segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

DIA MUNDIAL DA PAZ 1º DE JANEIRO DE 2013 | MENSAGEM do Papa Bento XVI

 
BEM-AVENTURADOS OS OBREIROS DA PAZ
 
Bento XVI1. Cada ano novo traz consigo a expectativa de um mundo melhor. Nesta perspetiva, peço a Deus, Pai da humanidade, que nos conceda a concórdia e a paz a fim de que possam tornar-se realidade, para todos, as aspirações duma vida feliz e próspera.
À distância de 50 anos do início do Concílio Vaticano II, que permitiu dar mais força à missão da Igreja no mundo, anima constatar como os cristãos, Povo de Deus em comunhão com Ele e caminhando entre os homens, se comprometem na história compartilhando alegrias e esperanças, tristezas e angústias, anunciando a salvação de Cristo e promovendo a paz para todos.
Na realidade o nosso tempo, caracterizado pela globalização, com seus aspetos positivos e negativos, e também por sangrentos conflitos ainda em curso e por ameaças de guerra, requer um renovado e concorde empenho na busca do bem comum, do desenvolvimento de todo o homem e do homem todo.
Causam apreensão os focos de tensão e conflito causados por crescentes desigualdades entre ricos e pobres, pelo predomínio duma mentalidade egoísta e individualista que se exprime inclusivamente por um capitalismo financeiro desregrado. Além de variadas formas de terrorismo e criminalidade internacional, põem em perigo a paz aqueles fundamentalismos e fanatismos que distorcem a verdadeira natureza da religião, chamada a favorecer a comunhão e a reconciliação entre os homens.
E no entanto as inúmeras obras de paz, de que é rico o mundo, testemunham a vocação natural da humanidade à paz. Em cada pessoa, o desejo de paz é uma aspiração essencial e coincide, de certo modo, com o anelo por uma vida humana plena, feliz e bem sucedida. Por outras palavras, o desejo de paz corresponde a um princípio moral fundamental, ou seja, ao dever-direito de um desenvolvimento integral, social, comunitário, e isto faz parte dos desígnios que Deus tem para o homem. Na verdade, o homem é feito para a paz, que é dom de Deus.
Tudo isso me sugeriu buscar inspiração, para esta Mensagem, às palavras de Jesus Cristo: «Bem–aventurados os obreiros da paz, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 9).
A bem-aventurança evangélica
2. As bem-aventuranças proclamadas por Jesus (cf. Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23) são promessas. Com efeito, na tradição bíblica, a bem-aventurança é um género literário que traz sempre consigo uma boa nova, ou seja um evangelho, que culmina numa promessa. Assim, as bem-aventuranças não são meras recomendações morais, cuja observância prevê no tempo devido – um tempo localizado geralmente na outra vida – uma recompensa, ou seja, uma situação de felicidade futura; mas consistem sobretudo no cumprimento duma promessa feita a quantos se deixam guiar pelas exigências da verdade, da justiça e do amor. Frequentemente, aos olhos do mundo, aqueles que confiam em Deus e nas suas promessas aparecem como ingénuos ou fora da realidade; ao passo que Jesus lhes declara que já nesta vida – e não só na outra – se darão conta de serem filhos de Deus e que, desde o início e para sempre, Deus está totalmente solidário com eles. Compreenderão que não se encontram sozinhos, porque Deus está do lado daqueles que se comprometem com a verdade, a justiça e o amor. Jesus, revelação do amor do Pai, não hesita em oferecer-Se a Si mesmo em sacrifício. Quando se acolhe Jesus Cristo, Homem-Deus, vive-se a jubilosa experiência de um dom imenso: a participação na própria vida de Deus, isto é, a vida da graça, penhor duma vida plenamente feliz. De modo particular, Jesus Cristo dá-nos a paz verdadeira, que nasce do encontro confiante do homem com Deus.
A bem-aventurança de Jesus diz que a paz é, simultaneamente, dom messiânico e obra humana. Na verdade, a paz pressupõe um humanismo aberto à transcendência; é fruto do dom recíproco, de um mútuo enriquecimento, graças ao dom que provém de Deus e nos permite viver com os outros e para os outros. A ética da paz é uma ética de comunhão e partilha. Por isso, é indispensável que as várias culturas de hoje superem antropologias e éticas fundadas sobre motivos teorico-práticos meramente subjetivistas e pragmáticos, em virtude dos quais as relações da convivência se inspiram em critérios de poder ou de lucro, os meios tornam-se fins, e vice-versa, a cultura e a educação concentram-se apenas nos instrumentos, na técnica e na eficiência. Condição preliminar para a paz é o desmantelamento da ditadura do relativismo e da apologia duma moral totalmente autónoma, que impede o reconhecimento de quão imprescindível seja a lei moral natural inscrita por Deus na consciência de cada homem. A paz é construção em termos racionais e morais da convivência, fundando-a sobre um alicerce cuja medida não é criada pelo homem, mas por Deus. Como lembra o Salmo 29, « o Senhor dá força ao seu povo; o Senhor abençoará o seu povo com a paz » (v. 11).
A paz: dom de Deus e obra do homem
3. A paz envolve o ser humano na sua integridade e supõe o empenhamento da pessoa inteira: é paz com Deus, vivendo conforme à sua vontade; é paz interior consigo mesmo, e paz exterior com o próximo e com toda a criação. Como escreveu o Beato João XXIII na Encíclica Pacem in terris – cujo cinquentenário terá lugar dentro de poucos meses –, a paz implica principalmente a construção duma convivência humana baseada na verdade, na liberdade, no amor e na justiça.A negação daquilo que constitui a verdadeira natureza do ser humano, nas suas dimensões essenciais, na sua capacidade intrínseca de conhecer a verdade e o bem e, em última análise, o próprio Deus, põe em perigo a construção da paz. Sem a verdade sobre o homem, inscrita pelo Criador no seu coração, a liberdade e o amor depreciam-se, a justiça perde a base para o seu exercício.
Para nos tornarmos autênticos obreiros da paz, são fundamentais a atenção à dimensão transcendente e o diálogo constante com Deus, Pai misericordioso, pelo qual se implora a redenção que nos foi conquistada pelo seu Filho Unigénito. Assim o homem pode vencer aquele germe de obscurecimento e negação da paz que é o pecado em todas as suas formas: egoísmo e violência, avidez e desejo de poder e domínio, intolerância, ódio e estruturas injustas.
A realização da paz depende sobretudo do reconhecimento de que somos, em Deus, uma única família humana. Esta, como ensina a Encíclica Pacem in terris, está estruturada mediante relações interpessoais e instituições sustentadas e animadas por um «nós» comunitário, que implica uma ordem moral, interna e externa, na qual se reconheçam sinceramente, com verdade e justiça, os próprios direitos e os próprios deveres para com os demais. A paz é uma ordem de tal modo vivificada e integrada pelo amor, que se sentem como próprias as necessidades e exigências alheias, que se fazem os outros comparticipantes dos próprios bens e que se estende sempre mais no mundo a comunhão dos valores espirituais. É uma ordem realizada na liberdade, isto é, segundo o modo que corresponde à dignidade de pessoas que, por sua própria natureza racional, assumem a responsabilidade do próprio agir.
A paz não é um sonho, nem uma utopia; a paz é possível. Os nossos olhos devem ver em profundidade, sob a superfície das aparências e dos fenómenos, para vislumbrar uma realidade positiva que existe nos corações, pois cada homem é criado à imagem de Deus e chamado a crescer contribuindo para a edificação dum mundo novo. Na realidade, através da encarnação do Filho e da redenção por Ele operada, o próprio Deus entrou na história e fez surgir uma nova criação e uma nova aliança entre Deus e o homem (cf. Jr 31, 31-34), oferecendo-nos a possibilidade de ter « um coração novo e um espírito novo » (cf. Ez 36, 26).
Por isso mesmo, a Igreja está convencida de que urge um novo anúncio de Jesus Cristo, primeiro e principal fator do desenvolvimento integral dos povos e também da paz. Na realidade, Jesus é a nossa paz, a nossa justiça, a nossa reconciliação (cf. Ef 2, 14; 2 Cor 5, 18). O obreiro da paz, segundo a bem–aventurança de Jesus, é aquele que procura o bem do outro, o bem pleno da alma e do corpo, no tempo presente e na eternidade.
A partir deste ensinamento, pode-se deduzir que cada pessoa e cada comunidade – religiosa, civil, educativa e cultural – é chamada a trabalhar pela paz. Esta consiste, principalmente, na realização do bem comum das várias sociedades, primárias e intermédias, nacionais, internacionais e a mundial. Por isso mesmo, pode-se supor que os caminhos para a implementação do bem comum sejam também os caminhos que temos de seguir para se obter a paz.
Obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida na sua integridade
4. Caminho para a consecução do bem comum e da paz é, antes de mais nada, o respeito pela vida humana, considerada na multiplicidade dos seus aspetos, a começar da conceção, passando pelo seu desenvolvimento até ao fim natural. Assim, os verdadeiros obreiros da paz são aqueles que amam, defendem e promovem a vida humana em todas as suas dimensões: pessoal, comunitária e transcendente. A vida em plenitude é o ápice da paz. Quem deseja a paz não pode tolerar atentados e crimes contra a vida.
Aqueles que não apreciam suficientemente o valor da vida humana, chegando a defender, por exemplo, a liberalização do aborto, talvez não se deem conta de que assim estão a propor a prossecução duma paz ilusória. A fuga das responsabilidades, que deprecia a pessoa humana, e mais ainda o assassinato de um ser humano indefeso e inocente nunca poderão gerar felicidade nem a paz. Na verdade, como se pode pensar em realizar a paz, o desenvolvimento integral dos povos ou a própria salvaguarda do ambiente, sem estar tutelado o direito à vida dos mais frágeis, a começar pelos nascituros? Qualquer lesão à vida, de modo especial na sua origem, provoca inevitavelmente danos irreparáveis ao desenvolvimento, à paz, ao ambiente. Tão pouco é justo codificar ardilosamente falsos direitos ou opções que, baseados numa visão redutiva e relativista do ser humano e com o hábil recurso a expressões ambíguas tendentes a favorecer um suposto direito ao aborto e à eutanásia, ameaçam o direito fundamental à vida.
Também a estrutura natural do matrimónio, como união entre um homem e uma mulher, deve ser reconhecida e promovida contra as tentativas de a tornar, juridicamente, equivalente a formas radicalmente diversas de união que, na realidade, a prejudicam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu caráter peculiar e a sua insubstituível função social.
Estes princípios não são verdades de fé, nem uma mera derivação do direito à liberdade religiosa; mas estão inscritos na própria natureza humana – sendo reconhecíveis pela razão – e consequentemente comuns a toda a humanidade. Por conseguinte, a ação da Igreja para os promover não tem caráter confessional, mas dirige-se a todas as pessoas, independentemente da sua filiação religiosa. Tal ação é ainda mais necessária quando estes princípios são negados ou mal entendidos, porque isso constitui uma ofensa contra a verdade da pessoa humana, uma ferida grave infligida à justiça e à paz.
Por isso, uma importante colaboração para a paz é dada também pelos ordenamentos jurídicos e a administração da justiça quando reconhecem o direito ao uso do princípio da objeção de consciência face a leis e medidas governamentais que atentem contra a dignidade humana, como o aborto e a eutanásia.
Entre os direitos humanos basilares mesmo para a vida pacífica dos povos, conta-se o direito dos indivíduos e comunidades à liberdade religiosa. Neste momento histórico, torna-se cada vez mais importante que este direito seja promovido não só negativamente, como liberdade de – por exemplo, de obrigações e coações quanto à liberdade de escolher a própria religião –, mas também positivamente, nas suas várias articulações, como liberdade para: por exemplo, para testemunhar a própria religião, anunciar e comunicar a sua doutrina; para realizar atividades educativas, de beneficência e de assistência que permitem aplicar os preceitos religiosos; para existir e atuar como organismos sociais, estruturados de acordo com os princípios doutrinais e as finalidades institucionais que lhe são próprias. Infelizmente vão-se multiplicando, mesmo em países de antiga tradição cristã, os episódios de intolerância religiosa, especialmente contra o cristianismo e aqueles que se limitam a usar os sinais identificadores da própria religião.
O obreiro da paz deve ter presente também que as ideologias do liberalismo radical e da tecnocracia insinuam, numa percentagem cada vez maior da opinião pública, a convicção de que o crescimento económico se deve conseguir mesmo à custa da erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil, bem como dos direitos e deveres sociais. Ora, há que considerar que estes direitos e deveres são fundamentais para a plena realização de outros, a começar pelos direitos civis e políticos.
E, entre os direitos e deveres sociais atualmente mais ameaçados, conta-se o direito ao trabalho. Isto é devido ao facto, que se verifica cada vez mais, de o trabalho e o justo reconhecimento do estatuto jurídico dos trabalhadores não serem adequadamente valorizados, porque o crescimento económico dependeria sobretudo da liberdade total dos mercados. Assim o trabalho é considerado uma variável dependente dos mecanismos económicos e financeiros. A propósito disto, volto a afirmar que não só a dignidade do homem mas também razões económicas, sociais e políticas exigem que se continue « a perseguir como prioritário o objetivo do acesso ao trabalho para todos, ou da sua manutenção ».4 Para se realizar este ambicioso objetivo, é condição preliminar uma renovada apreciação do trabalho, fundada em princípios éticos e valores espirituais, que revigore a sua conceção como bem fundamental para a pessoa, a família, a sociedade. A um tal bem corresponde um dever e um direito, que exigem novas e ousadas políticas de trabalho para todos.
Construir o bem da paz através de um novo modelo de desenvolvimento e de economia
5. De vários lados se reconhece que, hoje, é necessário um novo modelo de desenvolvimento e também uma nova visão da economia. Quer um desenvolvimento integral, solidário e sustentável, quer o bem comum exigem uma justa escala de bens-valores, que é possível estruturar tendo Deus como referência suprema. Não basta ter à nossa disposição muitos meios e muitas oportunidades de escolha, mesmo apreciáveis; é que tanto os inúmeros bens em função do desenvolvimento como as oportunidades de escolha devem ser empregues de acordo com a perspetiva duma vida boa, duma conduta reta, que reconheça o primado da dimensão espiritual e o apelo à realização do bem comum. Caso contrário, perdem a sua justa valência, acabando por erguer novos ídolos.
Para sair da crise financeira e económica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo económico. O modelo que prevaleceu nas últimas décadas apostava na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspetiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento económico suportável, isto é, autenticamente humano tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom. Concretamente na atividade económica, o obreiro da paz aparece como aquele que cria relações de lealdade e reciprocidade com os colaboradores e os colegas, com os clientes e os usuários. Ele exerce a atividade económica para o bem comum, vive o seu compromisso como algo que ultrapassa o interesse próprio, beneficiando as gerações presentes e futuras. Deste modo sente-se a trabalhar não só para si mesmo, mas também para dar aos outros um futuro e um trabalho dignos.
No âmbito econômico, são necessárias – especialmente por parte dos Estados – políticas de desenvolvimento industrial e agrícola que tenham a peito o progresso social e a universalização de um Estado de direito e democrático. Fundamental e imprescindível é também a estruturação ética dos mercados monetário, financeiro e comercial; devem ser estabilizados e melhor coordenados e controlados, de modo que não causem dano aos mais pobres. A solicitude dos diversos obreiros da paz deve ainda concentrar-se – com mais determinação do que tem sido feito até agora – na consideração da crise alimentar, muito mais grave do que a financeira. O tema da segurança das provisões alimentares voltou a ser central na agenda política internacional, por causa de crises relacionadas, para além do mais, com as bruscas oscilações do preço das matérias–primas agrícolas, com comportamentos irresponsáveis por parte de certos agentes económicos e com um controle insuficiente por parte dos Governos e da comunidade internacional. Para enfrentar semelhante crise, os obreiros da paz são chamados a trabalhar juntos em espírito de solidariedade, desde o nível local até ao internacional, com o objetivo de colocar os agricultores, especialmente nas pequenas realidades rurais, em condições de poderem realizar a sua atividade de modo digno e sustentável dos pontos de vista social, ambiental e económico.
Educação para uma cultura da paz: o papel da família e das instituições
6. Desejo veementemente reafirmar que os diversos obreiros da paz são chamados a cultivar a paixão pelo bem comum da família e pela justiça social, bem como o empenho por uma válida educação social.
Ninguém pode ignorar ou subestimar o papel decisivo da família, célula básica da sociedade, dos pontos de vista demográfico, ético, pedagógico, económico e político. Ela possui uma vocação natural para promover a vida: acompanha as pessoas no seu crescimento e estimula-as a enriquecerem-se entre si através do cuidado recíproco. De modo especial, a família cristã guarda em si o primordial projeto da educação das pessoas segundo a medida do amor divino. A família é um dos sujeitos sociais indispensáveis para a realização duma cultura da paz. É preciso tutelar o direito dos pais e o seu papel primário na educação dos filhos, nomeadamente nos âmbitos moral e religioso. Na família, nascem e crescem os obreiros da paz, os futuros promotores duma cultura da vida e do amor.
Nesta tarefa imensa de educar para a paz, estão envolvidas de modo particular as comunidades dos crentes. A Igreja toma parte nesta grande responsabilidade através da nova evangelização, que tem como pontos de apoio a conversão à verdade e ao amor de Cristo e, consequentemente, o renascimento espiritual e moral das pessoas e das sociedades. O encontro com Jesus Cristo plasma os obreiros da paz, comprometendo-os na comunhão e na superação da injustiça.
Uma missão especial em prol da paz é desempenhada pelas instituições culturais, escolásticas e universitárias. Delas se requer uma notável contribuição não só para a formação de novas gerações de líderes, mas também para a renovação das instituições públicas, nacionais e internacionais. Podem também contribuir para uma reflexão científica que radique as atividades económicas e financeiras numa sólida base antropológica e ética. O mundo atual, particularmente o mundo da política, necessita do apoio dum novo pensamento, duma nova síntese cultural, para superar tecnicismos e harmonizar as várias tendências políticas em ordem ao bem comum. Este, visto como conjunto de relações interpessoais e instituições positivas ao serviço do crescimento integral dos indivíduos e dos grupos, está na base de toda a verdadeira educação para a paz.
Uma pedagogia do obreiro da paz
7. Concluindo, há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz. Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida adequados. Com efeito, as obras de paz concorrem para realizar o bem comum e criam o interesse pela paz, educando para ela. Pensamentos, palavras e gestos de paz criam uma mentalidade e uma cultura da paz, uma atmosfera de respeito, honestidade e cordialidade. Por isso, é necessário ensinar os homens a amarem-se e educarem-se para a paz, a viverem mais de benevolência que de mera tolerância. Incentivo fundamental será « dizer não à vingança, reconhecer os próprios erros, aceitar as desculpas sem as buscar e, finalmente, perdoar »,7 de modo que os erros e as ofensas possam ser verdadeiramente reconhecidos a fim de caminhar juntos para a reconciliação. Isto requer a difusão duma pedagogia do perdão. Na realidade, o mal vence-se com o bem, e a justiça deve ser procurada imitando a Deus Pai que ama todos os seus filhos (cf. Mt 5, 21-48). É um trabalho lento, porque supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais altos, uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa, que prometem os ídolos deste mundo, e aos perigos que a acompanham; refiro-me à paz que torna as consciências cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a uma existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança.
Jesus encarna o conjunto destas atitudes na sua vida até ao dom total de Si mesmo, até «perder a vida» (cf. Mt 10, 39; Lc 17, 33; Jo 12, 25). E promete aos seus discípulos que chegarão, mais cedo ou mais tarde, a fazer a descoberta extraordinária de que falamos no início: no mundo, está presente Deus, o Deus de Jesus Cristo, plenamente solidário com os homens. Neste contexto, apraz-me lembrar a oração com que se pede a Deus para fazer de nós instrumentos da sua paz, a fim de levar o seu amor onde há ódio, o seu perdão onde há ofensa, a verdadeira fé onde há dúvida. Por nossa vez pedimos a Deus, juntamente com o Beato João XXIII, que ilumine os responsáveis dos povos para que, junto com a solicitude pelo justo bem-estar dos próprios concidadãos, garantam e defendam o dom precioso da paz; inflame a vontade de todos para superarem as barreiras que dividem, reforçarem os vínculos da caridade mútua, compreenderem os outros e perdoarem aos que lhes tiverem feito injúrias, de tal modo que, em virtude da sua ação, todos os povos da terra se tornem irmãos e floresça neles e reine para sempre a tão suspirada paz.
Com esta invocação, faço votos de que todos possam ser autênticos obreiros e construtores da paz, para que a cidade do homem cresça em concórdia fraterna, na prosperidade e na paz.
Vaticano, 8 de dezembro de 2012.
Por Rádio Vaticano


































domingo, 30 de dezembro de 2012

“Voltaram à sua procura” (*)(Lc 2,45)

 
Pe Pedro José L. Correia | CDJP.Aveiro
Reflexões: Ano C – Sagrada Família, Lc 2, 41-52
         Disposição 1. – A dinâmica da procura define os rumos da vida. A vida de cada um depende daquilo que se procura. As diferentes direções tomadas na vida dependem daquilo que se procura. O que se procura define e determina o que é a vida de cada pessoa. É importante ter claro o que se procura.
          Disposição 1.1. – Pode-se procurar pela força do amor. Quem procura por amor encontra os frutos do próprio amor. Procura-se também por outras tantas razões. É preciso procurar sempre. Importa, pois, procurar o que dá garantias de fecundidade para a vida. Toda procura inclui, então, a purificação de motivações para permitir, como resultado da procura, o encontro de tudo o que garante e promove a vida plena (…que se vai plenificando). Amadurecemos na procura.
       Disposição 2. – José e Maria procuraram Jesus. Pensavam que estivesse na caravana, no retorno de Jerusalém, aonde tinham ido para a festa da Páscoa, caminharam um dia inteiro. O imprevisto tomou conta das suas vidas. O caminho conhecido e a rotina, deram lugar à angústia e à anormalidade. Fizeram-se ao caminho. Não há soluções, há caminhos a percorrer.
            Disposição 2.1. – Procuram por Jesus. Aquele que é procurado justifica, com razões de sobra, o esforço do retorno e a recompensa da espera no reencontro. Não era uma procura qualquer. Era a força do amor que multiplica o desejo da procura. Na raiz estava o Amor. Só encontra quem por amor procura o que é importante e indispensável encontrar e conservar no coração. O encontro do que vale e a sua conservação no coração é tudo. “Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?”. Essas perguntas atingem o coração de Maria, que é Mãe. Atingem e frutificam – porque podam… - o coração de todos os que procuram. O coração é o lugar para fecundarem todos os nossos desejos de procura, com a força do Amor. Conta o esforço de obediência à procura interior: enquanto fidelidade “na sabedoria, na estatura e na graça”. Nossa admiração será (já é…) reconhecimento.
           (*)FONTE: Resumindo, seguimos de perto, apenas com poucas «divagações»: AZEVEDO, Dom Walmor Oliveira, “Voltaram à sua procura” in Na Escola do Salvador, Editora PUC Minas, Belo Horizonte, 2009, pp.301-304. Obs. Registo de nota para-litúrgica de humor divino: por duas vezes, os «Diáconos Permanentes, diferentes em duas paróquias…» - de irrepreensível generosidade a toda a prova…-, não leram o Evangelho próprio; uma das vezes, foi outro o do Ano A, ou B… o que fala dos pastores… S. Mateus!?, e não o do ano C, de Lucas; na outra vez antecipando já o dia de Nossa Senhora, Mãe de Deus… voltando aos Anjos. Nunca interrompi, pois a minha infindável lista de «atos falhos», não mo permitiria. Graças a Deus que na assembleia já há leigos a dizer: -Sr. Padre não foi lido o evangelho indicado!? Tudo para reter, também que eu me perdi (e perco repetidamente) nas homilias, até aonde há «pré-texto», mesmo ausente e desprogramado!? E, também, me encontro no humor divino que me procura a mim na contramão!? Assim me aconteceu, assim apreendo a ler, isto é, a ser encontrado durante a procura. Por: Pedro José, Gafanha da Nazaré/Encarnação, 30-12-2012. Caracteres (esp.incl. com notas): 3178.





sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

BEM-AVENTURANÇAS DA FAMÍLIA


 
Georgino Rocha | Comissão Justiça e Paz - Aveiro
A família de Jesus, Maria e José, inspira um modo de vida onde brilham valores altamente humanizantes para todos os tempos. Enuncio, apenas, alguns em jeito de bem-aventuranças e faço votos para que a família estruturada e feliz continue a atrair e a mobilizar as energias de quem se dispõe a promover o bem integral da humanidade.
Feliz a família que se preocupa mais em ser um lar do que em ter uma casa, em dialogar a sério do que em falar simplesmente de algo que ocorre, em partilhar o que possui e tem do que em dar uma esmola ou fazer um empréstimo beneficente, em viver a fé cristã do que em recorrer a orações devotas e a ritos religiosos, em cultivar o amor oblativo sobrepondo-o a tudo do que em ter gestos ocasionais de tolerância e desculpa, em confiar nos filhos e honrar os anciãos, em cuidar dos mais frágeis e incluir os marginalizados, em construir progressivamente uma sociedade melhor do que em apreciar os bens acima das pessoas, em alimentar receios e preconceitos, isolar-se no egoísmo do “salve-se quem puder” e temer o futuro enegrecido pela insegurança.
Felizes as famílias que se esforçam por ser sementes de novas famílias, alicerçadas no amor heterossexual fiel e fecundo, abertas à relação recíproca dos seus membros, inseridas e solidárias na sociedade, crentes e confiantes na amizade de Jesus Cristo, o peregrino de todos os caminhos da vida e o defensor justo de todas as causas humanas.
A família humana – dizia-o João Paulo II na ONU – significa o contributo fundamental que o cristianismo pode dar à tarefa educativa: cada um é atendido conforme as suas necessidades, todos vivem relações de reciprocidade e fazem circular os dons de gratuidade, avivam a consciência da mútua dependência, habilitam-se para ocupar o seu lugar e desempenhar a sua função.
Família humana, comunidade natural recriada pelos seus responsáveis onde velhos e novos, frágeis e fortes, sãos e doentes, homens e mulheres crescem na bondade e alimentam a alegria de viver.





segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

QUE DEVEMOS FAZER?


Georgino Rocha – CDJP-Aveiro
Pergunta simples que manifesta a vontade da coerência de atitudes com a descoberta da verdade. Pergunta feita, não individualmente mas em conjunto, por multidões, publicanos e soldados que se dirigem a João Baptista. Pergunta que desvenda a eficácia do anúncio da Boa Nova, a força do testemunho de João e a acutilância da sua palavra.
A resposta, segundo narra Lucas, sai pronta e assertiva: repartam os bens, pratiquem a justiça, amem e promovam a paz. Ontem, como hoje. Àqueles que a ouvem nas categorias apresentadas segundo a organização social de então ou em linguagem mais do nosso tempo: os homens da violência e da guerra, os profissionais da máquina administrativa e da fiscalização legal, os reguladores dos circuitos comerciais e respectivos produtos.
Hoje, face à escassez crescente de bens para uns e o acumular de riqueza para outros, repartir é a palavra de ordem portadora de boas notícias; face à corrupção e à fraude, a
verdade e a honradez constituem imperativo ético e jurídico; face a comportamentos individuais e insensibilidade de minorias abastadas urge contrapor atitudes solidárias, fruto da consciência crítica e libertadora.
A sábia resposta de João levanta uma dúvida ao povo ouvinte. Não será ele o Messias? A expectativa era enorme e fazia parte do património de esperança de Israel. Não, não sou – responde sem reticências. E, em jeito de esclarecimento, adianta: “está a chegar quem é mais forte do que eu, e eu não sou digno de desatar as correias das suas sandálias”.
O olhar e o coração dos ouvintes convergem agora naquele que é a novidade de Deus, que vem “joeirar” os corações, e destrinçar o trigo do bem e a palha do mal, baptizar com o fogo do Espírito Santo. João cede o lugar a Jesus que credencia aqueles sinais e lhes dá um novo alcance, o de serem sinais/acontecimentos de salvação.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

POR UM NOVO ESTILO DE VIDA

Georgino Rocha   |  CDJP-Aveiro

Chega-nos um apelo forte vindo das margens do Jordão. É seu arauto João Baptista, o profeta precursor de Jesus. A sua voz surge como um grito de alarme, um convite à mudança de modos de vida, um apelo a transformações radicais. E junto ao rio, vai clamando em linguagem telúrica e metafórica: Endireitai o que está torto, alteai vales, abatei montes e colinas, aplanai arestas escarpadas, alinhai veredas e preparai o caminho do Senhor.
Esta mensagem interpelante recebe-a João de Isaías e serve de pórtico de entrada à missão de Jesus. É mensagem de urgência inadiável. “Está em jogo” a salvação que Deus oferece a quem a receber e for coerente, salvação que será vista por toda a criatura. Jesus confirma o alcance da pregação de João e abre-lhe horizontes inovadores. A comunidade cristã credibiliza o seu testemunho na medida em que lhe for fiel. Cada um de nós será autêntico discípulo se adoptar o estilo de vida correspondente.
O estilo de vida “ao jeito de João Baptista” reveste características de justiça, de solidariedade e de mística.
De justiça que ama a sobriedade de bens e cultiva a simplicidade de vida; que reconhece a importância das estruturas e luta por estarem adequadas à dignidade humana e à convivência social com espaço para todos; que denuncia tudo o que oprime capacidades e aspirações, cerceando horizontes e amortecendo sonhos de felicidade. Não se conforma com paliativos, ainda que provisórios, nem com protestos, ainda que veementes, nem com qualquer lenitivo, ainda que benfazejo. A justiça digna do ser humano é o reflexo do Deus justo, da paz na humanidade, da fraternidade entre todos os que se sentam à mesa comum e beneficiam dos bens correspondentes.
Outra característica diz respeito à solidariedade que expressa e renova relações entre pessoas, que gera vínculos entre instituições, contratos e parcerias entre voluntários, espaços de diálogo e convívio entre gerações, elos de proximidade distante entre utilizadores da rede virtual. Não se satisfaz com intervenções pontuais, sempre precisas em caso de emergência, nem com medidas assistenciais, sempre necessárias em situações precárias de miséria.
A solidariedade é “coisa” de Deus que não abdica do seu projecto histórico de ajudar o homem a ser homem, sua imagem e semelhança na criação, e seu filho na redenção salvadora alcançada por Jesus Cristo. Ser solidário “ao estilo de Jesus” é viver o seu amor incondicional a todos em todas as circunstâncias e correndo todos os riscos. Sem homens/mulheres marcados por este estilo de vida, as estruturas ficam esqueléticas, a convivência social torna-se campo de rivalidades, ainda que disfarçadas, e a ordem estabelecida impõe-se como “colete-de-forças” que espartilha os melhores esforços e aprisiona as mais generosas intenções.
João Baptista “bebeu” no deserto o espírito que dá sentido ao seu estilo de vida. Deserto do silêncio para escutar a voz de Deus e assumir a palavra que quer dirigir à “cidade” dos homens; deserto de aparências e supérfluos que realça o “essencial”, o sentido fundamental da existência, deserto de tentações sedutoras que assaltam o coração e procuram reencaminhá-lo para satisfações fugazes.
O apelo/convite está feito. Outrora por João e por Jesus. Agora pela Igreja e pela consciência. Pretende libertar-nos de tudo o que nos amarra e impede de sermos nós mesmos. Por isso exorta-nos a estarmos atentos na escuta e a sermos sóbrios no uso dos bens, generosos na partilha, condoídos na solidariedade, dedicados na proximidade, confiantes no Senhor que vem e já nos faz ver as “pegadas” dos seus passos na nossa humanidade