quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

JESUS ENSINA COM AUTORIDADE

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Chegado a Cafarnaum, Jesus vai à sinagoga, como bom judeu, e, convidado a comentar as leituras, adopta um estilo próprio, distanciando-se do método tradicional. Mc 1, 21-28. Não cita nenhum dos famosos rabis, como era de “bom-tom” para credenciar a sua homilia. O que disse, Marcos não o regista, mas não andará longe, como noutras passagens se afirma, de algo parecido com o que Mateus conserva na sequência do sermão da montanha (5, 21-48). Jesus reinterpreta, com autoridade pessoal – e que autoridade! -, o sentido das escrituras e manifesta o seu conteúdo oculto e inédito. Autoridade que é liberdade de ensino e relação, poder de comunicação, legitimidade de acção. Autoridade que lhe vem não do apoio popular nem da força das armas ou do prestígio social ou do voto democrático, tantas vezes manipulado. A fonte é outra como se verá a seguir.


Os ouvintes ficam admirados com aquela novidade e interrogam-se sobre o seu alcance: “Que vem a ser isto? Até os espíritos imundos lhe obedecem! O que estes intuem, declara-o, convictamente, o possesso endemoniado: “Tu és o Santo de Deus”. E de forma interrogativa/afirmativa acrescenta: “Vieste para nos perder?” E o “diabo” disse a verdade!


A novidade é manifesta, não apenas em palavras, mas em gestos de proximidade e de cura. O endemoniado sente-se liberto de tudo o que o oprime: doença, exclusão, forças maléficas. A sua presença na sinagoga e a sua intervenção pública causam certa estranheza e revestem uma enorme carga simbólica. Será o “retrato” da situação religiosa que é necessário superar? Talvez. A troca de palavras – não chega a ser diálogo – entre ele e Jesus parece indiciar algo parecido. O confronto com as forças do mal, personificadas em espíritos imundos ou possessos, irá ser uma constante na missão do Nazareno e, a partir dele, na vida e acção dos seus discípulos e da sua Igreja. A autoridade do Santo de Deus consiste na entrega gratuita, no abraço solidário, na comunicação livre e autêntica, na proximidade amiga e benfazeja. A sua vida credencia a palavra hoje anunciada e a missão agora “desenhada” e progressivamente realizada.


Outrora, aquelas forças “disfarçavam-se” em pessoas possuídas por tendências naturais incontroláveis ou por desvios humanos notórios, pela influência de seres estranhos ou de espíritos demoníacos. As ciências do conhecimento biológico e médico ainda não estavam desenvolvidas a ponto de identificarem a origem destas perturbações esquisitas. Mas os seus efeitos, sim; estão bem patentes no estigma social típico de todo o endemoniado, na marginalização religiosa a que era votado o doente, no estatuto de excluído da sociedade; por isso, a sua condição não contava nem valia nada, não merecia qualquer consideração.


E hoje, que forças ocultas ou evidentes mantém as pessoas manietadas e oprimidas, as sociedades fragilizadas, os estados impotentes, as confissões religiosas ensonadas e a(s) Igreja(s) incomodada(s)? Parece claro que refazer o sistema que provocou e mantém esta crise global é pretender continuar o “fabrico” de empobrecidos em número crescente e o espezinhamento da sua dignidade, a multidão de silenciados e manipulados que tardam a tomar a palavra, a legião de indignados que tentam fazer ouvir a sua voz e a razão que lhes assiste. A base da pirâmide social alarga-se cada vez mais. E o topo superior afunila-se progressivamente.

As alternativas vão-se esboçando e dão passos que alimentam a esperança. Adquirem maior visibilidade os projectos que visam a mudança de mentalidade e a conjugação de esforços em torno da economia solidária, da participação activa, da responsabilidade de cada um face ao bem de todos. Que bom seria, se o critério de acção fosse a novidade trazida por Jesus de Nazaré apresentada de forma inaugural na sinagoga de Cafarnaúm: entrega gratuita, proximidade solícita, abraço solidário, comunicação livre e autêntica, proclamação da verdade. E as homilias bem como o ensino/aprendizagem teriam outra eficácia e seriam mais apreciadas.

domingo, 25 de janeiro de 2015

«Conversão: crónica inadiável»

 

Pedro José L. Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro


I. Reflexão

Disposição 1. – “Jonas representa o judaísmo fechado, que pensa que se salvará, fechando-se sobre si mesmo. Esta tentação também afeta a Igreja, e também a nós, de tempos a tempos” (António Couto). No texto de hoje do pequeno e saboroso (no humor e na imaginação) livro de Jonas: levanta(-se) e desce(-se) sobre a questão de uma «Fé» fechada para “perfeitos e eleitos”. Jonas desprogramou-se à custa da experiência de bater com a “cabeça na parede”. Não chega apenas ter um “coração bom” […se não houver capacidade para mais isso é suficiente: não haja a menor dúvida…]. Somos crentes “conforme a palavra do Senhor” (certa psicanálise ajuda-nos a não asfixiarmos no “mar profundo” fugindo de Deus). Precisamos d’ água fria do dia do nosso Baptismo! Porque Jonas reaprendeu a orar erguendo os olhos para ao Céu: «Je suis, Jonas»(!?).

Disposição 2. – S.Paulo é “um” teólogo da carne; “um” catequista pastoral e “um” psicólogo terapeuta. Este «como se não» ajuda a dizer tudo o que não poder ser dito, mas deve ser vivido para aquém do Céu. Paulo tem os dois pés na Terra secularizada, até ao limite, e amando o Mundo tudo faz para que a Carne nos salve (e não seja perdição); para que a Doutrina nos ajude a pôr dúvidas onde temos certezas (e não seja fundamentalista); para que manifestemos o Outro infinito, no lugar do nosso Eu pequeno (e não seja individualista). Demos graças a Deus por S. Paulo: como Teólogo; como Catequista e como Terapeuta. Não destruiu o Cristianismo: mostrou nele uma Pessoa: Jesus Cristo: inadiável missionário, para os tempos actuais.

Disposição 3. – Uma voz amiga diz-me, citando outra voz serena: “As coisas urgentes não podem roubar/tirar o Tempo das coisas importantes”. Ler a passagem de S.Marcos com esta chave de discernimento na vida de todos os dias; todas as ocasiões/situações; vezes sem fim. Como foram capazes os discípulos de seguir Jesus, por tão pouco? Porque tão pouco: era o seu Poder? O seu Querer? O seu Pensar? O seu Sentir? Iguais a nós nas nossas diferenças radicais? Do pouco que recebemos: multiplicar e dividir. Ele, Jesus o Nazareno, fará de nós homens/mulheres «pescadores». Os nossos pescadores ficam angustiados quando não há licença para irem ao Mar…, ganhar o Pão de cada dia…; ficam angustiados, quando o barco não aguenta a violência das Ondas; ficam angustiados…um pouco de Angústia, na COMPANHIA de Jesus: «Vinde comigo». -Se estiver Contigo Senhor pesco no deserto da vida sob o sol mais quente da “Luxúria”…; ou nos glaciares quebrando o gelo da “Indiferença”… onde está a TUA isca!?


II. Oração

"Deus, fonte de água viva,

transforma-nos em testemunhas de unidade

tanto através de nossas palavras como de nossas vidas.

Ajuda-nos a entender que não somos os donos do poço

e dá-nos a sabedoria para acolher a mesma graça uns nos outros.

Transforma nossos corações e nossas vidas

para que possamos ser verdadeiros portadores da Boa Nova.

E leva-nos sempre ao encontro com o outro,

como um encontro contigo.

Isso te pedimos em nome de teu Filho Jesus Cristo.

na unidade do Espírito Santo. Amém”.



FONTE: A oração retirada da “SEMANA DE ORAÇÃO PELA UNIDADE DOS CRISTÃOS” - «Jesus lhe disse: Dá-me de beber!

(João 4,7)” que se encontra: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/weeks-prayer-doc/rc_pc_chrstuni_doc_20140611_week-prayer-2015_po.html, acesso: 25-01-2015.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

RESPOSTA IMEDIATA AO CONVITE FEITO

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Jesus vive uma “hora” complexa. A prisão de João Baptista não augura nada de bom. Risco semelhante pode correr em qualquer momento. Mc 1, 14-20. É tempo de pensar no futuro e começar a preparar as suas bases. Caminha à beira-mar e vai sonhando. Vê uns homens na faina da pesca que, diligentemente, lançam as redes. Parece-lhe ter encontrado a possível solução e a desejada oportunidade: Iniciar “a pesca de homens” a quem, mais tarde, entregaria a sua missão. Entretanto, andariam consigo, veriam o que fazia, estabeleceriam laços de comunhão fraterna, tentariam compreender os ensinamentos e, sobretudo, beneficiariam do seu estilo de vida itinerante, sóbrio e confiante em Deus-Pai. “Habilitavam-se”, tanto quanto pudessem, para o serviço a realizar.

Pensai, irmãos no que era pedido a estes homens – exorta Santo Agostinho num dos seus sermões -: ir por todo o mundo pregar que um morto tinha ressuscitado e subido ao céu; e sofrer, devido à pregação dessa verdade, tudo o que aprouvesse a um mundo insensato: privações, exílio, cadeias, tormentos, carrascos, feras ferozes, a cruz e morte”. Os convidados vão lentamente descobrindo este horizonte de missão que, por amor, corre todos os riscos e aceita todas as provações.


A insensatez tem manifestações novas. Basta lembrar alguns exemplos: a pobreza de milhões de pessoas que não conhecem outra realidade a não ser o sofrimento e a exploração; as guerras, as injustiças e as “estruturas de pecado” que podem parecer inevitáveis e impossíveis de erradicar do mundo complexo em que vivemos; a enorme pobreza de não conhecer Cristo, um facto que, segundo Madre Teresa de Calcutá, é "a primeira pobreza dos povos", e da qual não se livra nenhum canto da terra; o relativismo cultural e moral que faz perder o sentido da busca e da existência da verdade; a desequilibrada e míope relação com a natureza, às vezes explorada de forma selvagem, às vezes "idolatrada" e paradoxalmente objeto de uma atenção maior do que a reservada ao ser humano. (Zenit, 23Jan2015).

Jesus lança também a “rede”. E o resultado é imediato. Surge o primeiro núcleo apostólico que se alargaria progressivamente. Depois virão outros. Iniciam a convivência com ele. Apreendem em que consiste viver e transmitir a sua mensagem, celebrar as suas maravilhas e anunciar o seu crescimento progressivo até à plenitude no futuro em que Deus e o homem selam a comunhão definitiva.


O reino a anunciar encontra-se já nas acções de Jesus, no perdão que oferece aos publicanos e prostitutas, na expulsão dos demónios e na cura dos enfermos, na libertação dos oprimidos e excluídos, na advertência aos ricos e poderosos, na exortação aos pobres e humildes. São acções que realizam, em gérmen, a sociedade nova respeitadora da vida, assente na verdade e no amor, na justiça e na paz, na liberdade e na igualdade; sociedade nova, aberta a valores que a superam e lhe abrem horizontes superiores como a graça, a santidade, a proximidade de Deus que se manifesta como Fonte da bondade e da beleza.

As sementes do Reino estão no coração de todos, por decisão livre de Deus providente. Dar a conhecer esta realidade encorajante, criar condições para que estas sementes desabrochem e embelezem o jardim de toda a humanidade, apresentar a sua realização plena e atraente em Jesus de Nazaré, constitui a missão da Igreja, de todos os cristãos, famílias e comunidades. Em comunhão de esforços, na convergência de sentido. O convite está feito e é apelativo. A resposta terá de ser pronta e generosa.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

MESTRE, ONDE MORAS?

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

A pergunta habita no coração humano. A respeito de tudo e em todas as circunstâncias. Atesta-o a experiência pessoal, documenta-o a história, confirma-o o relato bíblico. O rosto da pergunta surge no alvor das origens com aquele célebre: “Adão, onde estás? Que fizeste do teu Irmão?”; no templo de Silo no diálogo do jovem Samuel com sacerdote Helí, nas proximidades do rio Jordão com dois discípulos de João a Jesus de Nazaré: “Mestre, onde moras”? Jo 1, 35-42.

Também, hoje, a pergunta bate “à porta” da nossa consciência: Que queres da vida? Que sentido dás ao tempo? Como geres o instante no todo na tua história pessoal? Tens presente o teu futuro definitivo? 

E o teu contributo para o bem de todos? Cada um de nós saberá continuar a lista sem dificuldade.

Toda a pergunta tem resposta. “Vinde ver” – a resposta de Jesus – fica como modelo e pedagogia para todos os peregrinos da verdade. Eles vão e ficam na sua companhia. Deixam-se “moldar” pelo modo de ser do Mestre. Mais tarde serão enviados em missão. E, como outrora, também agora, somos convidados a conviver com Ele, a partilhar a sua vida, a acolher o seu olhar penetrante, a deixar-nos atrair e a “agarrar” pela experiência gratificante que dá resposta aos anseios mais profundos do coração humano.

Faz-nos bem ouvir o Papa Francisco afirmar a respeito de José Vaz, o santo português, nascido em Goa em 1687 e agora canonizado na praça de Colombo no Sri Lanka: O carácter intrépido de S. José constitui igualmente «um exemplo de zelo missionário»: deixou «para trás a sua casa, a sua família, o conforto dos lugares que lhe eram familiares» para apoiar a comunidade católica local, mas dedicou a sua vida a «todos», falando «de Cristo onde quer que se encontrasse». «Sabia como oferecer a verdade e a beleza do Evangelho num contexto plurirreligioso, com respeito, dedicação, perseverança e humildade. Este é, também hoje, o caminho para os seguidores de Jesus». Para Francisco, a sua «coragem», a sua «sensibilidade», «o seu respeito pelos outros», «a sua ânsia de partilhar com eles a palavra da graça», constituem faróis para as comunidades católicas.

Os discípulos, na companhia do Mestre, aprenderam os modos de realizar a missão: curar doentes e alimentar famintos, partilhar e viver na alegria sincera, deixar-se conduzir pelo amor universal e generoso, que Deus nos tem, acolher os mais débeis e afastados das fontes da vida. E partem pelos “quatro cantos da Terra” a anunciar a vocação sublime de todo o ser humano, a apreciar e a cuidar a dignidade do seu corpo (toda a sua pessoa), a construir relações na base da regra de ouro “ tudo o que queres para ti, fá-lo aos outros”, a reconhecer que só a civilização do amor manifesta, o melhor possível, a convivência sustentada em sociedade e redimensionada na cultura, a vocação de toda a humanidade.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

BAPTISMO DE JESUS, INÍCIO DE VIDA NOVA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Chegado ao Jordão, vindo da Galileia, Jesus põe-se na fila dos pecadores e aguarda a sua vez de ser baptizado. Esta atitude parece normal a toda a gente, menos a João que reage com surpresa. Jesus mantém firme a sua decisão.

Realizado o rito baptismal, ocorre a grande revelação: Jesus vê os céus abertos e o Espírito descer sobre ele, enquanto surge a declaração solene: “Tu és o Meu Filho amado; em Ti encontro o Meu agrado.”.  Mc 1, 7-11. Jesus é assim “empossado” na missão que lhe é confiada e na qual o Pai se compraz. O baptismo constitui “o acto” oficial do seu início e o Espírito a força impulsionadora da sua realização. 

Agora, as “periferias” – Jesus chega da pobre Nazaré de má fama -  têm voz, os excluídos são integrados, os injustiçados recuperam a dignidade, os esgotados por falta de horizontes de esperança vêem dimensões novas para a vida com os céus abertos, a fraternidade reduzida aos laços de sangue alarga-se a toda a humanidade, a posse e o uso dos bens – como dons recebidos que o homem/mulher cuida e trabalha – são pertença de todos, sendo necessário que cheguem à casa de cada um na medida adequada. 

O baptismo introduz uma dimensão nova na vida: constituí-nos filhos de Deus e irmãos uns dos outros, cooperadores indispensáveis pelo bem-estar razoável de toda  a humanidade e pelo desempenho eficaz da missão da Igreja. Oxalá, não se aplique a nós: aquela sentença caricata: são gente “passada pela água”, mas não baptizada realmente! Conservam o álbum das fotografias, mas perderam a marca original e apenas mostram a “tatuagem”. Valorizemos a beleza nobre e exigente do nosso baptismo. Sejamos coerentes!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

sábado, 3 de janeiro de 2015

O SOBRESSALTO DE HERODES

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Fica perturbado o ânimo de Herodes, ao ouvir a notícia. Mt 2, 1-12. E com ele os habitantes da cidade de Jerusalém. Nem é para menos! Um cometa a deslocar-se nos céus em direcção ao Ocidente era sinal de catástrofe iminente, de calamidades públicas, de desordem política. Este modo de pensar, de que se faz porta-voz Plínio, o Velho, na sua História Natural, não podia deixar de gerar consternação e pânico. O facto de os Magos buscarem o “rei dos judeus” deixa perceber que os desacatos serão grandes e o tempo de Herodes está a expirar. Sobressalto é o mínimo que pode experimentar e a origem da força emocional da acção que vai empreender: aconselhar-se, chamar os mensageiros, dar-lhes indicações precisas, pedir-lhes informações e propor-se seguir os seus passos, logo que possível. Disfarça secretamente o móbil da sua vontade – o de evitar veleidades, matando o potencial candidato a rei – declarando querer ir adorá-lo.


E hoje que perturbação provocam nos “novos Herodes” os que vêm do Oriente próximo, da América Latina, da África Central e do Magrebe, da Europa de “leste”, da Ásia longínqua? Não é difícil ver as mãos vazias e o coração dorido dos foragidos pela intolerância religiosa, pelas pobrezas de todo o tipo, pela busca de novas oportunidades, de segurança na liberdade, de uma nova estrela para a vida atormentada e, por vezes, completamente desfeita. E quem os escuta e que acolhimento lhes é proporcionado? Os novos herodes do poder, do dinheiro, dos radicalismos, da exploração do homem pelo homem, das escravidões de toda a espécie.


Os magos visionários seriam hoje esta multidão de “peregrinos” que, no seu deambular, ainda têm forças para sonhar, pôr-se a caminho, correr riscos, ver naufragar expectativas, aguentar enganos, reanimar-se até alcançar o bem desejado. Mostram assim o valor da humanidade que os habita e da esperança confiante que a tudo se aventura e suporta. 


O sobressalto de Herodes ocorre em tantos humanos que não são capazes de ver o brilho da estrela que aponta novos caminhos e vivem deslumbrados com a luz do seu “eu”, com a reverência dos apaniguados e com a subserviência de bajuladores “de ocasião”. Quando o coração pressente a ameaça pendente, a que subterfúgios recorre, tentando anular o perigo e impedir a alteração da situação instalada! E o massacre dos inocentes de todas as idades acontece. De quanto o engenho humano é capaz?! Ontem como hoje. E a novidade vem não só do Oriente.


Os Magos acabam por encontrar, deliciar-se com o que vêem, entrar em comunhão, partilhar o que tem e, avisados, regressar a casa por outro caminho. Desobedecem positivamente às ordens recebidas e, animados pela experiência feita, partem a anunciar “aos quatro cantos do mundo” o que tinham visto e ouvido. Bela lição. Forte interpelação.

ATITUDE DOS MAGOS, EXEMPLO A SEGUIR

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

O episódio dos Magos narrado por Mateus em estilo popular tem suporte histórico e alcance simbólico. Mt 2, 1-12. É uma maravilha! Apresenta o itinerário da fé cristã, recorrendo a personagens bíblicas e a citações conhecidas. Na pessoa dos Magos, destaca a importância da atenção à novidade dos sinais, a ousadia confiante de se pôr a caminho em busca do que o coração pressente, a coragem de suportar a dureza do percurso e de aguentar o peso das provações, a tenacidade de persistir pacientemente na viagem, apesar de não haver certezas do rumo tomado, por falta da estrela-guia, o entusiasmo discreto e alegre da chegada e do encontro.

A narração “lança mão” a uma série de verbos para realçar o mundo de emoções e de convicções surgidas nos cansados visitantes. A simplicidade e a pobreza não os desiludem. A sua atenção fixa-se no Menino e na sua Mãe. Por isso, entram, vêem, prostram-se e adoram, abrem os alforges e oferecem presentes, contemplam em silêncio e retiram-se discretamente, saboreando a serenidade e a alegria vivenciadas.

A fé cristã realiza em nós esta maravilha: faz-nos ir ao encontro de Deus na realidade da vida, penetrar na espessura dos factos e no sentido de que são portadores, levantar os olhos e ver horizontes rasgados, descobrir a beleza e a bondade da relação solidária, apreciar a gratuidade da entrega no gesto da doação.

As prendas oferecidas revelam o melhor do ser humano, perante o Menino-Deus que se manifesta. O ouro simboliza a vocação a que estamos chamados e já se realizou exemplarmente em Jesus: a grandeza do serviço humilde, o cultivo do amor gratuito e benevolente, o brilho irradiante de uma fé confiante. O incenso desvenda o sentido dos nossos passos, a elevação do coração em sintonia com o projecto de Deus, a vida sofrida e purificada no caudilho do sofrimento e da cruz. A mirra indica a fragilidade humana, os seus limites sempre “asfixiantes”, o risco constante de fazer o melhor e o pior e manifesta que levamos “em vasos de barro“ o tesouro que nos foi confiado.
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Segue a estrela dos Magos e crescerás na fé e na alegria de anunciar o Evangelho. A Epifania do Senhor, hoje celebrada, dá um sentido novo à vida de quem busca a verdade que liberta e ama a sabedoria que humaniza.