segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Como dizer a oração: ensaio meditado.


Pe Pedro José | Justiça e Paz – Aveiro

“Devemos dizer frases verdadeiras”,
Ingeborg Bachmann (1926 - 1973).

Jesus como mestre de oração. Conhecedor do coração nas suas luzes e sombras. Sabe que a soberba e a falta de amor são realidades sérias e que não podem ser disfarçadas, adiadas ou negadas. Nem estorvo, nem oráculo, nem assombro. Apenas brisa, beijos e lágrimas. Rezar a publicidade anti-tipo: “Olhe à sua volta. Ainda acha que não precisa de um arquitecto?”[1]
Na sua história: duas são as personagens "visíveis": o fariseu[2] e o publicano[3], que procuram na oração uma “relação”. A oração é isto: relação, comunicação de coração, com Deus. O terceiro personagem, não visível, mas presente. Estamos-diante-de-Deus. Eis o desafio da oração. Orar não é apenas estar diante de um espelho. É um jogo de espelhos, frente a frente, sob o fundo do Infinito. Há um búzio cósmico no nosso interior. É nos olhos da Fé que seremos vistos como Deus nos criou. É o esforço do Sentido[4].
Não devemos pedir nada além de Deus. Deus Ele mesmo é o “objecto, o meio, o contexto-situação, a possibilidade e o limite, e o verdadeiro fim” da (nossa) Oração. Deixar que Deus nos «diga» dentro do nosso rezar. Abrir a consciência a Deus. Nesse esforço de Sentido a vida fica aberta, escancarada diante do Absoluto. O mundo de pernas para o ar. Ninguém pode servir a dois senhores. Terá o pior de ambos. Temos de desejar a reconversão ao Deus de Jesus.
«Justificado», isto é, santificado. Melhor a caminho de. Sem mais. E no meio do Caminho a tentação é grande e poderosa. Ficamos presos na diplomacia do meio-termo. Deus quererá as nossas palmas? Sim e não. Deus quererá as nossas mãos vazias? Sim e não. Encontrar-se justificado é como a esponja que “bebe” a água toda. Assim a nossa santidade seja tocada pelo mundo das sombras. - Meu Deus que se faça Luz ao deixar que rezes através de mim!?
Entremos agora nós também no templo…, como “lugar sem tempo e espaço” da consciência-de-si-diante-de-Deus. Entrar pelas nossas sombras a Deus. Elogio da sombra humana, na Luz de Deus. Rezar-Lhe: “…pedimos-Te: ensina-nos a perdoar aos outros; e a nós mesmos, como TU nos perdoas”. A oração é profecia do Deus que não é espiado; mas admirado para além da obediência. Quando acordo pela manhã depois da longa noite escura – acerto o relógio… -, e estou ainda Contigo!
 
FONTES:
Reflexões: Ano C – XXX Dom do TC – Lc 18,9-14
cfr. ARMELLINI, Fernando, O Banquete da Palavra - Ano C, Ed. Paulinas, Lisboa, 1997, pp.487-495; cfr. JB Libânio, “Um Outro Olhar”, Volume VIII, pp. 164-165; cfr. GUERREIRO, António, “Os artistas e os engenheiros da mentira” In Público – Ípsilon, 25/10/2013, p.32; cfr. TEIXEIRA NEVES, Pe. Manuel Rodrigues, Kerigma, Edição Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 2008, p. 107;
cfr. http://www.ihu.unisinos.br/espiritualidade/comentario-evangelho/500068-domingo-24-de-outubro-evangelho-de-lucas-189-14, acesso: 26-10-2013.

[1] Cfr. http://www.trabalharcomarquitectos.pt/sobre, acesso 26-10-2013.
[2] Apresentemos o fariseu. Ele faz parte de um dos mais influentes setores do judaísmo. Demonstravam grande zelo pelas tradições teológicas e pelas práticas do culto. Mas muitas vezes a sua prática religiosa era vazia e externa, pelo que mereceram a admoestação de Jesus de sepulcros caiados! (Mt 23,27). Mas neste caso aparece um “fariseu” como justo e irrepreensível! Contudo vazio do amor gratuito e incondicional de Deus. Um ser altivo e fechado.
[3] Por sua vez, os publicanos eram judeus que cobravam dos seus irmãos de raça os impostos exigidos pelos romanos; arrecadando bastante dinheiro para si. Eles não eram queridos pelo seu próprio povo, e ainda eram considerados fora da lei. Isso fazia deles uns "marginalizados ricos". Mas neste caso aparece um “publicano”, vazio de si, ele próprio um devedor entre devedores. Um ser mestiço e aberto.
[4] “O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que «rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo». Na dinâmica desta relação com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas expressões típicas no gesto de se pôr de joelhos. É um gesto que contém em si uma ambivalência radical: com efeito, posso ser obrigado a pôr-me de joelhos, condição de indigência e de escravidão, mas posso também inclinar-me espontaneamente, declarando o meu limite e, portanto, o facto de que tenho necessidade de Outro. A Ele declaro que sou frágil, necessitado, “pecador”, in Bento XVI, A Oração, Editora Paulus, p.15.















sexta-feira, 25 de outubro de 2013

SOU PECADOR, PERDOA-ME, SENHOR.


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro

Esta declaração e petição surge na parábola de Jesus narrada no fim da sua viagem para Jerusalém. É feita por um publicano, homem malvisto pelo povo devido à sua profissão de cobrador de impostos. Brota de um coração humilde e confiante em Deus compassivo e misericordioso. Fica na memória dos discípulos de Jesus como referência fundamental para quem quer reconhecer-se no seu ser mais autêntico e profundo. Entra na liturgia e é rezada com frequência no início da celebração eucarística/missa. E, com verdade, pode ser repetida muitas vezes por quem for honesto e leal consigo mesmo.
Jesus propõe a parábola para confrontar dois modos de nos relacionarmos com Deus retratados nas atitudes do fariseu e do publicano, as duas “classes” mais expressivas para os ouvintes. O fariseu representa a ortodoxia legal, fiel cumpridor (até com requinte) dos seus deveres, autossatisfeito na sua “burguesia espiritual”, displicente em relação aos demais porque não eram como ele. Apresenta-se cheio de méritos (pensa no íntimo do seu coração), relata tudo o que faz e espera ser reconhecido por Deus. Vive confiante no êxito da cobrança que a sua oração evidencia. Por isso, mantém-se de pé, rosto erguido, em lugar destacado. Bom retrato também para o nosso tempo, ufano de si mesmo e dos seus êxitos.
O publicano fica à distância, não ousa ultrapassar a entrada, bate no peito, prostra-se no chão, mantém o olhar de penitente e exclama: “Meu Deus, tende compaixão de mim  que sou pecador”. É toda a sua oração. Não explicita mais nada, nem cede às aparências. A lista dos seus pecados fica no silêncio do coração humilhado e contrito. Nem sequer ergue os olhos ao Céu.
A atitude do publicano é elogiada por Jesus. Não se compara com ninguém. Apenas se revê no espelho de Deus e dá conta de quão desfigurada está a sua dignidade original. Toma consciência da gravidade do seu pecado. Mostra a intensidade do seu desejo de ser perdoado. Quer recuperar a sintonia com o ritmo do pulsar de Deus. Espera confiante no amor misericordioso que é sempre maior do que os seus/nossos pecados.
A parábola, ao confrontar estas duas atitudes, evidencia a que Deus cada um se referia: o deus legalista, severo, justiceiro, juiz de acções e omissões, parcial e vulnerável a méritos adquiridos ou mesmo cobrados; ou o Deus terno e misericordioso para com as pessoas que se reconhecem na sua dignidade ferida e lhe suplicam amor e perdão; o Deus atento e compassivo, pronto para a benevolência e lento para a recriminação face a toda a espécie de prevaricações pois conhece bem “barro” de que somos feitos e quer mostrar-se até nas nossas debilidades.
A segurança espiritual está neste Deus amor e não em nós mesmos e nas nossas acções. O perdão é para todos e não apenas para uma elite aristocrática que colecciona méritos. Ser pessoa de Deus não é falar do divino com eloquência, mas cuidar bem do humano, com dedicação abnegada. E há tanto que fazer tal o clamor dos empobrecidos e vulneráveis, confiados por Deus à nossa solicitude diligente e ao nosso empenho constante por uma sociedade humanizada e por uma Igreja mais próxima e acolhedora

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FAZEI-ME JUSTIÇA, SENHOR


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro
O contraste é radical, embora não pareça. Surge na parábola “da pobre viúva e do juiz iníquo” narrada por Jesus a propósito da necessidade de fazer oração sem desanimar. Faz parte da sua pedagogia narrativa e visa provocar os discípulos. Manifesta a diferença abissal entre o proceder de Deus e o do juiz sem escrúpulos. Realça a figura da viúva incansável na procura da justiça que lhe é devida. “Retrata”, de algum modo, a situação actual.
Apesar de tantos profissionais qualificados pelo seu desempenho, é clamor generalizado contra o funcionamento da justiça: burocracia complexa, tráfico de influências, recursos fáceis e lentidão nos processos, adiamento de prazos, leis com “alçapões” de refúgio para os mais hábeis, custos avultados. A nível pessoal e internacional. O mundo está “doente” tal a grandeza e extensão do que acontece e é fomentado por interesses egoístas descarados ou ocultos.
A viúva é, na Bíblia, uma das figuras mais emblemáticas de quantos estão expostos à intempérie desapiedada dos prepotentes e gananciosos. Por isso, o seu clamor persistente e insistente dá voz a quem se encontra injustiçado, esquecido no seu infortúnio, privado dos seus direitos, atirado para as margens do “rio” da vida, sem abrigo de nenhuma espécie, atormentado por males sem conta. Por isso, pede sem descanso: “Faz-me justiça contra o meu adversário“, tantas vezes camuflado e insidioso.
Jesus, após a narração da parábola, faz a sua leitura teológica. Destaca a acção de Deus no seu proceder para com aqueles/aquelas que lhe suplicam. Garante que “lhes fará justiça bem depressa”. E conclui que é preciso ter fé, viver na confiança, entrar no ritmo do Pai que tem em curso a realização do seu projecto de salvação, aceitar os seus silêncios que nos fazem crescer na paciente espera. É preciso fazer oração sem desanimar.
Deus sabe ajustar-se ao curso da história, é justo e fonte da justiça. Este seu modo de ser e de proceder constitui a referência fundamental para o agir justo de quem faz leis, as interpreta e aplica, estabelece sanções para os prevaricadores e define modalidades de recuperação do direito ofendido. São mediações necessárias para Deus ir realizando connosco o seu projecto de edificar uma humanidade feliz, justa, equitativa. Daí, a responsabilidade comum, sobretudo de quem está investido nas funções específicas de “fazer justiça”. Daí também a urgência de nos ajustarmos a Jesus Cristo, o Deus connosco para bem de todos/as.                                  

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Uma vida que se lê


M.Oliveira de Sousa | Justiça e Paz – Aveiro
D. António Marcelino é um itinerário de leitura permanente.
Depois de uma vida intensa e atenta, partiu. Confia-nos um vasto património espiritual, intelectual, pastoral, social,… esteve onde foi preciso e foi além de sim mesmo para quebrar inércias, marasmo, lentidão.
Ficam as primeiras fontes de evidência de uma vida enorme nas páginas do Correio do Vouga, nas edições de “Pedaços de vida que geram vida”, na copilação “A vida também se lê”.
“Há acontecimentos e situações que vivemos, mas não nos pertencem só a nós. Há vidas destinadas a ser berço de acolhimento de graças para as repartir pelos outros.
Para este livro, escolhi vivências provocadas por gente que passou pela minha vida ou dela fez parte. Por vezes, gente simples e anónima, aquela que julgamos que nada tem para nos dar ou ensinar… Gente experiente de Deus com a qual me foi dado cruzar, nos caminhos da missão, e já neste longo tempo do meu peregrinar» destaca o Sr D. António Marcelino nesta nota-síntese para Pedaços de vida que geram vida.
Valorizava tudo o que era seguir em frente; destacava, enfatizava, discutia, dava melhor sugestão, envolvia-se e envolvia. Ao ponto de, pela força de convocar todos para ir mais longe, assumir “não morro nem que me matem”!
O respeito pelo Ministério e pelo Múnus impõem decoro, reverência nas referências connosco. Porém, não fossem esses imperativos, dir-se-ia que D. António Marcelino era uma pedrada no charco (evocando o título do registo com que denunciava as injustiças encontradas), uma força da natureza! Profundo em tudo, até nas coisas simples.
Ler a vida de D. António Marcelino, na profundidade de uma vida doada aos outros, à Igreja, é encontrar sementes do Verbo disseminadas por ele em nós, é reler o nº 33 da Lumen Fidei: no diálogo entre a fé e a razão, em D. António Marcelino, também Bispo para nós, como Santo Agostinho, encontramos um exemplo significativo deste caminho: a busca da razão, com o seu desejo de verdade e clareza, aparece integrada no horizonte da fé, do qual recebeu uma nova compreensão. Acolhe a filosofia grega da luz com a sua insistência na visão: o seu encontro com o neoplatonismo fez-lhe conhecer o paradigma da luz, que desce do alto para iluminar as coisas, tornando-se assim um símbolo de Deus. Desta maneira, Santo Agostinho compreendeu a transcendência divina e descobriu que todas as coisas possuem em si uma transparência, isto é, que podiam refletir a bondade de Deus, o Bem.




sábado, 12 de outubro de 2013

ELOGIO A QUEM AGRADECE


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro

O elogio surge da boca de Jesus numa povoação onde passava a caminho de Jerusalém. Com ele, iam os discípulos desejosos de colher os seus ensinamentos. Sai-lhe ao encontro um grupo de dez leprosos que, em voz alta, imploram a sua compaixão. Jesus põe-nos à prova, encaminhando-os, de acordo com a Lei judaica, para os sacerdotes. E não diz, nem faz mais nada. No percurso, acontece a maravilha da cura. O grupo continua a viagem; mas um não, e regressa junto de Jesus para lhe expressar a gratidão pelo benefício alcançado. E este era estrangeiro, samaritano, de outra etnia cultural e religiosa, excluído das bênçãos prometidas aos Judeus.
Ao ver o sucedido, Jesus toma a palavra, censura o grupo pela falta de reconhecimento e pela ingratidão, fazendo ao mesmo tempo o elogio de quem, espontaneamente, vem à sua presença, dando glória a Deus em voz alta e assumindo atitudes de profunda humildade e agradecimento. Depois diz a este homem: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”.
Os discípulos não participam no diálogo, apenas testemunham o facto tão contrastante com o preceituado na Lei. E certamente, como ocorre em outras ocasiões, ficam perplexos e pedem explicações. E não era para menos! Com eles, também nós precisamos de compreender o que está contido na cura dos 10 leprosos e colher a mensagem que Jesus quer transmitir.
A salvação é oferecida a todos, sem qualquer excepção. Salvação que abrange a pessoa toda: sensibilidade e razão, corpo e espírito, vida privada e pública, saúde e doença, tempo e eternidade. Salvação que se expressa na harmonia do ser em si mesmo, na boa relação com os outros, no uso correcto dos bens materiais, culturais e espirituais, no acolhimento e resposta a Deus, fonte primeira da vida e herdeiro único da humanidade.
A gratidão brota espontânea do coração sensível e fiel. É fruto do reconhecimento do benefício recebido, da dignidade alcançada, da pertença integradora restabelecida, da capacidade de andar “erguido” na vida, da valoração da fé alicerçada no encontro com Jesus Cristo na presença dos seus discípulos. A gratidão reveste muitas modalidades: dizer um obrigado oportuno ou um bem-haja sincero; fazer um gesto amigo e benfazejo; reunir-se em grupo ou assembleias e festejar eventos comuns; dar parabéns merecidos; celebrar as maravilhas de Deus realizadas por Jesus Cristo a nosso favor. É neste contexto que se situa a eucaristia e a importância de tomar parte na celebração/missa dominical.
Educar para o agradecimento merecido e viver em atitude de gratidão justa fazem parte da nossa comum humanidade, da cidadania cívica, do conviver respeitoso em sociedade, do viver a fé cristã em Igreja espelho e meio qualificado do agir de Jesus Cristo.       

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Obrigado, Sr Bispo! - D. António Marcelino (21 de setembro de 1930–9 de outubro de 2013)


LER A REALIDADE SOCIAL E A PRÓPRIA VIDA
D. antonio marcelino
Desde que o Vaticano II nos empurrou para uma Igreja fora de portas e para uma vida de confrontos, sempre senti a necessidade de ler melhor a realidade e a minha vida. F uma exigência de fidelidade à missão e de atenção ao que em mim se vai passando. É talvez momento para dar razão desta minha preocupação. No próximo fim de semana, se Deus mo permitir, completo 83 anos de vida e 38 de bispo. Há três meses somei, com alegria e gratidão, 58 de padre. Dirá o povo que idades de tal monta, constituem um bonito rol. E eu acho que assim é.
Não escrevo para narrar nostalgias e muito menos para me gloriar com o que vivo,   nem para me penitenciar pelo que não fiz ou fiz menos bem. Estas contas tenho de as acertar noutra instância.
Passaram pela minha vida mudanças sociais e acontecimentos que me foram ensinando a alegrar-me com os estão alegres e a sofrer com os sofredores. Abriu-se-me um mundo de oportunidades que me estimulam e me empurram. Sou emigrante desde criança. Doze anos na minha terra, outros tantos no Seminário, três em Roma, dezoito em Portalegre, pouco mais de cinco em Lisboa e há perto de trinta e três em Aveiro. Nunca me senti contrafeito, nem a mais. Gostei de estar onde estive. Aí regresso com uma alegria serena. Nunca vi que a minha presença fosse incómoda. Não me alvoracei com honras e encargos Nunca me senti triste ou vencido por não ser reconhecido ou pelo que não pude fazer ou as circunstâncias me lo vedaram. Vivo reconciliado com a vida e comigo próprio Sem inimigos. E amigos? Agora, talvez mais amigos do personagem bispo que fui, do que da pessoa do bispo que sou. De ontem ou de hoje os verdadeiros amigos não fazem distinções. São amigos.
Tudo isto vem a que propósito? É um testemunho a que a vida me aconselha. Tenho defeitos e qualidades. Procuro que as limitações me não levem a desistir e as qualidades me capacitassem para agir melhor e seguir em frente. É sempre a vida que comanda. Deus faz nela história connosco e, se deixarmos, faz história de salvação. Tive a graça de viver, como padre novo, o tempo do imediato ante concílio, do concilio e após concílio. Senti ao vivo a urgência de uma Igreja outra e do Povo de Deus como o grande obreiro do Reino; descobri o significado do Colégio Apostólico e da hierarquia como serviço; acordei mais para o dever de reconhecer e promover os leigos cristãos na sua dignidade e missão própria, na Igreja e no mundo; tomei consciência de que a santidade é vocação universal e dever de todos; vi com clareza a condição normal da Igreja peregrina,  evangelizadora e missionária por sua natureza e sempre em caminho de conversão:; agradeci a visão nova da liturgia, a descoberta da Palavra de Deus para os cristãos e as comunidades; vivi a novidade das novas relações da Igreja – Mundo; rejubilei com a abertura ecuménica e com a declaração sobre a Liberdade Religiosa; agradeci a Deus os Papas João XXIII pelo seu gesto corajoso, e Paulo VI pela sua lucidez e coragem…
Tudo isto me foi marcando para um rumo pastoral novo. Percebi cedo que a sorte do Vaticano II estava na mão dos bispos e dos seus colaboradores, clérigos e leigos. Procuro, então, que as minhas opções e da Igreja que sirvo, sejam inspiradas no Vaticano II. Assim desde o dia da ordenação episcopal, até hoje. Ao chegar a Aveiro, já marcado por lutas do PREC, encontrei em D Manuel, de que fui coadjutor, um verdadeiro bispo conciliar. Sempre nos entendemos bem. Falávamos a mesma linguagem e os planos e projetos pastorais não podiam ter senão uma inspiração, conciliar. Depois, dei-me por inteiro à promoção das vocações, à formação dos padres, dos leigos, e dos diáconos e à animação missionária. Procurei atender melhor, com a ajuda dos novos vigários episcopais, os consagrados, a educação cristã, a pastoral social, os movimentos laicais, a família, a pastoral geral e a abertura e diálogo da Igreja diocesana com o mundo. Procuramos, D Manuel e eu, “um só “como ele gostava de dizer,  que as instituições e serviços, então e depois criados, servissem o ideal conciliar: Casa Diocesana, Instituto Superior de Ciências Religiosas (ISCRA), Centro Universitário Fé e Cultura (CUFC), última fase do Stela Maris, recuperação para o património diocesano da antiga “casa do bispo”, agora sede da Cáritas, Carmelo Cristo Redentor, edifício da Cúria Diocesana, Colégio Diocesano de Calvão… De cariz e pedagogia conciliar, realizaram-se, a pedir atenção, o Sínodo Diocesano, o Congresso dos Leigos, os Dias da Igreja Diocesana, o Fundo Diocesano do Clero… Nada disto surgiu por acaso. É obra da comunidade diocesana, sob a orientação de quem a servia. Hoje. o Vaticano II, dada a realidade, clama pela urgência da sua inspiração e aplicação e da fidelidade ao essencial da missão da Igreja.
Aceite em 2006 a minha resignação, então com 76 anos, optei, por razões teológicas e efetivas normais, continuar na Diocese, agora como bispo de Aveiro emérito. Colaboro no Tribunal Diocesano, na formação de leigos e de consagrados, na imprensa diocesana, nas paróquias onde me enviam ou me chamam… Tenho ainda encargos a nível nacional. Não estou a mais, não faço sombra a ninguém. Sou irmão sempre disponível para o bispo diocesano, meu sucessor. Procuro ser memória histórica útil para a Igreja de Aveiro, que avança no tempo.. Para quem souber teologia e respeitar sentimentos, a minha opção é percebida e agradecida. Mia Coito põe na boca de um ancião africano esta palavra clarividente: “O importante não é casa onde moramos, mas onde em nós a casa mora”. A minha casa mora é o meu coração. Ai a guardo, desde o dia 1 de Fevereiro de 1981, um amor incondicional e irreversível. Este amor chama-se Diocese de Aveiro.
Último artigo de D. António Marcelino para o Correio do Vouga, de 18 de setembro de 2013
 
ALGUMAS DATAS BIOGRÁFICAS
1930
21 setembro – Nasce António Baltasar Marcelino, em Lousa, Castelo Branco, filho de Maria Cajado e Manuel Almeida Marcelino.
1942
Entra no Seminário Menor de Gavião. Os anos da Filosofia são feitos no Seminário de Alcains.
1950
No Seminário de Marvão, que funciona como Seminário Maior, fica tuberculoso, pelo que tem de interromper os estudos durante um ano. Tem o apoio decisivo de D. António Ferreira Gomes, de quem recebe as ordens menores.
1955
9 junho – É ordenado presbítero na Catedral de Castelo Branco, por D. Agostinho Moura. Reza Missa Nova no dia 12. Pe. António Marcelino vai para Roma estudar Direito Canónico, sabendo que, ao regressar, o espera o Seminário Maior de Portalegre, inaugurado em Outubro deste ano.
1958
Dá aulas de Direito Canónico, Teologia Moral, Missionologia, Acção Católica e Filosofia, no Seminário Maior de Portalegre.
Nesta época, introduz os Cursos de Cristandade na Diocese de Portalegre, depois de uma viagem a Espanha para estudar o seu funcionamento.
1961
Escrevendo nos jornais “Reconquista” (de Castelo Branco) e “Distrito de Portalegre”, publica neste ano uma série de artigos sobre a reforma agrária que causam grande polémica. Alguns dos seus textos de imprensa são cortados pela Censura.
1962-1965 -II Concílio Vaticano.
Pe. António Marcelino cria uma “comissão pré-concílio”, que recebe, traduz, adapta e divulga os documentos saídos da reunião magna dos bispos do mundo inteiro. Com outros colaboradores, forma uma escola de formação de leigos, com núcleos em Abrantes, Portalegre e Castelo Branco.
1969
Nomeado delegado de D. Agostinho Moura para a formação do Instituto Superior de Teologia e Humanidades, no Porto, onde estudam os seminaristas maiores de dioceses como Portalegre e Castelo Branco, mas também de Aveiro e de Vila Real.
1972-1975
Director do Secretariado Nacional da Pastoral, dependente da Conferência Episcopal Portuguesa.
1975
15 julho – Nomeado Bispo Auxiliar do Patriarca de Lisboa, com o título de Bispo de Cércina.
21 setembro – Ordenado Bispo na Catedral de Portalegre por D. António Ribeiro. Enquanto Bispo Auxiliar em Lisboa é responsável pela zona pastoral do Oeste (Mafra, Caldas, Torres Vedras…)
1975-81
Presidente da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais (dois mandatos). Está na origem do programa 70×7.
1980
Participa no Sínodo dos Bispos sobre a Família, em Roma, onde intervém sobre a “família e os meios de comunicação social”:
1980
19 dezembro – É nomeado Coadjutor do Bispo de Aveiro, sem direito a sucessão.
1981
1 fevereiro – Início do ministério episcopal de D. António Marcelino, em Aveiro
1981-87
Preside à Comissão Episcopal da Acção Social e Caritativa (dois mandatos). Neste período são criadas as jornadas de Pastoral Social, para formação dos agentes.
1983
8 setembro – D. António Marcelino passa a ter direito de sucessão.
1987-93
Preside à Comissão Episcopal da Família (dois mandatos), criando as jornadas de Pastoral Familiar.
1988
20 janeiro – Bispo de Aveiro.
Em Maio ordena os primeiros diáconos permanentes da diocese.
Realiza-se o Congresso dos Leigos e D. António anuncia a realização do II Sínodo Diocesano.
1989
Constituição do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro – ISCRA.
1990-1995
Sínodo Diocesano de Aveiro
1991
Participa no I Sínodo dos Bispos sobre a Europa.
É inaugurado o edifício do Centro Universitário Fé e Cultura, em Aveiro.
1992
Institui o Fundo Diocesano de Compensação do Clero.

1993-99
D. António integra o Conselho Permanente da CEP. É presidente da Comissão Episcopal do Apostolado dos Leigos, criando as jornadas e o Fórum da Acção Católica.
1999-2005
É vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
1999
Participa no II Sínodo da Europa (por eleição da CEP). As suas intervenções, ao lado do Cardeal Martini, então bispo de Milão, obtêm grande eco na imprensa internacional por ter sugerido que “o estatuto das mulheres na Igreja é uma questão por resolver”.
1999
Preside à visita “ad sacra limina” (visita que os bispos, por países, fazem periodicamente ao Papa), por impossibilidade do presidente da CEP, D. José Policarpo.
2000
O primeiro-ministro António Guterres impõe a D. António a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, atribuída pelo presidente Jorge Sampaio. A Câmara Municipal, posteriormente, atribui-lhe a Medalha de Ouro do Município.
2004
Conclusão do Sínodo sobre os Jovens de Aveiro
2005
10 a 12 de junho – Congresso Eucarístico, no encerramento comemoram-se 50 anos do seu Sacerdócio. Em dezembro, é atribuída a D. António a Medalha de Ouro da Universidade de Aveiro.
2006
24 setembro – Anuncia à Diocese o seu sucessor: D. António Francisco dos Santos.
2011
Vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé.
Publica o livro “Pedaços de vida que geram vida”.
2012
Publica o IVº Volume de “A vida também se lê”.
2013
9 outubro – Falecimento no Hospital Infante D. Pedro – Aveiro.

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CRESCER NA FÉ, VIVER NA CONFIANÇA


Pe Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Os discípulos de Jesus ao verem o seu agir e a sua determinação em prosseguir a missão, apesar de todos os contratempos, sentem-se necessitados de mais fé para assumir atitudes semelhantes e de maior confiança para enfrentar adversidades parecidas, surpreendentes. Querem ser coerentes e fiéis, mas o coração segreda-lhes algo que os ultrapassa. E surge a súplica que expressa a intensidade do seu desejo: “Senhor aumenta a nossa fé”.
Este modo de proceder manifesta que a fé brota do contacto com Jesus, da relação cordial com ele, do conhecimento da sua vontade, do envolvimento na sua paixão que não desiste de ir até ao fim. O amor a Deus Pai e a realização do seu projecto de salvação “comandam” todas as suas decisões e ousadias. Sem esta familiaridade com Jesus, a fé corre o risco de se desvirtuar, não tendo consistência nem autenticidade; corre o risco de se diluir e até desaparecer; corre o risco de dar lugar à indiferença e, mesmo, à hostilidade.
“Não nos tornamos cristãos com as nossas forças” – afirma o Papa Francisco no Twitter. “A fé é primeiramente um dom de Deus que nos é dado na Igreja e através da Igreja”.
Jesus atende o pedido dos discípulos e reencaminha-o de modo surpreendente. “Se tivésseis fé, como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: Arranca-te daí e vai plantar-te no mar, e ela obedecer-vos-ia”. O recurso ao grão, pequena semente, cheia de vigor, realça o contraste com o aumento pretendido. Não se trata de quantidades, mas de qualidade; não se trata de ter uma fé mais vistosa, mas de viver uma fé mais confiante e consistente.
A fé, que Jesus ilustra com a referida comparação do grão de mostarda, alicerça-se na Palavra de Deus que é sempre fiel e tem uma única medida: o vigor que a adesão cordial faz brotar no coração dos discípulos, adesão credenciada por uma atitude de serviço generoso e desinteressado.
A coerência de quem vive a fé em obras concretas brilha em tantos rostos humanos, sorridentes e felizes, em tantos voluntários de causas solidárias e fraternas, em tantos espoliados da sua dignidade que não desistem de a reivindicar, correndo riscos de morte. Infelizmente, também acontece o contrário.
A qualidade da fé é típica dos discípulos, mulheres/homens de Deus, cheios do Espírito de fortaleza, caridade e moderação – como lembra Paulo a Timóteo; preocupados em guardar o “tesouro” recebido e em mantê-lo íntegro; cheios de audácia evangelizadora em todas as circunstâncias, firmes e determinados na prossecução do ideal que aprendem do Mestre. É típica de quem assume conscientemente o baptismo e faz desabrochar toda a sua riqueza ao longo da vida.   

Um testemunho com ar purificado

 

Pe Pedro José |  Justiça e Paz – Aveiro 
Sem abertura ao futuro não se vive com esperança. Se vivemos apenas com o olhar no presente, não nos responsabilizamos por nada que virá depois, portanto não existe para nós a Vida Eterna. Nós todos somos seres vivos em débito. A nossa dívida corresponde ao Dom amoroso da fé. E o medo não pode ocupar o lugar da Confiança.
Eis o impasse a que nos conduz na nossa crise do presente. Com o presente doente não sobram perspectivas para o futuro. É preciso amar as pessoas como se houvesse amanhã com Esperança. Se o exercício e a graça da oração não têm amanhã de que serve rezar? Acreditamos que cada dia começa e acaba com a bênção de Deus, dentro da nossa responsabilidade assumida.
O Hoje vale pelo nosso esforço, reconhecido ou não. Dizem que o combate na vida vale mais que a vitória ou derrota. Queremos o bom combate pela Fé, que seja justo e pacificador. Assim o Amanhã saberemos que valerá mais em Deus. A nossa Fé em Jesus Cristo vem em socorro desta fragilidade que é precária. Rezamos pelo pão nosso de cada dia.
Quando falamos de «purgatório». Falamos da experiência do juízo diante da nossa Consciência e diante de Deus, quando percebemos quem somos de Verdade. Toda a Verdade que há em nós. Verdade da história, feita todos os dias ao longo da vida. O maior «purgatório» é o momento em que estivermos diante da Verdade de nós mesmos e diante de Deus. Tudo o que há em nós de egoísmo irá desaparecer. O «purgatório» é a experiência do Amor na Dor.
A fé cristã anuncia a Vida Eterna. Não confunde a dificuldade dolorosa do presente com ilusões. Entende o esforço de cada dia como «purificação», isto é, caminho de transparência e avaliação. Não nos deixa na expectativa, nem na impotência e nem vive na pura passividade.
Somos responsáveis, com seriedade e gravidade pelo Presente. Todavia carregamos dentro de nós, de modo humilde, a luz da eternidade que “ainda não” se cumpriu. Não esquecemos o Presente. Antes o valorizamos: purificando o que há de pecado em nós. Quando percebo um pouco desta verdade de Fé, ganho serenidade e ousadia de Comunhão. Pertenço a um Todo maior que o meu pequeno mundo.




quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Vaticano: Jornadas comemorativas assinalam 50 anos da «Pacem in Terris»


Encíclica de João XXIII vai estar no centro de reflexão sobre conceito de paz

Cidade do Vaticano, 02 out 2013 (Ecclesia) - O Conselho Pontifício Justiça e Paz (Santa Sé) promove entre hoje e sexta-feira as jornadas comemorativas dos 50 anos da encíclica ‘Pacem in Terris’ do Papa João XXII.
A iniciativa pretende promover uma reflexão sobre a atualidade dos conteúdos da encíclica e implementar as suas propostas no âmbito dos direitos humanos, do bem comum e da política: “Âmbitos em que existe a convivência pacífica entre nações e povos”, assinalou o cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, ao apresentar as jornadas.
“De facto, mais do que teorizar sobre a guerra e a paz, o autor enfatizou o homem e a sua dignidade”, acrescentou o responsável.
Para o bispo Mario Toso, secretário do Conselho Pontifício Justiça e Paz, a encíclica publicada a 11 de abril de 1963 oferece “uma estrutura de pensamento e projeto político que liderou a Igreja e os crentes a comprometerem-se com temas sociais”, a partir dessa data com uma visão e proposta “realmente universais”.
O primeiro dia das jornadas aborda o aspeto educativo, em duas vertentes, na perspetiva da formação e da prática, explica o portal news.va.
60 diretores e professores de universidades católicas, dos cinco continentes, vão aprofundar e debater um tema considerado “crucial na atualidade”: a formação das novas gerações de cristãos comprometidos com a política.
Na quinta-feira vai refletir-se sobre as instituições políticas, as políticas globais e vão examinar a reforma da maior instituição mundial, a ONU.
Segundo o cardeal Peter Turkson, os trabalhos vão também dar a conhecer como se desenvolve a colaboração internacional nas grandes instituições políticas regionais, como o Conselho da Europa, a União Africana ou a Liga Árabe.
Neste dia, à intervenção dos especialistas juntar-se-ão representantes do “mundo eclesial” que vão apresentar “as instituições que reúnem as conferências episcopais nacionais transformando-as em organismos de dimensão continental”.
O dia final, sexta-feira, vai abordar ‘As novas fronteiras da paz’: A atualização da encíclica ‘Pacem in Terris’ é analisada considerando que 50 anos depois da sua publicação a realidade é diferente e não existe a tensão permanente da ‘Guerra Fria’.
Para o presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, hoje, “os desafios” para a manutenção da paz são diferentes: “A liberdade religiosa e a perseguição dos cristãos; a crise económica mundial que é, acima de tudo, uma crise moral; a emergência educativa no campo dos meios de comunicação social; os conflitos cada vez mais frequentes sobre o acesso aos recursos; o uso distorcido das ciências biológicas que prejudicam a dignidade humana; as armas e a segurança”.
O cardeal Peter Turkson informou ainda que vai ser publicado um livro intitulado ‘O conceito de paz’, publicado para estas jornadas com a colaboração de estudiosos da área.
CB/OC