terça-feira, 26 de agosto de 2014

Voar ou aterrar?

 

Pedro José  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

“As lágrimas são de Deus e quem quer que as verta sem sonhar com Ele rouba-as a Ele”,

S. Rosa de Lima (1586-1617), Padroeira da América Latina.

1. A viagem foi fantástica. Cansativa nas horas distendidas nos voos, com duração intercontinental, e já no último, da Gol, de S. Paulo para São Luís, encontrei-me a dormir acordado… Vale apena poupar em voos económicos? Sim, se for para dar. A parábola viva dos aeroportos (des)conhecidos: Amesterdão e Guarulhos. Vista aérea das cidades. Somente um caso: A emergência médica bem resolvida pela KLM: foi um compêndio de navegação aérea! Eu rezava o terço, sabendo que os santos óleos, infelizmente, estavam no porão do avião, na mala de mão!? Somente um não caso: partiram-se as rodas da mala que transportava os 40 livros. Certamente que a causa no número não pode ser bíblica!?

2. As solicitações feitas à Memória são excessivas. Impossível saber todos os nomes, todas as circunstâncias ou modos de estar. Celebrei a eucaristia, primeiro, na Matriz; depois, na Comunidade do Areal; posteriormente, na Boavista; “honra” da presidência da primeira noite, na novena de São Raimundo, no Bairro da Corrente. Chegou o dia de Sábado: «Hoje» é o «Dia do Bote Fé!». «Hoje» é o dia do esplendor e caos da Fé. Entretanto, na chegada súbita do Bispo D. José Valdeci a túnica voa do Pe. Neves: passou de presidente, para presidente superior. Esta informalidade desconcertante!? Na homilia articulada e incisiva, evangelicamente falando, do Pe. Luís Miranda: «crer, adorar, esperar e amar», no meu entender, da perversão à conversão, com impacto. O Povo estava no centro da Praça do Povo: a passagem a meta-realidade! As Cantoras de Deus, em número de três, trindade no feminino, irradiaram arte que os ouvintes dançantes souberam corresponder. De dentro da Tenda do Santíssimo: permanecia (in)quieto no meu canto cósmico!? «A Verdade encarnou a Dança da Fraternidade».

3. Domingo, foi vivido na anormalidade: levantar em vão, para a missa das 7h00, não celebrada; tomar o café, e deitar de novo. Primeira: Terras Duras, às 9h00; depois, S. António, às 10h00 - pelo meio o discurso do Ministro Lobão pai, no “meio” da rua, na voz impessoal: "Vocês são os verdadeiros líderes…", ou seja, "eles" têm a chave e não permitem que outros partilhem o Bem Comum (malditos!?). Excelente o almoço partilhado, oferecido generosamente (apenas distribui mais umas fitinhas novas porque velhas: "Para Uma Família + Feliz + Amor", das sobras, surgem novas sementes milagrosas). Segue-se a missa em S. José, das "mil casas", na periferia, a 5 Km do centro (não precisei de mais dicas, pois o André ensinou-me o percurso). Pelas 15h30, o calor torna-se insuportável! A roupa interior não resistiu ao suor…no final, o banho foi mais que higiénico! Pela noite, às 20H00 (4ªmissa), a celebrar na Matriz: troca de "medalhas" mútuas: para visitar um Amigo era-capaz-de-ir-até-ao-fim-do-mundo! Visitar Chapadinha é realizar ambas! Durante a homilia – tenso interiormente - a personalização com o caso do atendimento no encerramento da conta bancária, no Banco do Brasil. «A Sinceridade não é tudo; é apenas o princípio de tudo». A Assembleia expressava plenamente bem-disposta. Merecidíssimo o elogio, particularmente, aos Jovens, pela realização pública do «3ºBote Fé». A cidade mexeu-se catolicamente falando!

4. O Mesmo e o Diferente: no fundo a Vida que é filtrada pelo Tempo. Sem mais o Tempo que cura tudo. Somos esmagados pelo nosso auto convencimento; "só" nos resta Servir e procurar fazê-lo com a devida urgência, na lentidão do Ser. A pergunta que ressoa dentro de mim: voar ou aterrar? Fiz e faço ambas. Pacificado de uma luta não terminada. A hora de construir a Comunhão para acertar o passo na Missão. Não posso querar mais nada. Um Nada Místico e Descoberto.

5. Leituras cada vez mais amadurecidas. Palavra-chave: re-colher. Recolher na dispersão a agenda real. Perder na secretaria burocrática, para ganhar na geografia dos afetos. Não impor mas compor. Intenções, meios e consequências: foi assim o reorientar em três confissões a jovens. “Padre chegado é padre solicitado”. Lição para dentro de mim. Agir Bem e Bem Agir. Para agir dentro desta Casa Comum é preciso sintonizar o Testemunho. Novamente, a Repetição… para visitar um Amigo podemos e devemos ir ao outro lado do Mundo. Virar-o-mundo-de-pernas-para-o-ar: se necessário for. Sem e com ironia como é o meu viver fortemente partilhado! Sou um verdadeiro apedeuta!

Pe. Pedro, Chapadinha-MA, 25 Agosto, 2014

 

[O Pe Pedro José, sacerdote diocesano de Aveiro, está de regresso, numas “férias” missionárias, ao Brasil onde esteve em missão pastoral de 2001 a 2010. Recentemente publicou É mesmo uma Boa Nova. Escritos, Estudos e Vivências de um Padre no Brasil, da Editora Tempo Novo. Aveiro 2014.]

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

PERGUNTA CRUCIAL, RESPOSTA SUBLIME

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

O ser humano tende a fazer perguntas que saciem a sua curiosidade e fome de saber. É sinal dos limites da natureza finita e da aspiração infinita do seu espírito. Faz perguntas desde a mais tenra idade e sobre os mais diversos assuntos, chegando normalmente a interrogar-se sobre o sentido da vida, a identidade pessoal, a convivência em sociedade, o futuro após a morte, Deus, Jesus Cristo, Igreja, família.

Tem tendência a interrogar Deus, a pedir-lhe explicações dos seus actos, a julgá-lo no “tribunal da razão” pelas suas ausências e cumplicidades.

A pergunta do ser humano é um eco das perguntas que Deus lhe faz ao longo da história: Adão, onde estás? Caim, que fizeste do teu irmão? Povo meu, que te fiz eu? Responde-me – suplica por meio do profeta.  E vós, quem dizeis que eu sou? – indaga Jesus aos seus discípulos.

Este modo de ser manifesta a relação mais profunda e o diálogo mais salutar que, naturalmente, se estabelece entre ambos: criatura e criador, ser carenciado à deriva e salvador com todos os recursos, ser peregrino na história e senhor do tempo e da eternidade.

Deus dá sempre resposta à interrogação do ser humano, embora possa não ser a que este espera. Importa estar atento. O ser humano nem sempre responde às perguntas feitas por Deus à consciência pessoal e social. Daí, a necessidade de reconsiderar e de reorientar a atitude assumida, desfazendo o desvio e procurando a sintonia.

Jesus, fiel intérprete de Deus e do homem, entra na lógica da pergunta e da resposta. E, dirigindo-se aos discípulos, questiona-os algumas vezes, sobretudo quando pretende verificar o reconhecimento da sua identidade e da sua missão. (Mt 16, 13-20) Que dizem a meu respeito? E para vós quem sou eu? Perguntas feitas junto ao mar de Tiberíades e que têm repercussões universais, interpelação dirigida a um grupo e que se destina a toda a humanidade, ao longo dos tempos.

Ontem como hoje, as respostas são várias, denotando uma diversidade de posturas face ao reconhecimento de quem é Jesus e da missão que realiza. Coincidem todas em identificá-lo com algum dos grandes profetas.

O resultado desta recolha é excelente. O estatuto de Jesus havia evoluído de humilde filho de artesão e atingido a dimensão dos maiores profetas de Israel. Mas, fica manifestamente aquém da verdade. Por isso, vem a insistência: “E vós, quem dizeis que eu sou?”

Pedro, cheio de entusiasmo espontâneo, exclama: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo”. Acerta em cheio e, por isso, é declarado feliz. O acerto fica a dever-se a uma revelação recebida do Pai celeste.

A pergunta de Jesus é dirigida, agora, a cada um de nós. Que resposta lhe damos? A dos jovens que vibram com a novidade da mensagem, a beleza das atitudes, a valentia da contestação, a determinação em ir até ao fim, o amor confiante no Pai, mesmo nas horas mais difíceis? Ou a dos que o vêem como um guru espiritual, um bom narrador de parábolas à maneira dos mestres de Israel? Jesus é tudo isto, mas por ser o Messias, o filho de Deus. Esta é a verdade suprema e bela que convém alcançar.

Outras pessoas assumem atitudes diferenciadoras: Jesus, o libertador das classes oprimidas, o hippy extravagante num sistema social estratificado.

A resposta de Pedro fica como modelo de quem reconhece Jesus, verdadeiro Filho de Deus. E, por isso, se converte em pedra firme pela fé que professa, em edifício humano com o coração aberto pelas chaves do amor, em árvore enraizada que aguenta todo o vendaval da provação e, confiante, aguarda o tempo de dar frutos apetecidos e saborosos. Como em Pedro, o apóstolo; como, assim esperamos, em tantos cristãos.

domingo, 17 de agosto de 2014

MULHER CANANEIA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

Mulher cananeia, há muito que queria enviar-te uma mensagem de saudação e estima pessoal. Mas só agora descobri o teu email: grande.fe@cananeia.ts Sou um padre católico, que lê com frequência os textos sagrados. Em dois deles, é narrado o teu encontro com Jesus de Nazaré. Marcos e Mateus são os seus autores e descrevem de forma maravilhosa o teu desejo apaixonado e lúcido.

Tudo começa, como bens sabes, pelo tormento atroz em que vives o sofrimento cruel da tua filha. Grande coração de Mãe! Quantas voltas terás dado à imaginação impulsionada pela força do amor materno! Quantas tentativas terás feito para encontrar quem vos pudesse valer! Quantas hesitações terás vivido, antes de te decidires a ir ter com Jesus de Nazaré, tu que pertencias à raça dos excluídos das bênçãos de Deus, segundo as leis judaicas! Venceste-te e, por isso, alcançaste o que tanto desejavas. Parabéns!

Mulher cananeia, permite-me uma pergunta: foi só a predisposição natural do coração que te fez abeirar de Jesus ou já tinhas ouvido falar dele e dos seus discursos admiráveis e gestos curativos? Eu inclino-me por uma e outra hipótese.
A narrativa daqueles autores mostra bem a firmeza da tua fé confiante. Começas por tocar na fibra mais sensível do seu coração: a compaixão misericordiosa pela pessoa em sofrimento. Estabelecias assim uma ponte sólida entre ti e ele. Mas, como resposta, apenas o silêncio se fez ouvir.
Não por menosprezo, mas por razões mais profundas relacionadas com os segredos a que Jesus, por vezes, recorria como pedagogia do encontro e da relação consistente. Talvez quisesse que te abrisses a novos espaços de liberdade, dando o salto de quem procura apenas o benefício e ainda não sintoniza com o benfeitor.

É, sem dúvida, uma atitude estranha e desencorajante. Os discípulos intervêm. Aparentemente em teu favor. Realmente para se verem livres dos teus gritos. Às vezes, faz-se o jeito para evitar o incómodo. Também a eles dá uma resposta taxativa. Mas tu, mulher valente, avanças, humilhas-te na sua frente e pedes socorro. A tua coragem não conhece obstáculos. E consegues que reaja, se dirija a ti, ainda que usando uma linguagem que, literalmente, enaltece os judeus e rebaixa os outros povos. Tinhas dado um passo importante. A tua fé confiante, o teu coração inteligente e a tua vontade persistente haviam atingido o encontro pessoal e o diálogo directo. E encontras a resposta certa, expressão da tua atitude correcta. Aceitas ser um dos “cachorrinhos” e lembras que também eles comem da mesa dos senhores. Foste sincera, oportuna, perspicaz, assertiva, comovedora, convincente.

Jesus reconhece-o e descobre a tua grande fé. E, como consequência, concede-te o que tanto pretendias: “Faça-se como desejas”. E a cura aconteceu. Jesus coloca-se ao teu nível. O benefício é proporcional ao desejo. A medida da acção do Infinito tem sempre as dimensões do humano. A força do desejo manifesta-se em toda a riqueza. E a sua qualidade e nobreza, também.
Mulher cananeia, mãe agradecida, porque soubeste aliar a persistência da busca e a alegria discreta do encontro, foste atendida como filha e sentada à mesa familiar. Experimentaste que vale a pena confiar e trabalhar. E tua filha, liberta das forças opressoras, louvará para sempre o Deus da vida e será testemunha do esforço abnegado da sua mãe. E eu, convosco, bendigo o Senhor pelo vosso exemplo maravilhoso!

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Bodas de ouro sacerdotais. Pe Georgino Rocha

Pe Gerogino

 

Parabéns, Pe Georgino!

Neste dia 15 de Agosto de 2014 celebramos a alegria dos seus 50 anos de serviço na vinha do Senhor. Parabéns pela fidelidade ao chamamento sacerdotal há cinquenta.

sábado, 2 de agosto de 2014

DAI-LHE VÓS DE COMER

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Resposta surpreendente que, vinda de quem vem, assume foros de directiva de acção. Resposta estranha dada na sequência de um pedido solícito e desabafo preocupado de um grupo de homens condoídos pela sorte da multidão. Resposta alternativa desconcertante face à evidência da situação e à previsão prudente do seu desfecho. E não era para menos!
A preocupação dos discípulos era explicável e coerente: a multidão com fome e sem alimentos de reserva nem locais próximos para os comprar; a noite a chegar e, com ela, os perigos da viagem e as restrições da lei; a paciência descontraída de Jesus, exteriormente voltado apenas para os doentes; a urgência crescente de uma solução eficaz. Por isso, decidem interceder junto do Mestre: Despede as pessoas, que arranjem de comer, que vão às aldeias onde é mais fácil comprar. Tudo muito coerente!

Esta atitude contém a lógica embrionária do que virá a acontecer ao longo da história: a advertência lúcida de um mal eminente, o afastamento do outro e deixá-lo entregue à sua sorte, a quebra da solidariedade, o tranquilizar a consciência com o encaminhar do problema, o despedimento (até por causa justa), a satisfação sentida por haver cumprido a lei ( antes do anoitecer). Eles que se arranjem!
Tendo um fundo real, o diálogo dos discípulos com Jesus é profundamente simbólico e, como tal, projecta luz no relacionamento humano, pessoal e colectivo, local e global, material e espiritual. Infelizmente, não faltam dados actuais a ilustrar este alcance: a força das corporações na actual crise social, os trabalhadores de empresas que, impotentes e sem garantias, são forçados a ir para casa, os pobres do Magreb que demandam a Europa e naufragam à sua vista, os repatriados sul-americanos que, em vão, tentam atingir os Estados Unidos.

Dai-lhe vós mesmos de comer! – resposta que relança a perplexidade nos discípulos que nem se lembraram do pouco que tinham ao fazerem a proposta do despedimento. Jesus inverte claramente o sentido pretendido e dá uma resposta que personaliza a responsabilidade e aviva a solidariedade; que mobiliza energias e promove capacidades, que garante soluções alternativas. Pergunta-lhes pelo farnel, pede-lhes para o disponibilizarem, bendiz o Senhor de todos os bens, parte o pão, entrega-o para que repartam, de forma organizada e sustentada. A multidão agrupada por unidades identificadas come até ficar saciada. E as sobras abundantes devem ser recolhidas para que nada se desperdice.

A linguagem de Jesus é expressiva da novidade que pretende implementar: dar, saciar, organizar serviços, valorizar sobras, dignificar pessoas. A gratuidade substitui a prudência calculada e a acção em rede integra e rentabiliza o esforço individual. A gestão criteriosa tira partido do pouco e evita o desperdício. Todo o supérfluo deve ser posto ao serviço do bem comum.
O ser humano, em todas as suas dimensões, é ameaçado pela fome de pão, de consideração e apreço, de valia pessoal e reconhecimento social, de superação dos limites e de aspiração ao Infinito. Todo o ser humano é um peregrino de Deus que vai encontrando e saboreando nos gestos de fraternidade realizados enquanto é tempo. A mesa comum espera-nos no fim da caminhada, embora esteja posta desde já em forma sacramental na celebração da eucaristia. Daí, a mais-valia da missa dominical.