segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

CARTA ABERTA. HOMEM LEPROSO, MEU IRMÃO


Padre Georgino Rocha  | Comissão Justiça e Paz-Aveiro

Não estranhes, homem leproso, receber por correio eletrónico a mensagem de um padre católico. Vivo junto ao mar Atlântico numa região a que deram o nome de Lusitânia. Leio com frequência as Escrituras e vou-me informando do estatuto social e religioso das pessoas que sofrem de lepra. Sei também que os rabinos multiplicam as regras protectoras de quem tem saúde, agravando a situação de quem sofre de doença. Estás escorraçado da sinagoga e da sociedade. Em “nome de Deus”! Vives a “monte” ou em esconderijos, à distância, para nem sequer seres visto. Tal o medo de contágio!
Esta distância não é apenas geográfica, mas  afectiva, familiar, social e religiosa. Como bem sabes, todos somos humanos, temos coração, precisamos de laços de união e de pertença, sentimos necessidade de ser apreciados e reconhecidos. Então por quê discriminar?
Por isso, quero dizer-te, meu irmão, o que me vai na alma, o que faz nascer em mim o teu encontro com Jesus de Nazaré, na sua itinerância pelas tuas terras da Galileia.

Admiro a tua coragem, fruto certamente da tua fé confiante. Que ousadia provocante! Tomas a iniciativa e aproximas-te de Jesus. Ignoras intencionalmente que estavas proibido de andar na rua, quando alguém fosse a passar, e tinhas de gritar “impuro”, “maldito” para o avisar da tua proximidade ou, então, de fugires para evitar qualquer contágio. Transgrediste conscientemente uma lei “sagrada”. Arriscaste a vida que te restava, pois podias incorrer na pena de morte.
Por sua vez, Jesus faz o mesmo: estende a mão e toca-te, realizando um gesto de grande proximidade, mostrando uma liberdade superior, abrindo os horizontes novos da saúde integral para todos. E tu ficas curado no corpo perante a sociedade e abençoado por Deus, sinais públicos de integração na comunidade. Vês assim recuperada a tua dignidade de pessoa humana.
Com o teu proceder, ensinas-nos, meu bom irmão, que os “milagres” de Jesus passam pelos nossos gestos. Tu fizeste ouvir a tua voz, ajoelhaste, colocaste a solução do teu “problema” nas suas mãos e aguardaste. Não temeste ser afastado como um maldito, nem tratado como um blasfemo. Apenas mostraste a disponibilidade radical para receberes o que ele entendesse por bem.
Deixa-me dizer-te outra maravilha: mostras uma disposição radical sublime. E ocorre-me uma pergunta: como chegaste a essa disposição do coração? Tu sabias que desse encontro dependia a tua vida. Arriscavas tudo. Estou em crer que a tua fantasia trabalhou bem os comentários que ias ouvindo, talvez às escapadelas. A intensidade do teu sofrimento reclamava libertação e pressionava as tuas capacidades activas. Impunha-se uma decisão ousada. Felizmente, soubeste tomá-la oportunamente. A tua sabedoria intuitiva leva-te a acertar em cheio na corda mais sensível do coração de Jesus Nazareno, o mestre itinerante. E a sua reacção, com todas as consequências, não se fez esperar: Toca-te com a mão e exclama: “Quero, fica limpo”! E, no mesmo instante, a lepra deixou-te. Que eficácia maravilhosa.

A tua atitude reactiva provoca-me alguma surpresa. Começas a apregoar o sucedido, quando havia a recomendação severa de guardares silêncio. E nada se diz quanto ao cumprimento das outras prescrições. Estou em crer que o teu desejo satisfeito era tão intenso que “forçava” a exuberância da tua alegria jubilosa. Também estou convencido que o espartilho da segregação em que viveste cede perante o impulso forte da liberdade.
E podes seguir nos caminhos da vida: deixando crescer a barba, sinal de honradez e de responsabilidade; vestindo a roupa comum, símbolo da plena integração e pertença à comunidade; mantendo o cabelo alinhado e o rosto descoberto, traços distintivos de quem sabe conviver em sociedade.

Obrigado, meu irmão, porque a tua lepra fica como referência dos males que ameaçam a vida humana ao longo dos tempos; a tua atitude como pauta a ter em conta na luta pela saúde integral; o teu encontro com Jesus Cristo como exemplo para todos os que alimentam o desejo de verem sanadas as feridas da vida e satisfeitas as aspirações mais profundas do coração.