segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

“À flor da nossa pele…”

Padre Pedro José | Comissão Justiça e Paz - Aveiro

Comentário: Mc 1,40-45: Ano B – VI Tempo Comum (12-02-2012)
«Vamos tornar o inimigo feio»; «Quem é feio é inimigo» – Umberto Eco.
«O modo como o Outro se apresenta, ultrapassando a ideia do Outro em mim, chamamo-lo, de facto, rosto» – Emmanuel Levinas.
«Jesus, ao curar o leproso, quer dizer para todos nós, cristãos, que nem a beleza, nem a feiúra, nem o cheiro, nem a cor são critérios para que as nossas peles se aproximem» – J.B. Libânio.
           Diante do milagre, devemos perguntar sobre o seu significado, e não ficarmos maravilhados com o seu impacto extraordinário. Não se trata de factos “exóticos e sobrenaturais”.
          Hoje a medicina consegue fazer melhor. Foi reativado, no nosso país, o transplante de fígado para crianças, uma realidade que exige muita especialização e dispendiosos cuidados de internamento. Muitas doenças que levaram a humanidade à morte estão vencidas. Mas outras voltam com mortes cruentas e em massa. Olhe-se à tuberculose com o respectivo perigo dos antibióticos sem efeito, etc. Outras doenças ainda estão por surgir…, sem pessimismos. É a nossa frágil condição humana.
            O sentido do milagre é o próprio Jesus. Hoje na cura da terrível lepra, Ele curou a «nossa» pele. A pele é a «nossa» exterioridade; a nossa comunhão com o exterior; com o mundo à nossa volta. Pela pele – e sensíveis frieiras neste frio que sentimos… – percebemos a temperatura, percebemos que alguém está ao nosso lado. Temos ao extremo “pele de galinha”. Olhamos a pele e sentimos e evidência do Rosto. Jesus vai no profundo mistério da pele humana, e toca. O leproso (das piores doenças que afectam o nosso exterior…) deixou-se tocar.
            Como nos comportamos? Há pessoas que não toleram a nossa presença física e logo arranjam desculpa para se afastar. Outras aproximam-se. O que a nossa pele rejeita ou recebe? A quem rejeita e a quem recebe? Jesus quer curar em nós essa incapacidade que a nossa «pele» tem de suportar o diferente; o feio…; o de outra etnia…; o de outra ‘formação’…; o de outra ‘terra’; o de outra ‘geração’; o de outro clube; o de outro partido; o de outro cheiro, etc.
        Até àquele momento o leproso não podia ser tocado por ninguém e também não podia tocar em ninguém. E Jesus fez questão – o Evangelho diz: «compadecido, estendeu a mão, tocou-lhe».

A pele não é apenas publicidade: eterna juventude sem rugas! A pele não é o lugar da beleza com rótulos, estereótipos de capa de revista! A pele não é malícia, falsa beleza física, inocência perversa, ou pudor farisaico. A nossa pele somos nós em contacto, de comunhão simples, limpo sem artifícios de valorização desnecessária. A pele é a nossa capacidade de acolhimento colocando à prova a nossa bondade, sem preconceitos e medos. A nossa pele somos nós com a idade do amor e da ternura. Nossa pele somos nós com a temperatura da proximidade. O frio do egoísmo, o ardor do sacrifício e a brisa suave da beleza verdadeira. Nossa pele é a nossa comunicação em acto de abertura! Ao respeitar todas as peles, respeitamos todas as vidas!

CARTA ABERTA. HOMEM LEPROSO, MEU IRMÃO


Padre Georgino Rocha  | Comissão Justiça e Paz-Aveiro

Não estranhes, homem leproso, receber por correio eletrónico a mensagem de um padre católico. Vivo junto ao mar Atlântico numa região a que deram o nome de Lusitânia. Leio com frequência as Escrituras e vou-me informando do estatuto social e religioso das pessoas que sofrem de lepra. Sei também que os rabinos multiplicam as regras protectoras de quem tem saúde, agravando a situação de quem sofre de doença. Estás escorraçado da sinagoga e da sociedade. Em “nome de Deus”! Vives a “monte” ou em esconderijos, à distância, para nem sequer seres visto. Tal o medo de contágio!
Esta distância não é apenas geográfica, mas  afectiva, familiar, social e religiosa. Como bem sabes, todos somos humanos, temos coração, precisamos de laços de união e de pertença, sentimos necessidade de ser apreciados e reconhecidos. Então por quê discriminar?
Por isso, quero dizer-te, meu irmão, o que me vai na alma, o que faz nascer em mim o teu encontro com Jesus de Nazaré, na sua itinerância pelas tuas terras da Galileia.

Admiro a tua coragem, fruto certamente da tua fé confiante. Que ousadia provocante! Tomas a iniciativa e aproximas-te de Jesus. Ignoras intencionalmente que estavas proibido de andar na rua, quando alguém fosse a passar, e tinhas de gritar “impuro”, “maldito” para o avisar da tua proximidade ou, então, de fugires para evitar qualquer contágio. Transgrediste conscientemente uma lei “sagrada”. Arriscaste a vida que te restava, pois podias incorrer na pena de morte.
Por sua vez, Jesus faz o mesmo: estende a mão e toca-te, realizando um gesto de grande proximidade, mostrando uma liberdade superior, abrindo os horizontes novos da saúde integral para todos. E tu ficas curado no corpo perante a sociedade e abençoado por Deus, sinais públicos de integração na comunidade. Vês assim recuperada a tua dignidade de pessoa humana.
Com o teu proceder, ensinas-nos, meu bom irmão, que os “milagres” de Jesus passam pelos nossos gestos. Tu fizeste ouvir a tua voz, ajoelhaste, colocaste a solução do teu “problema” nas suas mãos e aguardaste. Não temeste ser afastado como um maldito, nem tratado como um blasfemo. Apenas mostraste a disponibilidade radical para receberes o que ele entendesse por bem.
Deixa-me dizer-te outra maravilha: mostras uma disposição radical sublime. E ocorre-me uma pergunta: como chegaste a essa disposição do coração? Tu sabias que desse encontro dependia a tua vida. Arriscavas tudo. Estou em crer que a tua fantasia trabalhou bem os comentários que ias ouvindo, talvez às escapadelas. A intensidade do teu sofrimento reclamava libertação e pressionava as tuas capacidades activas. Impunha-se uma decisão ousada. Felizmente, soubeste tomá-la oportunamente. A tua sabedoria intuitiva leva-te a acertar em cheio na corda mais sensível do coração de Jesus Nazareno, o mestre itinerante. E a sua reacção, com todas as consequências, não se fez esperar: Toca-te com a mão e exclama: “Quero, fica limpo”! E, no mesmo instante, a lepra deixou-te. Que eficácia maravilhosa.

A tua atitude reactiva provoca-me alguma surpresa. Começas a apregoar o sucedido, quando havia a recomendação severa de guardares silêncio. E nada se diz quanto ao cumprimento das outras prescrições. Estou em crer que o teu desejo satisfeito era tão intenso que “forçava” a exuberância da tua alegria jubilosa. Também estou convencido que o espartilho da segregação em que viveste cede perante o impulso forte da liberdade.
E podes seguir nos caminhos da vida: deixando crescer a barba, sinal de honradez e de responsabilidade; vestindo a roupa comum, símbolo da plena integração e pertença à comunidade; mantendo o cabelo alinhado e o rosto descoberto, traços distintivos de quem sabe conviver em sociedade.

Obrigado, meu irmão, porque a tua lepra fica como referência dos males que ameaçam a vida humana ao longo dos tempos; a tua atitude como pauta a ter em conta na luta pela saúde integral; o teu encontro com Jesus Cristo como exemplo para todos os que alimentam o desejo de verem sanadas as feridas da vida e satisfeitas as aspirações mais profundas do coração.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Dignidade Humana e Direitos Humanos


A Conferência das Comissões Europeias Justiça e Paz decidiu realizar uma Acção Conjunta dedicada à defesa da Dignidade Humana e dos Direitos Humanos . Foi decidido que uma parte da Acção Conjunta seria dedicada à defesa dos Direitos Humanos dos refugiados e dos imigrantes irregulares, junto da população jovem. Estes filmes foram realizados pelos alunos de uma escola de cinema em Berlim. Constituem, portanto, uma mensagem de jovens para jovens e podem  ser visualizados e partilhados em www.youtube.com/CNJPportugal

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

SÃO CURADOS OS QUE VIVEM ATORMENTADOS

 

Georgino Rocha | Comissão Diocesana Justiça e Paz – Aveiro

Jesus anda por terras de Cafarnaúm. Vive uma jornada intensa de trabalho. Sai da sinagoga e vai a casa de Simão. Encontra com febre a sogra deste. Estende-lhe a mão e fica curada. Depois, ao cair da noite, depara-se com muitas pessoas atormentadas por diversos males. Cura umas e liberta outras. A sua fama vai aumentando. O estatuto social do carpinteiro de Nazaré começa a ter novo apreço. E ele tem de travar o “falatório” para não antecipar o ritmo normal da realização do seu projecto. Recolhe-se, por isso, em oração para verificar a sintonia com o querer de Deus-Pai. Deixa aquelas terras e vai para as povoações vizinhas. É preciso anunciar que o reino de Deus está em realização. Há que ser coerente e não parar nos primeiros passos.

As pessoas atormentadas sofrem horrivelmente. Job é o rosto humano de tal situação. As expressões que usa são bem elucidativas: vida dura e cruel, sofrimento atroz, noites intermináveis de amargura, dias breves de esperança, amanhecer sem aurora, angústia e morte. Como Job, tantos milhões de pessoas neste tempo que é o nosso! O sofrimento manifesta-se em doenças de todo o tipo, em calamidades devastadoras, em injustiças organizadas, em humilhações aos “sem tecto” e aos desempregados, em guerras provocadas, em carências de bens de primeira necessidade, em discórdias e tensões, em escalas invertidas de valores, em inseguranças para viver a liberdade, na pobreza ética do sentido da vida que provoca o sofrimento mais cruel.

Job recorre ao Senhor e clama pela sua memória. Abre uma pista para decifrar este complexo enigma. As curas de Jesus são sinais da realidade nova que está a acontecer. A ressurreição culminará este processo de transformação radical. A Igreja e, nela, os cristãos recebem a missão de serem testemunhas do que vai ocorrendo em forma germinal.

O enigma do mal ”colou-se” à natureza humana e, tal como o joio da parábola, progride sem se saber bem como. Se é difícil a sua explicação, não o é a verificação dos seus efeitos perniciosos.

As pessoas atormentadas merecem toda a atenção solidária de Jesus: acolhe, aproxima-se, toma pela mão, levanta de pé, aceita serviços, dialoga, integra na sociedade, abre-lhes horizontes de liberdade, deixando-os avançar nos caminhos da vida. Realiza as curas também ao sábado, embora fosse proibido, mas a pessoa vale mais que esta instituição religiosa. A atenção de Jesus é fruto do seu amor incondicional que quer vida para todos, que supera toda a descriminação, que pretende saciar o mais íntimo do ser humano, que reconfigura a nossa imagem divina e nos faz filhos de Deus.

Estranho modo de proceder, mas é o mais eficaz para vencermos a indignidade do mal e vivermos em sintonia com Deus e na bondade e beleza da sua graça. O sofrimento por amor faz crescer a nossa humanidade.