quinta-feira, 28 de maio de 2015

IDE E FAZEI DISCÍPULOS

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
 
DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE
 
A missão que Jesus confia aos seus discípulos e, neles, a toda a Igreja, é condensada por Mateus nesta fórmula precisa e operativa: “Ide e ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Mt 28, 16-20. É missão a realizar em todos os tempos e culturas. É missão que inicia os candidatos à vida cristã em dois “momentos” mais significativos do seu itinerário para a maturidade: o anúncio jubiloso da novidade de Cristo e a celebração do baptismo. É missão a prosseguir na comunidade eclesial e sociedade civil, em todos os espaços de convivência humana.
Assim, é em nome da Santíssima Trindade que a Igreja desenvolve a sua acção: aprendendo e ensinando, sendo santificada e santificando, deixando-se amar e irradiando o amor. A fonte original é Deus família, é trindade em relação, é cada pessoa em comunhão: O Pai da paz, comprometida e activa, o Filho da justiça que toma partido pelos empobrecidos  e excluídos, o Espírito da liberdade tolerante que aceita e respeita as opções de consciência de todos os humanos.
Jesus não pretende que os discípulos compreendam esta realidade sublime, embora a razão esteja dotada de ricas capacidades para a reflexão e investigação. Não pretende que decifrem o mistério, apesar das vezes em que lhe faz referência directa nos seus ensinamentos e atitudes. Ele, melhor que ninguém, conhece o limite humano, a reduzida medida a que pode chegar a inteligência racional. E apesar da força do desejo que tanto quer “tocar” e dominar o mistério, este permanece inabarcável e transcendente, sedutor e atraente.
O espaço para o encontro da Trindade é o coração humano, a consciência pessoal, a relação comunitária, a fraternidade universal. Aqui se espelha e actua o mistério; aqui a pessoa acolhe, contempla, “saboreia”, admira, extasia-se perante a realidade inebriante que lhe é dado experienciar e celebrar já, em sinais e ritos, em gestos e atitudes, ainda que em porções reduzidas e momentos fugazes.
O coração vê mais longe e reconhece os vestígios de Deus trindade nas aspirações que o marcam e impulsionam a “ir mais longe”, ao encontro do Pai, a escutar com redobrada atenção a palavra do Filho, a deixar-se envolver progressivamente pelo amor do Espírito Santo. O coração humano espelha, a seu modo, e irradia, a seu jeito, a relação que torna acessível, a comunhão entre a Trindade das pessoas divinas que constituem a “família” original. O nosso coração tem uma matriz familiar; dela provém e para ela tende. Por isso, nela quer viver.
Jesus ordena aos seus discípulos que vão por todas as nações anunciar esta novidade única: Deus não é um solitário, um surdo-mudo fechado em eterno silêncio, um ausente distante e indiferente à sorte da humanidade, um rival concorrente da autonomia do ser humano. É antes uma comunidade santa, próxima e familiar, que nos convida a entrar em relação consigo mesma, a beneficiar dos seus dons, a cooperar na realização da sua proposta de salvação. Convida-nos a descobrir o autêntico rosto de Deus que em Jesus se manifesta como Pai bondoso, como Filho apaixonado pela felicidade humana, como Espírito solícito que nos inspira o gosto pela verdade que liberta. Convida-nos a fazermos parte da sua família e a apaixonarmo-nos pelas realidades terrestres, como jardineiro fiel, a quem é entregue o cuidado de velar pela harmonia da variedade das suas flores e perfumes.
“Deste modo (assumir o conflito e transformá-lo em elo de ligação de um novo processo), torna-se possível desenvolver uma comunhão nas diferenças, que pode ser facilitada por pessoas magnânimas que têm a coragem de ultrapassar a superfície conflitual e consideram os outros na sua dignidade mais profunda” – afirma o Papa Francisco (EC 228).
Ide e fazei discípulos, continua Jesus a dizer-nos com amor solícito. A festa da Trindade é a festa da humanidade que reconhece a matriz original donde “procede”, sobretudo a Igreja de Jesus de quem é testemunha qualificada e agente mandatada. A festa da Trindade revela-nos a dignidade do ser humano, especialmente do ser cristão, imagem e semelhança de um Deus comunhão de pessoas, chamadas a viver na confiança filial, na amizade fraterna e na doação generosa. Por isso, está em sintonia com o dinamismo trinitário quem vive do amor que se faz serviço incondicional e generoso.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Escrevinhar servindo o fastio

 

Pedro José Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

(…) (“Burro com fome, cardos come”, diz o provérbio) (…)

A secularização pela fome é questão sobre Deus e para Deus – e assim, ao mesmo tempo, mais e menos do que uma experiência. É questão pré-oracional, questão sem resposta, e assim como que um eco enigmático ou ambíguo da questão. Precisar-se-á no entanto que, com esta análise, não se trata de subjetivar a transcendência,

mas de se espantar com a subjetividade”.

Emmanuel Levinas in Deus, a Morte e o Tempo (1993), p.198.

     Os dias passam e os projectos não avançam... Onde está o projecto maior? Questionar as indecisões, as faltas de diálogo e, porventura, a qualidade da comunicação institucional, ou a falta dela, que pode não acontecer na verdade relacional. Isolar-se é morrer lentamente. E querer tudo «certinho», não duma certeza apenas moral, mas a partir daí, enquanto autenticidade para a Vida organizada em fruição de Serviço. O Deus-das-surpresas, tipo analogia doméstica, não se dispõe de modo nada fácil. Por isso, andar de vassoura na mão à procura do Sentido e ser capaz de varrer o quotidiano metodicamente. Limpar e ficar arrumado no mundo da linguagem simbólica. Não querer ir além do óbvio. Conservar esse mundo no raio afectivo permitido por lei e servir aí mesmo, onde o Desejo e o Dever o consentem.

     Enfeitiçamento sem querer e querendo mesmo o diferente. Caminhar num labirinto de incertezas restando a Certeza impessoal como fio condutor, por entre rostos que são máscaras ou funções disfuncionais, em contextos adversos. Deus é um Deus do caminho. Aos deuses visíveis como lugar da idolatria: secar a fonte e beber no Deus invisível: na humildade da Fome. Do aquém para o para-além. Morrer nas profundezas do “interessamento” e depois ressuscitar no serviço: ainda nos será possível dizer a Verdade-de-que-somos-feitos! A oração pré-orante de uma pré-crença. À prece pré-oracional da fome de Sentido do Espírito ou até à Realidade gritante do Corpo. Como partilhar sonhos desfeitos na Verdade fiel e pacientemente. Não podemos encontrar uma lista de ensinamentos e mandamentos. Perigo da denegação do Credo.

   Abrir as janelas do Ser e deixar o Ar Puro percorrer todas as divisões interiores. Ensaiar a exterioridade com o aprofundamento da fidelidade interior. Sempre cúmplice e absorvido pelo partilhar. Outro Amor ainda é possível. A simplicidade no prazer do observador ou no prazer do ouvidor. Luta desigual nas consequências que não fazem efeito. Distância e proximidade. O elogio da lentidão apressada. Os deveres chamam para não serem obedecidos. Orar é lançar um olhar em frente. Passo a passo. Decisão a decisão. Ao medo oferecer a luz. Ao trabalho oferecer a entrega. Que podemos fazer? Saber aquilo que nos faz mal interiormente. Não fugir da chave da vida cristã. Apreender de novo na era da indiferença. A agenda está aberta. A obra ainda não. Talvez seja precisamente o contrário. A liberdade está em fazer o que deve ser exigido. Amém sem o peso da gravidade. Apenas o Evangelho como primeiro apetite!

quinta-feira, 21 de maio de 2015

CHEIOS DO ESPÍRITO SANTO - DOMINGO DE PENTECOSTES

 

 

Georgino Rocha  | Justiça e Paz – Aveiro

     O acontecimento do Pentecostes manifesta como o Senhor Jesus coopera com os seus enviados. Jo 20, 19-23. Enche-os do seu Espírito e traça-lhes, mais uma vez, os horizontes da missão. De outro modo, como seria possível àquele grupo ir por todo o mundo, anunciar o Evangelho de forma acessível em todas as línguas, semear a paz em gestos de perdão, garantir um futuro melhor, abrir as portas do amor misericordioso, criar condições para que todos se reconheçam como irmãos porque filhos do mesmo Deus Pai?! Humanamente, impossível. O grupo estava ainda traumatizado pelas atrocidades da paixão, temeroso pelo que podia suceder-lhe, debilitado em forças e reduzido em número.

     Jesus, mais uma vez, faz do “pequeno enfraquecido” um protagonista vigoroso, um arauto destemido, um mensageiro ousado. E os discípulos “escancaram” as portas do coração e da casa onde se encontram e vêm para a rua, cheios de alegria e confiança, percorrem os caminhos do mundo, organizam comunidades e garantem a sucessão, confirmando os seus responsáveis.

     Se o rosto visível tem os traços dos apóstolos, o agente principal da missão é o Espírito Santo, aquele que Lucas e João nos apresentam de forma tão singular, embora simbólica, literariamente encenada. São várias as expressões que designam esta realidade sublime: alento do sopro humano, rumor de forte rajada de vento, línguas de fogo a poisar sobre cada um, diversidade de línguas que os ouvintes reconhecem como suas, espanto e admiração que brotam do coração destes ao perceberem as maravilhas de Deus, de modo acessível e inteligível (inculturado).

     A primeira maravilha é a união testemunhada por aqueles que recebem o Espírito. Todos em conjunto anunciam o mesmo Messias salvador, morto pelos judeus e ressuscitado por Deus Pai. Todos diferentes em capacidades e modos de proceder, mas unidos no amor fiel a Jesus Cristo e ao mandato que receberam. Todos dispersos nos quatro cantos do mundo, mas congregados na profissão da fé e respeitadores do serviço de cada um.

     Cheios do Espírito, anunciam o Evangelho da vida que faz de nós, homens e mulheres criativos, capazes de sermos alento dos abatidos, conforto dos entristecidos, alívio dos debilitados, agentes de consciencialização dos narcotizados pelas complexas redes de influência manipuladora. Sem verdade e honestidade, o evangelho da vida desvirtua-se e o padrão de valores inverte-se.

     Cheios do Espírito, sabem interpretar o que acontece e descodificar os enigmas humanos que, por vezes, são portadores da mensagem de salvação. O espírito de discernimento ajuda-nos a descobrir Deus onde ele está, embora desfigurado na vida do empobrecido, maltratado nas vítimas da violência, injustiçado nos explorados da dignidade e dos bens, reconhecido e amado na dedicação generosa de tantos voluntários de serviço gratuito, de profissionais honestos e competentes, de pais e mães abnegados, de diáconos e padres alegres e generosos, de bispos servidores da Igreja solidária com o mundo e suas turbulências.

     O Espírito faz-nos situar no tempo, que é o nosso, falar as linguagens da sua cultura, acolher as múltiplas inquietudes da sua consciência, sintonizar com as aspirações mais genuínas da sua humanidade e, em parceria saudável e construtiva com outros, procurar caminhos de realização integral, oferecendo o que somos e temos de melhor: a verdade que liberta pelo Espírito de Jesus ressuscitado, o sentido de uma vida doada no amor incondicional, o rumo de um caminho traçado na história e percorrido num tempo aberto ao futuro de Deus.

Espírito Santo, alento consolador, vem e cura a aridez dos nossos corações e a aspereza das nossas relações interpessoais. Vem chama viva de amor ardente e dá-nos a linguagem da entrega e da comunicação, da atenção aos mais empobrecidos e sobrantes na sociedade. Espírito divino impulsiona a Igreja e suas comunidades, como outrora fizeste aos discípulos, a saírem de si mesmas, a deixarem de ser autorreferenciais, a compreenderem a humanidade e a darem-lhe o sentido que a dignifica e liberta. Vem Espírito e faz de nós agentes de transformação, profetas da civilização da justiça e do amor, mensageiros da alegria revigorante.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

ASCENSÃO DO SENHOR .JESUS COOPERA COM OS SEUS ENVIADOS

 

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

     A ascensão do Senhor marca o início de uma nova fase, na realização da missão. Jesus passa a estar presente de outra forma Mc 16, 15-20. Uma série de expressões pretendem “dar rosto” a esta realidade. A nuvem – sinal de Deus – indicia o mundo novo em que o crucificado/ressuscitado “entra” definitivamente, a intimidade do Pai de que sempre participa, a proximidade invisível, mas interventiva, junto dos discípulos. A nuvem – sinal do homem que ergue o olhar e quer ver o céu – manifesta uma aspiração fundamental que se vive e realiza no tempo, atesta a tendência humana de cultivar o gosto do que se aprecia, suscita interrogações profundas que exigem respostas adequadas.

     Outras expressões são o mandato missionário, as maravilhas que podem realizar os que acreditam, o sentar-se de Jesus à direita do Pai, evidenciado o reconhecimento da excelência do seu novo estatuto, a prontidão dos discípulos em assumirem o encargo apostólico, a garantia dada por Jesus de cooperação incondicional.

     As maravilhas indicadas são acções que visam abrir caminho ao anúncio do Evangelho e credibilizar, de algum modo, a autoridade de quem as realiza. Constituem sinais antecipados do mundo novo que vai surgindo à medida que for desabrochando, entre nós, o reino de Deus. As forças do mal, simbolizadas na figura dos demónios, hão-de ser expulsas e destruídas, a fim de que possa brilhar a bondade e a beleza da criação e a fraternidade da humanidade inteira. E são tantas e tão grandes: A indiferença face a tudo, menos ao “eu” egoísta, a quebra da confiança interpessoal, a corrupção da honestidade em qualquer nível, a perversidade de certos mecanismos sócio-económicos, a idolatria do sucesso fácil e do prazer imediato, a miscelânea e neblina do religioso, a recusa programada da presença de Deus, na vida pública, a compreensão minimalista do ser humano reduzido à sua dimensão subjectiva.

     As novas línguas, que os discípulos hão-de falar, brotam da escola do amor de doação e da  multiplicidade dos seus gestos de serviço, da proximidade de ajuda a quem se pretende evangelizar, da aprendizagem das linguagens, da cultura em que a mensagem cristã se deve encarnar.

     A imunidade face aos venenos mortíferos – e são tantos! - vem-lhes da fortaleza interior, da couraça da fé e da solidez da esperança, da energia vital do Espírito Santo que lhes é prometido. Com esta armadura de defesa, podem os que acreditam conviver com os que envenenam os circuitos da vida, da família e da sociedade, pegar, sem medo, em serpentes insidiosas que ferem de morte todos os projectos de promoção libertadora dos pobres sem força reivindicativa, sentir-se protegidos e revigorados no cumprimento do mandato recebido.

     A cura dos doentes, fruto da oração e da imposição das mãos, é outra maravilha que manifesta a saúde refeita, a reintegração dos excluídos na comunidade, a recuperação do seu estatuto social e religioso, a integridade da vida saudável a ser apreciada por todos na mais sadia convivência.

     Os discípulos partiram… e a missão continua. A novidade do Evangelho e os desafios da situação actual tornam mais premente a urgência de lhe dar seguimento fiel, corajoso, alegre e confiante. O Senhor está presente e coopera, como só ele sabe fazer. Que bom poder comunicar esta boa nova a toda a criatura!

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Lançamento do mais recente livro do Monsenhor João Gonçalves Gaspar, a ter lugar no próximo dia 11 de maio, integrado nas Festas de Santa Joana 2015.

 

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QUE A VOSSA ALEGRIA SEJA COMPLETA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

   

Em discurso directo, Jesus dá a conhecer as relações que mantém com Deus Pai e as que pretende que os seus discípulos cultivem e pratiquem. Jo 15, 9-17. Não recorre a metáforas nem a símbolos. Fala em linguagem normal de realidades sublimes. E centra-as no amor em cadeia, que tem a fonte no Pai, toma o rosto humano em si mesmo, estende-se a quem o segue e ama como ele. Este é centro donde provém tudo quanto faz e diz. Este é o centro para onde converge a missão que confia à comunidade dos amigos. Este é o centro que gera a mais eloquente história de amor vivida de tantas maneiras, ao longo dos tempos, por pessoas de todas as idades e categorias sociais.

     Amar como ele é padrão e medida para o agir humano. Embora limitados por sermos frágeis e finitos, temos, como dinamismo constante, a fasquia que está posta, sobretudo no que diz respeito à gratuidade, sem condições, à doação sem reservas, à alegria confiante, sem hesitações. Cada passo dado é caminho feito que marca, por antecipação, a porção da plenitude desejada. E a vida de Jesus Nazareno mostra bem como ele ama, onde encontra forças, a quem dá preferência e os custos que paga. Deixa claro qual é o projecto de salvação que Deus vai realizando por meio do Espírito Santo e da cooperação de toda a humanidade, sobretudo da Igreja.

     O amor fundado em Cristo faz das diferenças, comunhão, e proximidade da distância; das rivalidades, concórdia, e doação do egoísmo e da auto-estima; do momento fugaz, ponto de encontro, e da tentação, oportunidade de superação; do esquecimento de si, memória viva e fecunda, e da morte que desfaz a “nossa morada terrestre”, a porta aberta para a vida plena de ressuscitados. 

     Esta qualidade de amor manifesta-se nos frutos pascais que “compensam”, em muito, a “privação” de outros bens, fruto de opções livres. Sirva de exemplo a lista que as aparições de Jesus ressuscitado apresentam, ora em género de saudação inicial, ora de entrega confiante ao longo da conversa com os discípulos: a paz, a reunião fraterna, o perdão recíproco, a fé confiante, o anúncio do futuro prometido, o envio em missão universal, a presença activa do Espírito encarregado de recordar todos os ensinamentos e de guiar na busca da verdade, o voto/apelo a que a nossa alegria completa.

     Esta alegria provém das “coisas” que Jesus diz aos seus amigos, da confidência dos segredos do Pai, do desejo de que todos permaneçam no seu amor, do cumprimento fiel do seu mandamento. Os discípulos são amigos e não servos, escolhidos e não recrutados, enviados como mensageiros e não auto-complacentes retidos em grupos fechados.

     Viver a alegria de Jesus é amar quem ele ama e cultivar os seus sentimentos. A comunidade dos amigos seguidores tem, aqui, a matriz da sua identidade. Fiel a esta matriz está chamada a ser testemunha do amor de Deus no mundo, sobretudo junto dos cansados da vida, dos torturados pelas incertezas, dos empobrecidos de bens indispensáveis, dos entristecidos e privados da esperança que rasga os limites do presente e dá sentido aos horizontes do futuro. A prova da fidelidade tem, sobretudo, este rosto de proximidade e de serviço, alegre e gratuito.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

DAR FRUTO DE QUALIDADE

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Em linguagem simples e poética, familiar aos discípulos, Jesus prossegue os ensinamentos sobre a realidade profunda da sua união a Deus Pai e da relação entre aqueles que acreditam na sua mensagem. Recorre a uma imagem tirada da vida agrícola – a da vinha em que se destaca uma videira por ser única, verdadeira, autêntica. E extrai, de forma singular, as “lições” que ela insinua, desvendando o seu sentido profundo. Jo 15, 1-8

Os discípulos, como homens da Galileia, estavam habituados a ver os campos e as vinhas, os trabalhos dos agricultores e vinhateiros, os cuidados a ter com cada vide. E a aguardar, em paciente espera, o tempo da vindima, a apanha das uvas amadurecidas desejadas. Certamente, não teriam qualquer dificuldade, em entender o que lhes era confidenciado em ambiente tão marcante, como o da “ceia de despedida”, em que Jesus realça o amor como realidade “envolvente” de todos.

A pertença dos ramos à videira é “o ponto de partida” para visualizar a união vital dos discípulos a Jesus. Ramos sem tronco que os suporte e sem seiva circulante que os irrigue, não perduram e definham, morrem na esterilidade. Tronco sem ramos fica limitado, desfigurado, improdutivo. A união estreita entre ambos é garantia da circulação da seiva nutritiva que dará vida aos cachos de uvas apetecidas.

João, o autor da narrativa, explicita o alcance desta união, usando o verbo permanecer. Como o Pai está em Mim e eu estou no Pai, assim vós também – diz Jesus. E a partir desta comunhão única, afirma a realidade admirável da sua relação com os discípulos que aceitam viver a sua mensagem, que permanecem no seu amor. Paulo, numa das suas cartas, recorre ao termo de “enxertia” para expressar esta mesma realidade. Pelo enxerto logrado, a cepa expande-se em rebentos de vida, em ramos de esperança, em frutos de alegria exuberante.

Sem a compreensão deste enraizamento original único, a alegoria pode ser interpretada de modo desvirtuada: Dar muito fruto, produzir em abundância e eficiência, incrementar o rendimento, melhorar os meios de acumulação, garantir o consumo; ou então, reduzir, ao âmbito privado, o uso dos bens alcançados, comprazer-se em satisfação espiritual pelo êxito obtido, resguardar-se de todo o incómodo que possa surgir com a penúria dos outros.

Permanecer nele é ser-lhe fiel, estar unidos uns aos outros, como ele está com os seus discípulos, viver a missão que não tem fronteiras nem limites, a não ser os do tempo. Dando muito fruto, vos tornareis meus discípulos – garante, sem rodeios, para alegria de todos. E de que frutos se trata? Os mesmos que nos advêm da sua vida e dos seus ensinamentos: amor de doação incondicional, acolhimento de todos como irmãos entre si e filhos do mesmo Deus Pai, apreço e respeito pela dignidade de cada um, confiança nas capacidades humanas e no seu desenvolvimento, justiça e equidade nas relações do trabalho e na repartição dos bens, sentido do futuro que, entretanto, vai emergindo, de forma germinal, em atitudes e gestos com esta dimensão e qualidade, convivência alicerçada no reconhecimento da nossa comum humanidade que, em Jesus Cristo, é reforçada pelo seu exemplo e pela sua intervenção de salvação.

São frutos para os outros. A eficácia, o progresso e o êxito designam-se, no Evangelho, por espera activa, serviço generoso, simplicidade discreta, alegria confiante. O protagonismo a Deus pertence, e a nós a cooperação responsável, livre, inteligente.