segunda-feira, 30 de julho de 2012

VINDE COMIGO E DESCANSAI
 “Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco” é o apelo e a recomendação de Jesus, após ter acolhido e ouvido os discípulos regressados da primeira experiência missionária. A narração do que acontecera deixava perceber que a missão decorrera bem. As instruções tinham sido observadas. A confiança na palavra do Mestre estava confirmada. O êxito enchia de alegria contagiante o coração de todos. A sobriedade de meios, a simplicidade de vida, a itinerância doméstica, a eficácia do anúncio, a libertação do espírito oprimido pelas forças do mal são credenciais comprovadas e adquirem valor distintivo de quem é discípulo de Jesus em qualquer circunstância. Marcos – o autor deste relato – condensa a atitude do Mestre no apelo à união fraterna e na recomendação ao descanso revigorante. “Vinde comigo” e tomaram a barca a fim de fazerem a travessia do mar de Tiberíades, rumo à outra margem. A travessia converte-se de facto real em símbolo da trajectória humana ao longo da vida, em expressão da evolução do mundo interior de cada um, em sinal da maturidade alcançada por quem deseja saber conviver em sociedade e transmitir uma herança valiosa às gerações vindouras, em ícone da Igreja peregrina, inserida na história, próxima de todos, que sabe comtemplar e agir “a tempo e fora de tempo”, como testemunha São Paulo. A barca ia deslizando sobre as águas e os discípulos saboreando o ambiente repousante na companhia do Mestre. O percurso terá sido o espaço do descanso. Não tanto físico, mas psicológico e espiritual. Constituem dimensões fundamentais de um repouso consistente e gratificante: o estarem juntos, na companhia do Mestre, partilhando experiências e ouvindo comentários de apreço e valorização, o dialogarem sobre expectativas que alimentam sonhos e criam impulsos de aventura audaciosa, o verem-se confirmados no desempenho da missão confiada e, sobretudo, o de serem reconduzidos à fonte da verdadeira alegria – Deus que tem o nome de cada um inscrito no seu livro de bênção. Marcos deixa-nos o núcleo principal de umas boas férias vividas à maneira humana, de forma integral. Manifesta que o activismo é esgotante, que o barulho das multidões é enervante e alienante, que a natureza da vida tem ritmos marcantes para o seu equilíbrio, que a escolha de espaços agradáveis, cheios de luz e silêncio, de ar puro e sol aberto, proporcionam bom ambiente e excelente oportunidade, que o reencontro de cada pessoa consigo mesma e a pacificação do seu espírito – sempre desejados e nunca plenamente alcançados - expressam a qualidade das férias pretendidas e, como acontece com os discípulos de Jesus, vividas com alegria serena e confiante. O descanso faz parte da dignidade humana, manifesta a semelhança original do homem com Deus – ao séptimo dia, Deus descansou - e aponta para o futuro definitivo – felizes os que morrem no Senhor, desde agora descansam em paz porque as suas obras os acompanham – garante o Apocalipse. O descanso convida à contemplação da beleza e da bondade, à experiência fruitiva do lazer, à valoração da sabedoria, ao crescimento humano, à satisfação das carências fundamentais a fim de alcançar uma personalidade amadurecida. O lazer – expressão qualificada do bem-estar humano – pode ser alcançado de formas diversas: leituras amenas, exercícios físicos e espirituais, convívios agradáveis, férias de distensão, práticas desportivas, passeios e excursões, reuniões familiares, celebrações festivas, designadamente as do domingo e a participação na assembleia eucarística, memorial do amor com que Deus nos ama. O descanso e o lazer são vitais para a pessoa cultivar o seu ser integral. Fazem bem ao corpo e ao espírito. O exemplo de Jesus constitui o gérmen das férias dignas da condição humana que a história veio a consagrar em direito e que a legislação laboral vem delimitar. Oxalá que acertadamente para todos!
 Georgino Rocha, Justiça e Paz Aveiro
PÃO REPARTIDO SACIA MULTIDÃO A atitude da multidão denota o alcance da acção missionária de Jesus. Vê o que faz aos doentes e sente-se atraída. Deixa o rame-rame da vida e segue-o. Deleita-se com os ensinamentos que ouve e nem sequer se preocupa com a fome que lhe consome as energias. Experimenta o olhar compadecido de Jesus e aguarda paciente a palavra/resposta às necessidades prementes. Obedece à ordem de Jesus dada pelos apóstolos e senta-se na erva dos campos. Agrupa-se, recebe o pão que lhe é entregue e come até ficar saciada. Conserva o que sobra e deposita-o nas mãos dos encarregados da recolha. Admira a acção extraordinária de Jesus – sinal de uma outra realidade ainda mais sublime - e entusiasma-se tanto que o identifica com o profeta prometido e se propõe aclamá-lo rei. Desolada, vê-o partir sozinho para o monte, como fazia de vez em quando, e fica na expectativa. A desolação da multidão é compreensível. Tudo apontava para Jesus ser o profeta esperado, o rei anunciado, o messias desejado. A beleza e o encanto dos ensinamentos, a irradiação e a proximidade do agir, a autoridade e eficácia da palavra, e tantos outros sinais indiciavam essa possibilidade. E não era engano! Mas Jesus quer positivamente mostrar que o caminho do Messias prometido era outro: o do serviço humilde e despretensioso, o de valorar as capacidades humanas naturais e adquiridas, o de confiar em Deus e bendizer a preferência pelos mansos e humildes, o de enfrentar e superar as adversidades, ainda que “pagando” dolorosamente o respectivo custo, o de realizar o projecto que Deus lhe confiara, ainda que ficasse só e incompreendido. O episódio da “multiplicação” dos pães é apresentado pelos evangelistas como um paradigma da realização deste projecto. Ontem como hoje, as multidões têm fome de toda a espécie de pão que corresponde a todas as dimensões do ser integral da pessoa humana. Fome de pão é grito por uma vida digna, por um acesso razoável e equitativo aos bens de todos, por uma liberdade segura, por um amor inquebrantável e solidário, por uma participação responsável na promoção do bem comum, por uma aceitação respeitosa e valorativa da relação com o transcendente, com Deus que historicamente se configura de tantos modos e se humaniza em Jesus Cristo. Fome de pão é grito de denúncia de tudo o que privilegia uns e explora outros, dos mendigos sem nada e dos ricos cheios de si mesmos e dos bens. Saciar esta fome é direito/dever de todos. O diálogo de Jesus com Filipe e André, embora simbólico, é conclusivo. A multidão vivia do ganho diário. Não havendo trabalho, ficava sem provisões. Nesse tempo, mais de 70% estava sujeita a esta contingência. A contratação era feita na praça pública. A paga da jornada por inteiro equivalia a um denário, importância indispensável para a alimentação do dia. Sem ela, havia fome e mais fome, tantas vezes, acumulada pela falta sucessiva de trabalho, do pagamento do salário, da exploração e da fraude. A esta luz, como podia a multidão ir à cidade para comprar pão, como sugerem os apóstolos? Insensatez ou provocação? Descartada esta hipótese, Jesus continua preocupado com a fome da multidão. E dá um passo em frente no diálogo: Responsabiliza os apóstolos por arranjarem alimento suficiente e não apenas um bocadinho para cada um. Tarefa árdua e inconcebível. Apesar de tudo, a confiança no Mestre leva-os a procurar. Encontram um rapazinho com farnel de dois peixes e cinco pães. Convidam-no a ceder o que tinha e levam-no a Jesus. (Grande simbolismo está contido neste gesto simples do jovenzinho!). E a maravilha acontece. A oração de bênção faz do farnel uma “fonte de abastecimento” constante com pão fresco e pronto a ser servido pela comunidade dos crentes. Tal o sentido escondido nos cinco pães e nos dois peixes. A fome no mundo constitui um desafio permanente à consciência da humanidade e da Igreja. Para cooperar com Deus, senhor de todos os bens, e ser agente de intervenção na sociedade de todos, sem excepção. A celebração da eucaristia constitui o memorial sacramental desta responsabilidade histórica. Em cada domingo, o Senhor Jesus nos intima: dai-lhe vós mesmos de comer. E como os apóstolos, somos impelidos a conjugar esforços, a ceder farnéis, a partilhar criteriosamente e a não deixar que nada se perca. Georgino Rocha, Justiça e Paz Aveiro, 26/07/2012
Entre o eu e o nós: todos necessários, todos envolvidos. O que nos liga, prende ou entusiasma, cada vez que voltamos e nossas comunidades? O que nos verdadeiramente, de casa, e em que direção de interesses/valores nos movemos como «presenças assíduas», faça sol ou chuva? O que faz uma pessoa sentir-se membro efetivo e afetivo? O que alimenta o sentido de «referência» e «pertença» a uma comunidade, grupo/instituição, ideal/fé, nação/tradição secular, etc. Mais perguntas que queremos aprofundar ainda no âmbito do «impacto do sentido comunitário». Como pessoas as nossas perturbações negativas diante das perguntas anteriores, surgem no equilíbrio entre dois pólos: autonomia e vínculo. O vínculo durante o crescimento opõe-se à autonomia. Esta vai sendo conquistada por meio de ruturas. No momento da maturidade, percebe-se a importância do vínculo, já não pela dinâmica da necessidade imposta, mas pela compreensão social do seu sentido. Aqui está o ponteo decisivo. Entramos no jogo da nossa liberdade, e para fora da comparação, ela não pode ser deixada “à loteria da marcação dos penaltis”. Diante da sentença “minha/nossa liberdade termina onde começa a liberdade do outro”, defendemos uma versão mais profunda: “minha/nossa liberdade começa onde começa a liberdade do outro”. O outro é visto não como o fim da nossa liberdade, mas como início, parceiro, potenciador da nossa liberdade. Sem ninguém, nunca serei livre. Sou livre junto com os outros. O vínculo comunitário experimentado enquanto «referência» (a counidade apoia e é apoio; informa e deve, sobretudo, formar no número, cor e feitio…), ou enquanto «pertença» (a comunidade permite a identificação, até por discriminação positiva: pobres sempre os tereis!? Somos propriedade e atribuição de Deus, na pessoa do Irmão, meu/nosso próximo, e nunca devemos ser expropriados da nossa liberdade íntima de consciência a caminho da realização). Através deste vínculo de referência e de pertença, acordamos para a dimensão social que inspira, e também transpira, a nossaMissão Jubilar: «destina-se a todos e conta com todos». Vamos caminhar na certeza da capacidade de relacionamento, na necessidade de conviver, na riqueza do encontro com os outros. Mais livres seremos, se trabalhando e rezando em comunidade, cada vez que escolhermos as tarefas e as oportunidades que Deus possa inspirar. «Todos necessários, todos envolvidos». Pedro José, Gafanhas da Nazaré/Encarnação, 28-06-2012, caracteres (incl. esp), 2358. In Timoneiro, nº646, Julho/2012.