segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Como dizer a oração: ensaio meditado.


Pe Pedro José | Justiça e Paz – Aveiro

“Devemos dizer frases verdadeiras”,
Ingeborg Bachmann (1926 - 1973).

Jesus como mestre de oração. Conhecedor do coração nas suas luzes e sombras. Sabe que a soberba e a falta de amor são realidades sérias e que não podem ser disfarçadas, adiadas ou negadas. Nem estorvo, nem oráculo, nem assombro. Apenas brisa, beijos e lágrimas. Rezar a publicidade anti-tipo: “Olhe à sua volta. Ainda acha que não precisa de um arquitecto?”[1]
Na sua história: duas são as personagens "visíveis": o fariseu[2] e o publicano[3], que procuram na oração uma “relação”. A oração é isto: relação, comunicação de coração, com Deus. O terceiro personagem, não visível, mas presente. Estamos-diante-de-Deus. Eis o desafio da oração. Orar não é apenas estar diante de um espelho. É um jogo de espelhos, frente a frente, sob o fundo do Infinito. Há um búzio cósmico no nosso interior. É nos olhos da Fé que seremos vistos como Deus nos criou. É o esforço do Sentido[4].
Não devemos pedir nada além de Deus. Deus Ele mesmo é o “objecto, o meio, o contexto-situação, a possibilidade e o limite, e o verdadeiro fim” da (nossa) Oração. Deixar que Deus nos «diga» dentro do nosso rezar. Abrir a consciência a Deus. Nesse esforço de Sentido a vida fica aberta, escancarada diante do Absoluto. O mundo de pernas para o ar. Ninguém pode servir a dois senhores. Terá o pior de ambos. Temos de desejar a reconversão ao Deus de Jesus.
«Justificado», isto é, santificado. Melhor a caminho de. Sem mais. E no meio do Caminho a tentação é grande e poderosa. Ficamos presos na diplomacia do meio-termo. Deus quererá as nossas palmas? Sim e não. Deus quererá as nossas mãos vazias? Sim e não. Encontrar-se justificado é como a esponja que “bebe” a água toda. Assim a nossa santidade seja tocada pelo mundo das sombras. - Meu Deus que se faça Luz ao deixar que rezes através de mim!?
Entremos agora nós também no templo…, como “lugar sem tempo e espaço” da consciência-de-si-diante-de-Deus. Entrar pelas nossas sombras a Deus. Elogio da sombra humana, na Luz de Deus. Rezar-Lhe: “…pedimos-Te: ensina-nos a perdoar aos outros; e a nós mesmos, como TU nos perdoas”. A oração é profecia do Deus que não é espiado; mas admirado para além da obediência. Quando acordo pela manhã depois da longa noite escura – acerto o relógio… -, e estou ainda Contigo!
 
FONTES:
Reflexões: Ano C – XXX Dom do TC – Lc 18,9-14
cfr. ARMELLINI, Fernando, O Banquete da Palavra - Ano C, Ed. Paulinas, Lisboa, 1997, pp.487-495; cfr. JB Libânio, “Um Outro Olhar”, Volume VIII, pp. 164-165; cfr. GUERREIRO, António, “Os artistas e os engenheiros da mentira” In Público – Ípsilon, 25/10/2013, p.32; cfr. TEIXEIRA NEVES, Pe. Manuel Rodrigues, Kerigma, Edição Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 2008, p. 107;
cfr. http://www.ihu.unisinos.br/espiritualidade/comentario-evangelho/500068-domingo-24-de-outubro-evangelho-de-lucas-189-14, acesso: 26-10-2013.

[1] Cfr. http://www.trabalharcomarquitectos.pt/sobre, acesso 26-10-2013.
[2] Apresentemos o fariseu. Ele faz parte de um dos mais influentes setores do judaísmo. Demonstravam grande zelo pelas tradições teológicas e pelas práticas do culto. Mas muitas vezes a sua prática religiosa era vazia e externa, pelo que mereceram a admoestação de Jesus de sepulcros caiados! (Mt 23,27). Mas neste caso aparece um “fariseu” como justo e irrepreensível! Contudo vazio do amor gratuito e incondicional de Deus. Um ser altivo e fechado.
[3] Por sua vez, os publicanos eram judeus que cobravam dos seus irmãos de raça os impostos exigidos pelos romanos; arrecadando bastante dinheiro para si. Eles não eram queridos pelo seu próprio povo, e ainda eram considerados fora da lei. Isso fazia deles uns "marginalizados ricos". Mas neste caso aparece um “publicano”, vazio de si, ele próprio um devedor entre devedores. Um ser mestiço e aberto.
[4] “O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que «rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo». Na dinâmica desta relação com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas expressões típicas no gesto de se pôr de joelhos. É um gesto que contém em si uma ambivalência radical: com efeito, posso ser obrigado a pôr-me de joelhos, condição de indigência e de escravidão, mas posso também inclinar-me espontaneamente, declarando o meu limite e, portanto, o facto de que tenho necessidade de Outro. A Ele declaro que sou frágil, necessitado, “pecador”, in Bento XVI, A Oração, Editora Paulus, p.15.















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