade de um Imperador que ordena um recenseamento em todo o mundo conflui num humilde presépio, no qual está deitado o Menino.
Assim valoriza Deus o que somos e temos. Quando falamos em “oferecer o melhor que temos ao Senhor”, deveríamos examinar se a nossa escala de valores se ajusta a esta que Deus Pai estabeleceu, preparando o acolhimento ao Seu querido Filho, que nasceu para cada um de nós. O que é verdadeiramente extraordinário é que Deus se fez homem.
A verdade fundamental do nascimento de Jesus é esta: nascido numa aldeia desconhecida, em absoluta pobreza, no seio de uma família humilde, expressa-se a exaltação das coisas pequenas. É nesta pequenez, nesta humildade, que devemos crescer para o acolhimento de Deus e para a entrega de nós próprios ao seu serviço, traduzido no amor generoso e gratuito aos outros. Mas só à luz da Ressurreição podemos avaliar esta pequenez como grão de mostarda que se converterá em árvore frondosa (Mt 13, 32).
No início do meu ministério como bispo de Aveiro, no passado mês de setembro, centrei a atenção nas famílias e nos desafios que se lhes deparam na realização da sua missão. Apelei a que não se fechassem em si mesmas, mas que se abrissem à vida como um dom que vem de Deus. Também a Mensagem do Sínodo dos Bispos sobre a família refere que o amor do homem e da mulher nos ensina que cada um dos cônjuges precisa do outro para ser ele mesmo, mantendo-se diferente do outro na sua identidade, que se abre e se revela no dom recíproco. É o que exprime de uma forma sugestiva a mulher do Cântico dos Cânticos: «O meu amado é meu e eu sou dele… Eu sou do meu amado e o meu amado é meu» (Ct 2,16; 6,3). Nesta reciprocidade, temos de concluir que só partilhando o Natal alguém pode viver a sério o seu Natal.
A família cristã, como verdadeira Igreja doméstica, deve ser a primeira e principal educadora dos seus filhos. Enquanto pais cristãos, estão obrigados, antes que quaisquer outros, a formar os seus filhos na fé e na prática da vida cristã, através da palavra e do exemplo. Apesar das dificuldades que se deparam hoje à família cristã, ela continua a ser uma estrutura básica na iniciação cristã e inclusive um desafio pastoral: a família cristã não pode renunciar à sua missão de educar na fé os seus membros e ser modelo para as gerações mais jovens. Em tempo de Natal, a manifestação do amor de Deus deve chegar ao seio das famílias com a mesma ternura e ardor que nos é transmitido pela família deste Menino que em cada ano festejamos o Seu nascimento, para que a Sua luz irradie para os que caminham longe da luz.
O modelo da família de Nazaré – Jesus, Maria e José – deve inspirar todas as famílias, porque o amor faz parte da nossa identidade cristã: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Devemos amar-nos uns aos outros porque Deus nos ama, e nos amou primeiro, e mostra esse amor enviando o seu filho Jesus, que por amor deu a vida por nós. Aprendamos o amor para sairmos de nós mesmos e irmos ao encontro da grande família humana.
Neste Natal, procuremos estreitar laços, fazer com que o amor de Deus renasça em nós e no coração daqueles que vivem à nossa volta. Que ninguém sem lar, sem pão ou sem trabalho, sem horizontes de vida… nos seja indiferente. Procuremos ajudar a construir, naquilo que estiver ao nosso alcance, um mundo mais belo e mais justo, onde a paz anunciada pelos anjos na noite de Natal se estenda a toda a terra.
Desejo que o nascimento de Jesus seja um desafio a uma vida nova, na esperança de que nos empenhemos para que o ano 2015 seja de graças e bênçãos para todos os diocesanos de Aveiro.
A todos desejo a melhor prenda do Natal!
O vosso amigo,
António Moiteiro, bispo de Aveiro











quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

FAÇA-SE EM MIM SEGUNDO A TUA PALAVRA

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
     A disponibilidade de Maria é total, e incondicional a sua entrega. Após uma saudação que a felicita pela graça alcançada e um diálogo que lhe desvenda a densidade do futuro próximo, o seu “sim” é pleno e definitivo, alegre e confiante. Deus quere-a senhora e ela, por amor, faz-se escrava. Lc 1, 26-38. Ele enche sempre as mãos vazias e acolhedoras dos que confiam na sua promessa.
O episódio tem lugar em Nazaré, aldeia da Galileia com uns cem habitantes. O protagonista é o anjo do Senhor que vem a casa de Joaquim e de Ana. A mensagem expressa-se no convite para ser mãe de Jesus, o Filho do Altíssimo. O ambiente deixa “respirar” simplicidade e o silêncio faz pressentir a sublimidade do acontecimento. O interlocutor é uma jovem virgem em estado singular: já não “pertence” à família por estar “comprometida” com José, nem ao esposo e seus familiares por ainda não terem celebrado publicamente a boda ritual. Tudo ocorre no espaço onde Maria se encontra, na vida fecunda do lar onde se cultivam as mais nobres tradições e forjam os grandes ideais: o amor de doação, a mútua ajuda na relação, a integridade na educação, a memória agradecida do passado, a esperança confiante no futuro, a leveza no perdão e a elevação na oração. Deus inclina-se para ela e para todos os que encontra disponíveis. 
     Maria, a agraciada do Senhor, em resposta ao convite-apelo dá uma orientação mais profunda à sua vida, ao seu estado de ânimo existencial. A feliz esperança do Messias vai realizar-se de modo admirável. Ela é a contemplada, a eleita entre todas as mulheres, para ser a mãe do Messias, tão ansiosamente aguardado. Ela vê confirmada, em si, a expectativa secular do povo judeu. O seu “seja como queres” abre caminho a uma nova e definitiva época da história da salvação. Ele enche sempre as mãos vazias e acolhedoras d0s que confiam na sua promessa.
     Maria, a virgem-mãe de Nazaré, é a mulher da palavra. Sabe acolher e escutar o mensageiro, dialogar com ele para aprofundar o conteúdo do “mistério”, interiorizar a feliz mensagem, disponibilizar-se para ser cooperante activa, nas mãos do Senhor. A fé confiante envolve toda a sua vida e capacidades. Nada fica de fora, nem o uso do tempo nem a reserva de energias. É fé em crescimento, acompanhando com a razão e guardando no coração as surpresas que, o desenrolar da missão de Jesus, lhe provocam. 
     A grandeza de Maria prolonga-se, agora, em cada um de nós que, no dia-a-dia, tem coragem de dizer sim, sendo fiel aos apelos do Senhor que provêm de tantas maneiras e encontram eco na nossa consciência: a voz dorida dos famintos de dignidade, o grito entristecido dos torturados e perseguidos pela fé religiosa, o silêncio provocante dos sobrantes descartados da sociedade do conforto, e tantos outros. Todos temos uma palavra a escutar e a dizer e que, no fundo, se vem a identificar com a atitude de Maria: dar vida a Jesus em nós e, por meio de nós, a outros que aguardam, confiantes, essa feliz oportunidade e indispensável ajuda.





segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Alegria: dar testemunho da Luz.

Pedro José Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

João 1, 6-8.19-28: «Ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz.
A luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem, estava chegando ao mundo».
I. Reflexão
Alegria… é o ânimo interior e não disposição sensitiva; não significa «apenas» a ausência de tristeza. A interioridade é algo de profundo: cultiva-se não se compra. No interior de cada Vida reside a alegria do viver. “Tristezas há muitas, dispersam no ter; a alegria verdadeira é uma, convergem no ser”.
Alegria… A informação objectiva feita Testemunho de vida: percurso de abaixamento. Não esqueçamos: a infelicidade instala-se quando nossas alegrias dependem totalmente de circunstâncias externas. Essa “informação” vendida aos interesses e posses não possibilita a envolvência do “testemunho”.
Alegria… alegria “estragou-se” para nós, «hoje», quando é entendida como “artigo de compra e venda”; alegre é estar divertido, sem problemas, bem-disposto; mas a Alegria de João Baptista é a “vontade de viver no Bem”: dar testemunho da Luz: ser testemunho da Luz.
Alegria… reciclar a Vida a partir do Deserto; “baixar-se” e empreender a mudança. Não nos resignarmos no Desespero: como se tudo fosse uma fatalidade. Caminhar sem pressas: abrir veredas! Não desistir diante do auto-engano. Pedir desculpas quando erramos... Preferir o Bem porque é Bem: não porque ganhemos alguma coisa com ele.
Alegria… O Natal que é o «nascimento» para acreditar e para viver a Alegria do Deus “feito” Carne e História: eis a nossa felicidade na Verdade, ou "a alegria que nasce da verdade" e nos liberta da perda de Sentido: da tristeza mal amada na história de perdição, sem Dignidade.
II. Oração
“ Acabámos de celebrar a “ALEGRIA” da nossa Fé. Ao colocarmos a ponta da estrela, queremos com este gesto levar “A ALEGRIA da tua Boa Nova” aqui sentida; que ela possa ser irradiada por nós ao longo da semana. Dá-nos a inspiração para a comunicarmos de todas as maneiras simples e possíveis, recebendo, agora, com “ALEGRIA” a Tua Bênção.
(Cfr. Gesto Comunidade/familiar: Diocese de Aveiro, Advento 2014).

sábado, 13 de dezembro de 2014

ALEGRAI-VOS SEMPRE NO SENHOR

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
Alegrai-vos no Senhor é apelo constante da mensagem do 3º domingo do Advento, apelo fundamentado em razões sólidas e convincentes que reforçam a tendência natural de cada pessoa para a alegria humana. De cada pessoa e de sua família e outras formas associativas surgidas ao longo da história. Nascemos para a alegria, ainda que a vida e as suas circunstâncias e percursos pareçam desmenti-lo, provocando situações de tristeza, amargura e morte. Infelizmente, o mapa geográfico e social do mundo actual atesta e comprova esta dolorosa verificação. 
Alegrai-vos no Senhor como Isaías, um dos profetas no exílio dos judeus na Babilónia, pois o tempo da desgraça está prestes a acabar e a era de felicidade já se descortina: os corações feridos e amargurados sentem próximas a cura e a consolação; os prisioneiros e os cativos já saboreiam o sonho da libertação tão intensamente esperada; a justiça começa a despontar como os rebentos das árvores na primavera e estender-se-á a toda a terra. A festa universal será o rosto da nova situação, da liberdade alcançada e da verdade vivida, do respeito por toda a criação, da harmonia entre os povos, da paz envolvida no manto da justiça. Lindo sonho do profeta que “exulta de alegria no Senhor”. Bela profecia que fica a apontar o rumo da história humana e a iluminar os seus terríveis desvios. 
Por que não apregoamos bem alto este ideal da humanidade e deixamos que se agudizem situações de violência, de opressão e de morte? A força do apelo/convite precisa de ser revigorada. Agora é a nossa vez. Aproveitemos esta oportunidade. Escutemos o Papa Francisco: “Já não escravos, mas irmãos”, na sua mensagem para o Dia Mundial da Paz a celebrar no dia 01de Janeiro de 2015.
Alegrai-vos no Senhor como Paulo que exorta os cristãos de Tessalónica a corresponderem assim à vontade de Deus, vontade que se expressa e realiza em Cristo Senhor e no Seu Espírito. São estes que nos legam continuamente riquezas espirituais abundantes: a fé a fazer crescer ( e não a deixar extinguir), os dons do discernimento e interpretação a aperfeiçoar (e não a descuidar ou a manipular), a integridade a conservar irrepreensível ( e não a conspurcar  com toda a espécie de sujeira), a santidade a prosseguir na fidelidade ( e não a acomodação na zona de conforto psicológico e religioso). Alicerçai a vossa alegria nos pilares inamovíveis da vida interior, espiritual, e não na satisfação cosmética exterior do instante efémero, embora inebriante.
Evangelizar a alegria, que urgência! No íntimo dos corações, nas celebrações familiares, nas bodas de casamento, nas festas populares, nos eventos sociais, nas fases marcantes da vida, nas horas dolorosas e turbulentas, nas assembleias cristãs.
Alegrai-vos no Senhor como João Baptista, o homem do deserto, que confessa a verdade do seu ser aos enviados dos judeus, verdade que é fruto da humildade e do amor, que afirma identidades, clarifica funções e evita confusões, verdade que realinha expectativas e testemunha certezas. Os enviados dos judeus obtiveram resposta para as suas perguntas perturbadoras e transmitiram-na diligentemente. Resposta despida de enfeites.  Sou a voz que clama no deserto: endireitai o caminho do Senhor. Resposta que tem de passar do deserto selvagem à cidade da vida, onde tantas “águas” precisam de ser encaminhadas para irrigarem a aridez das relações sociais, a secura de corações endurecidos, a couraça fria da indiferença, a solidão enregelada, e tantas outras desumanidades. Resposta que na cidade civilizada tem de fazer ecoar a voz do bem que se faz, a felicidade que se gera, a justiça que se pratica, a solidariedade que se promove, “a alegria do dar e o prazer de quem recebe”. 
De facto, Cristo Jesus – o Menino de Belém – é a fonte da alegria cristã, resposta para o coração humano que, inquieto, deseja o seu encontro jubiloso.







quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Saúde: cidadania e incredulidade

 
M. Oliveira de Sousa  |  Justiça e Paz – Aveiro
O Serviço Nacional de Saúde não está bem, sabemo-lo desde há algum tempo. São notícia frequente os cuidados prestados e a situação a que chegaram os recursos, serviços e equipamentos afetos a este pilar das obrigações do Estado.
Nesta altura do ano, no concelho de Aveiro, não se trata de qualquer outro lugar remoto frequentemente evocado para justificar o encerramento do que quer que seja, vive-se sem médico de família, sem condições mínimas de acompanhamento por parte do Sistema Nacional de Saúde.
Como pode uma pessoa, ao dirigir-se ao seu (vulgo) “Posto Médico”, não ter horário para ser consultada, diagnosticada a causa da enfermidade, receber o receituário para a medicação ou exames complementares mais apropriados?!
E não havendo médico ou horário para atender a todos os que se apresentam, que alternativa, sobretudo em transporte para o Centro de Saúde ou Extensão mais próxima existem? Que informação é prestada? O poder local não terá obrigação de seguir de forma resoluta estas pessoas que, sabe-se, são tantas vezes de parcos recursos e limitadas (pela idade ou doença, na sua autonomia e mobilidade?!
Quantos direitos dos utentes do SNS, vertidos na Lei n.º 15/2014 de 21 de março, são respeitados? Estão a ser cumpridos os Direito de escolha; Consentimento ou recusa; Adequação da prestação dos cuidados de saúde; Dados pessoais e proteção da vida privada; Sigilo; Direito à informação; Assistência espiritual e religiosa; Queixas e reclamações; Menores e incapazes; Acompanhamento ou é demagogia ideológica?
Não podemos aceitar que tudo se justifique à custa da dívida do País ou da condenação a sermos pobres, cada vez mais pobres!
A desconfiança que marca o nosso tempo também ganha suporte na manipulação com que os direitos das pessoas são tratados.
É da mais elementar justiça e obrigação lembrar constantemente que o Estado não está a dar nada a ninguém apenas está administrar, em nome de todos, o poder e o valor (dos postos) que os cidadãos lhes confia.








8 de dezembro

 

Pedro José Correia  | Justiça e Paz – Aveiro

Apontamentos sobre a Imaculada Conceição

da Virgem Santa Maria:

– Padroeira principal de Portugal: depois da ordenação diaconal de Pedro Barros (Sé de Aveiro: 8-12-2014) –

[1.] A impossibilidade de fazer da homilia um alinhamento: com princípio, meio e fim. Estamos aquém do início; numa realidade paralela: não somos Atenas, mas Sócrates (como Anti-Figura) foi detido e com estas medidas de engenharia anti-corrupção: os meios não suportam mais os fins; daí que não seja possível ouvir a racionalidade do princípio do Segredo de Justiça (ou a injustiça do não segredo). Na isenção do pecado social na origem: a Natureza pública perde para a Vontade privada. A veracidade da falsidade.

[2.] Desde o livro do «Génesis» que, também, queremos descobrir por que é que o Tempo do mal está sempre avançar e nunca recua. Onde estamos? O que foi feito por nós? O que será feito de nós? Perguntas razoáveis e não só. O «Jogo» do mal que engana o bem. Sendo o Bem o nosso resultado final. Como escolhemos a Teologia, ciência da Eternidade, ou a Física, ciência do Tempo? A «Metafísica Teológica» dá os primeiros argumentos na partilha ideológica. Platão também deveria estar aprisionado.

[3.] Como a questão existencial e eclesial da Imaculada Conceição: será a luz que guia para mais luz. Não os cegos que lideram cegos: pecados trazem mais pecados. Como não compreender a razão da incompreensão. A Virgem que disse «Sim» a Deus e tornou-se Mãe do filho de Deus. A Igreja de Tradição Católica: tem por mãe, a Mãe de Deus. O caminho do discernimento na “advocacia da Graça” completa-se como “modelo de Santidade”. Depois de Cristo, filho de Maria de Nazaré, não temos desculpas para não fazer o que realmente Deus deseja para a Humanidade.

[4.] «Até onde se pode ir?» Vivemos num mundo que passa o Tempo a querer que actuemos sem pensarmos nas consequências do Mal. O «Pecado Original» mete a mão na nossa consciência impura de bens menores. A tragédia está apenas no seu primeiro acto desigual fundador. Nossa «Dignidade» fugiu diante do irmão mais pequeno. Estamos na missa onde a paraliturgia, preferencialmente, da música sacra compassada, torna surdo o Desejo de Bondade do Deus que continua a compor harmonia com os desafinados. Leva o seu tempo: de desafinação em desafinação, até à Harmonia final.

[5.] A Conceição da Virgem na era biogenética a exemplo científico incomum. Como não regular o discurso da Fé. «Porque a Deus nada é impossível». «Só Deus basta: mas não basta um Deus só». Lavagem do Coração depois da lavagem da Mente. Assistimos a uma nova ordem que se instala nos velhos dilemas. Para os amigos da Serpente inimiga foi-nos dito: «Esta te esmagará a cabeça e tu a atingirás no calcanhar». Continuaremos a cavar a nossa própria Ressurreição pela Esperança Incondicional. A impureza das cifras linguísticas.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

ESPERA VIGILANTE E ACTIVA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro


     João, homem íntegro e consistente, anuncia uma mensagem libertadora: Vai chegar quem é mais forte do que eu. (Mc, 1, 1-8). Mais forte no testemunho do amor e do serviço; na denúncia da riqueza que “amarra” o coração e a disponibilidade; na defesa da vida e dos seus direitos e deveres humanizados; na frontalidade serena com que se opõe aos exploradores dos humildes e simples do povo; na entrega, sem reservas, à missão que o Pai lhe confia.

     Mais forte do que eu pelo Espírito que transforma e anima, que lembra as maravilhas do passado e ajuda a “tirar” lições do presente, que abre as “portas” do futuro para onde todos peregrinamos. A boa nova é Jesus, o Filho de Deus que se faz humano para nos ensinar a viver e apreciar a nossa comum humanidade e nos desvendar a sua fonte inesgotável: o amor de Deus Pai, fundamento da nossa confiança filial.

     Mais forte do que porque apresenta fontes de inspiração para endireitar o que está desnivelado e retorcido na justiça, na política, na política, na educação, no ordenamento social, nas religiões e em tantos outros espaços onde “se joga” a vida humana. Porque assume como prioridade absoluta na sua missão a realização do projecto de Deus, projecto de felicidade para toda a humanidade e de harmonia para todo o universo.

     Marcos, com sentido profético, adverte-nos de que faz apenas o início do Evangelho de Jesus; início que não pode acabar com a escrita do texto, mas tem de continuar em todos os tempos, particularmente nos tempos mais difíceis, de perseguição ideológica, de progressivo despojamento de tudo, até da própria vida. Vivemos estes tempos em muitos países, também entre nós, ainda que em surdina, mas com efeitos visíveis. Por isso, continua a urgência de fazer soar a boa nova da espera activa e vigilante.

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado

 

M. Oliveira de Sousa | Justiça e Paz – Aveiro 

 

Num momento de grande esforço de diálogo político e criação de consensos, a Comissão Nacional Justiça e Paz, em parceria com a Cáritas e Rede Europeia Anti-Pobreza, organiza, no próximo dia 13 de dezembro, em Lisboa, a Conferência Anual. Sugerimos, como enquadramento e pertinência, um excerto do documento (Reflexões sobre a exortação apostólica Evangelii Gaudium do Papa Francisco) recentemente publicado.

“(…) o sistema social e económico é injusto na sua raiz.” (EG 59) Importa registar as características «desta» economia, que a Evangelii Gaudium menciona expressamente e que ilustram alguns dos elementos estruturais do sistema económico vigente. “Hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade social». Esta economia mata.” (EG 53) “Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco.” (EG 53)

É conhecido o lugar que a «competitividade» ocupa na «corrida» para o «sucesso» (por vezes, para a sobrevivência), com manifesta vantagem dos «mais fortes». O resultado da livre concorrência é considerado como intrinsecamente «bom», independentemente dos critérios de justiça.

Naturalmente, uma das consequências de tal sistema é que “enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz.” (EG 56) É sabido como posições ideológicas podem ser vestidas de roupagens técnico-científicas, aparentemente neutras no campo dos valores. “Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira.” (Ibidem) O que está em causa é o princípio do liberalismo. “Por isso, negam o direito de controlo dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem comum.” (EG 56) “O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade compete ao Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solidariedade e com um grande esforço de diálogo político e criação de consensos, desempenha um papel fundamental – que não pode ser delegado – na busca do desenvolvimento integral de todos.” (EG 240) “Quando estes valores são afetados, é necessária uma voz profética.” (EG 218). Aliás, “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que deveriam estruturar toda a política económica.” (EG 203) “alguns defendem ainda as teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo.” (EG 54) “esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos, exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante.” (Ibidem) “não podemos mais confiar nas forças cegas e na mão invisível do mercado.” (EG 204) “O crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha; requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo.” (Ibidem)

Além das recomendações respeitantes à economia em geral, é particularmente significativo que o Papa sublinhe o facto de que o combate à pobreza, se quiser ultrapassar os limites do assistencialismo, requer uma adequada política económica. Não se trata de abolir as práticas assistenciais – em si indispensáveis e cujo valor deve ser sublinhado –, mas de reconhecer que as mesmas não conduzem à «promoção integral dos pobres.»

(in Correio do Vouga, 2014.12.03)