quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sobre o ardor do viver: Ébola sem nós?!

 

Pedro José L. Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

- (im)precisões de ensaio a-histórico -

«Amenidade: «Somos sedentos de «amenidade». (Cfr. Santo Agostinho, Confissões, Livro IX, nº3, p.250 e Livro X, nº34, p.334).

«O surto que vivemos atualmente - e que, com o caso de contágio em Madrid, já escapou ao controlo do continente africano - é mais do que uma simples epidemia, assegura Piot. "Isto deve ficar claro para todos: isto não é apenas uma epidemia. É uma catástrofe humanitária. Não necessitamos apenas de cuidados de saúde, mas também especialistas em logística, camiões, jeeps e produtos alimentares. Uma epidemia como esta pode desestabilizar regiões inteiras. Tenho esperança que consigamos controlá-la. Nunca pensei que pudesse chegar a este ponto." Peter Piot, investigador belga, que fez parte da equipa de investigação que descobriu o ébola, in http://expresso.sapo.pt/a-incrivel-historia-da-descoberta-do-ebola=f892965, acesso 15-10-2014.

      (Re)Inventar o quotidiano absurdo retendo o Sofrimento, a Dor, e a Morte do «Outro», em África, ou em Madrid, «às nossas portas», pois dizem-nos a «situação está descontrolada». Se ninguém duvida da Realidade do perigo mortal que nos ameaça a todos (“lá” e “cá”; mais “lá” do que “cá”; e posteriormente, nem haverá “cá” ou “lá”…). Alguém nos situa diante da Indiferença ao Ébola? Eis a «chave apocalíptica». Apenas ignorância de relaxamento. Só agora acordamos (mais uma vez) para o pesadelo humanitário?!

      Não podemos ignorar as contradições e vicissitudes da História, a mobilidade em crise, a multiplicidade dos espaços em curtos períodos de tempo (“21” dias e a morte poderá chegar com hora marcada…), as fronteiras flutuam sem vedações. Geografias do Medo irracional. Estamos diante da tentação da ignorância, da tentação da indiferença, numa palavra, em situação humilhante: da tentação da totalidade do abandono. Descaso sem Dignidade: que vem de “trás” e chega “agora”; cada vez mais acelerando a História, com violência mortal.

       Questão da singularidade da Morte nos objetos; da singularidade dos grupos ou das pertenças, da recomposição de lugares e tempos; da singularidade de todos os relacionamentos e histórias pessoais. “Nós” (protegidos a qualquer custo…) não podemos correr o risco de morrer; “aqueles”, “eles” e “esses” (desprotegidos sem qualquer custo…) podem vir a morrer. Supõe, propõe e impõe-se o Futuro do Próximo diante de Mim Mesmo salvo do Egoísmo.

      Considerando apenas algumas sínteses (im)possíveis:

      a) «Todos se conjugam e tudo se conjuga». Não podemos (des)multiplicar desculpas e adiamentos. «Paz e Justiça» sejam sustento e remédio para a nossa Vida em Comum. Temos de deixar de conjugar a não-inscrição de África no Tempo. Espectadores de si próprios ou protagonistas da conversão? Turistas da perversão ou críticos da mentira abjecta? O responder mudo.

      b) «Cada corpo ocupa o seu lugar». Mas esta ocupação singular e exclusiva – pelo perigo eminente do contágio mortal e respetiva fuga diante do tratamento – é mais a do cadáver na sua sepultura do que a do corpo nascente ou vivo. Na ordem do nascimento e da vida, o lugar próprio, como a individualidade absoluta, são mais difíceis de definir e de pensar (cfr. AUGÉ, Marc, Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade, Livraria Letra Viva, Lisboa, 2012, p.50). Onde está o nosso compromisso vital com um espaço digno para vivermos todos? O perguntar surdo.

      c) «Pelo ardor do viver não se pode ignorar (mais) África». «Nós» (real e não virtual) humanidade inteira nascemos “lá” e de “lá” não podemos morrer mas reviver. Cada desgraça televisa apaga a memória da desgraça anterior!? Porque temos um Mundo fechado e autossuficiente, uma Globalização insolidária, é assim que todos continuaremos a pagar – uns (quase sempre) mais que outros – com o preço da «própria» Vida: a do Outro Algures!? Diálogo com obras: não dizer mas fazer!

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