Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro
DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
A missão que Jesus confia aos seus discípulos e, neles, a toda
a Igreja, é condensada por Mateus nesta fórmula precisa e operativa: “Ide e
ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo”. Mt 28, 16-20. É missão a realizar em todos os tempos e culturas.
É missão que inicia os candidatos à vida cristã em dois “momentos” mais
significativos do seu itinerário para a maturidade: o anúncio jubiloso da
novidade de Cristo e a celebração do baptismo. É missão a prosseguir na
comunidade eclesial e sociedade civil, em todos os espaços de convivência
humana.
Assim, é em nome da Santíssima Trindade que a Igreja desenvolve
a sua acção: aprendendo e ensinando, sendo santificada e santificando,
deixando-se amar e irradiando o amor. A fonte original é Deus família, é
trindade em relação, é cada pessoa em comunhão: O Pai da paz, comprometida e
activa, o Filho da justiça que toma partido pelos empobrecidos e excluídos, o
Espírito da liberdade tolerante que aceita e respeita as opções de consciência
de todos os humanos.
Jesus não pretende que os discípulos compreendam esta realidade
sublime, embora a razão esteja dotada de ricas capacidades para a reflexão e
investigação. Não pretende que decifrem o mistério, apesar das vezes em que lhe
faz referência directa nos seus ensinamentos e atitudes. Ele, melhor que
ninguém, conhece o limite humano, a reduzida medida a que pode chegar a
inteligência racional. E apesar da força do desejo que tanto quer “tocar” e
dominar o mistério, este permanece inabarcável e transcendente, sedutor e
atraente.
O espaço para o encontro da Trindade é o coração humano, a
consciência pessoal, a relação comunitária, a fraternidade universal. Aqui se
espelha e actua o mistério; aqui a pessoa acolhe, contempla, “saboreia”, admira,
extasia-se perante a realidade inebriante que lhe é dado experienciar e celebrar
já, em sinais e ritos, em gestos e atitudes, ainda que em porções reduzidas e
momentos fugazes.
O coração vê mais longe e reconhece os vestígios de Deus
trindade nas aspirações que o marcam e impulsionam a “ir mais longe”, ao
encontro do Pai, a escutar com redobrada atenção a palavra do Filho, a deixar-se
envolver progressivamente pelo amor do Espírito Santo. O coração humano espelha,
a seu modo, e irradia, a seu jeito, a relação que torna acessível, a comunhão
entre a Trindade das pessoas divinas que constituem a “família” original. O
nosso coração tem uma matriz familiar; dela provém e para ela tende. Por isso,
nela quer viver.
Jesus ordena aos seus discípulos que vão por todas as nações
anunciar esta novidade única: Deus não é um solitário, um surdo-mudo fechado em
eterno silêncio, um ausente distante e indiferente à sorte da humanidade, um
rival concorrente da autonomia do ser humano. É antes uma comunidade santa,
próxima e familiar, que nos convida a entrar em relação consigo mesma, a
beneficiar dos seus dons, a cooperar na realização da sua proposta de salvação.
Convida-nos a descobrir o autêntico rosto de Deus que em Jesus se manifesta como
Pai bondoso, como Filho apaixonado pela felicidade humana, como Espírito
solícito que nos inspira o gosto pela verdade que liberta. Convida-nos a
fazermos parte da sua família e a apaixonarmo-nos pelas realidades terrestres,
como jardineiro fiel, a quem é entregue o cuidado de velar pela harmonia da
variedade das suas flores e perfumes.
“Deste modo (assumir o conflito e transformá-lo em elo de
ligação de um novo processo), torna-se possível desenvolver uma comunhão nas
diferenças, que pode ser facilitada por pessoas magnânimas que têm a coragem de
ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais
profunda” – afirma o Papa Francisco (EC 228).
Ide e fazei discípulos, continua Jesus a dizer-nos com amor
solícito. A festa da Trindade é a festa da humanidade que reconhece a matriz
original donde “procede”, sobretudo a Igreja de Jesus de quem é testemunha
qualificada e agente mandatada. A festa da Trindade revela-nos a dignidade do
ser humano, especialmente do ser cristão, imagem e semelhança de um Deus
comunhão de pessoas, chamadas a viver na confiança filial, na amizade fraterna e
na doação generosa. Por isso, está em sintonia com o dinamismo trinitário quem
vive do amor que se faz serviço incondicional e generoso.
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