quarta-feira, 26 de março de 2014

sobre os “divorciados recasados”: apontamentos sobre o princípio da misericórdia pastoral.

 

Pedro José Lopes Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro


“(…) em certas passagens do Evangelho, Jesus propõe meta ideal absolutamente inatingível: «sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5,48). Não se trata de mandamento factível, mas de meta para onde se orientar. Nessa perspectiva, ninguém se sente culpabilizado ou desobediente por não realizar o proposto, mas sabe para onde se dirigir. Assim, o discurso optimal aborda a proposta de modo ideal, indica um para onde caminhar” -  J.B. Libânio.

[1.] Uma partilha que não diz tudo mas começa por dizer ALGO...que já devia ter sido dito. Isto a propósito da “Solução Kasper” para os divorciados que provoca uma tempestade “lenta”, ou o contrário do “já vi esta solução adiada mais que uma vez”.

[2.] Sabe-se que, devido ao seu conceito de indissolubilidade (como não deveria ser risível o diálogo com noivos “inexperientes…”) do matrimónio, a Igreja católica recusa os sacramentos da penitência e da eucaristia aos divorciados que voltaram a casar civilmente.


[3.] Ainda hoje, o novo casamento coloca as pessoas recasadas numa situação objectivamente pecaminosa (não será, também, a de quem se coloca como “o” Juiz eterno…) em contraste com a Fé da Igreja (apesar das Igrejas Ortodoxos terem encontrado, pelo menos em certos casos outras soluções). Faz-se valer a lei antiga da penitência perpétua. Contudo, só o Amor evangélico é absoluto e inegociável.


[4.] Diz-se, e faz-se prática do acolhimento real e não virtual, que não são canonicamente excomungados, embora o sejam sacramentalmente. Entretanto, são convidados a cumprir todas as exigências da fé e a participar o melhor que puderem na vida da Igreja. “Rebuçados pastorais na vez do Remédio e do Alimento”.


[5.] Na situação actual, estes casos só podem ser geridos ao nível do foro interno da consciência, isto é, em diálogo de crescimento sério e “secreto” entre aquele ou aquela que é vítima dessa situação e o padre ou o bispo. Tais pessoas continuam à mercê da atitude mais ou menos aberta ou mais ou menos rigorosa do clérigo que lhes saiu ao caminho. Não é saudável e pode ser profundamente injusto.


[6.] Pois bem apresentemos a solução Kasper para os divorciados recasados. O cardeal alemão Walter Kasper, que acaba de completar 81 anos, a expôs no Consistório de cardeais de fevereiro passado, e de lá para cá não há dia em que outros cardeais ou altos eclesiásticos não manifestem que sua proposta é absolutamente impossível de ser colocada em prática.


[7.] Em todo o caso, a solução Kasper de que um divorciado recasado possa receber o perdão sacramental e a comunhão eucarística – do que hoje são excluídos pela Igreja – consiste no seguinte, segundo sua própria intervenção diante dos 150 cardeais[1]:

“Se um divorciado recasado:

1. se arrepende do seu fracasso no primeiro matrimônio,

2. se esclareceu as obrigações do primeiro matrimônio e se excluiu de maneira definitiva voltar atrás,

3. se não pode abandonar sem outras culpas os compromissos assumidos com o novo casamento civil,

4. e se esforça para viver ao máximo de suas possibilidades o segundo matrimônio a partir da fé e educar seus filhos na fé,

5. se deseja os sacramentos como fonte de força em sua situação, devemos ou podemos negar-lhe, depois de um tempo de nova orientação (metanoia), o sacramento da penitência e depois o da comunhão?”

[8.] Este caminho de Kasper baseia-se no facto de que “não pode haver alguma dúvida sobre o facto de que na Igreja primitiva, em muitas Igrejas locais, e por direito consuetudinário havia depois de um tempo de arrependimento a prática da tolerância pastoral, da clemência e da indulgência”. Ou seja, um argumento de autoridade tomado da história ou de uma tradição que teve certa vigência durante um tempo.


[9.] Na mesma intervenção, Kasper também perguntou sobre o divorciado recasado e penalizado sem sacramentos. “Não é, talvez, uma instrumentalização da pessoa que sofre e pede a ajuda se fazemos dela um sinal e uma advertência para os outros? Deixamos que morra sacramentalmente de fome para que outros vivam?” São duas perguntas e cujo substrato é tremendamente complexo e antigo: a tensão entre o indivíduo e as normas do grupo a que pertence, assim como a exemplaridade das penas frente ao perdão e a misericórdia cristã.


[10.] ”- Não podemos reduzir a participação na vida da Igreja a uma questão de comungar ou não comungar”.A Igreja é para todos e não para tudo!” Como não? Fico sempre com a mesa posta sem comer!? Dieta crónica! Acreditamos que teológica e exegeticamente ainda não foi dito tudo. A prova está entre nós «hoje». Há ainda um caminho longo a ser trilhado que poderá modificar profundamente a nossa compreensão. Os processos históricos são lentos. Mas é preciso dar os primeiros passos. «Todos somos Publicanos! (pelo menos uma costela!?)».


[11.] No fundo, temos normas vitalmente ausentes e distantes da Misericórdia. Vai e voltarás a pecar!? Claro que não podemos (continuar a) negar a Misericórdia. Agradecemos ao cardeal Kasper por dizer o que todos pensamos, acreditamos e queremos passar a viver em comunidade-igreja-enquanto-pessoas-pecadoras-chamadas-a-ser-santas. Assino por cima!

FONTES: Cfr. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/529571-solucao-kasper-aos-divorciados-provoca-tempestade, acesso: 26-03-2014; Cfr. SESBOÜE, Bernard, Pensar e viver a fé no Terceiro Milênio, II, Gráfica de Coimbra 2, 2009, pp.328-330; Cfr. ROCHA, Manuel Joaquim, Alianças Partidas, Ed. Paulinas, 2010, pp.109-16.

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