sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

O nome é José: todos os nomes.



Pedro José L. Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

“Só a vida como dom é condição de possibilidade
para ser feliz”, Dom Walmor Oliveira de Azevedo.


1.Elogio do simples. Centremos a nossa atenção em JOSÉ. Este homem perseguido pela Fé, pela vida enrolada nas tradições, pela Justiça do Deus bíblico e por si mesmo (avançado em maturidade…). Este homem que arranja problemas com a circunstância que lhe era mais favorável: estava com a noiva dos seus sonhos. Que dá um passo em frente apenas para perceber que não era, afinal, a decisão correcta (estava à beira de cometer um erro crasso). Este homem é um simples homem e um homem simples. A simplicidade conquista-nos para Deus.
2.Elogio da sombra. Não nos iludamos com o jogo das sombras. A sombra autentica a que não rouba a Luz a/de ninguém; mas diz que na Luz nós-somos-os-filhos-de-Deus. Nessa sombra discreta e amassada pelo agir, em segredo, revela-se que algo ultrapassa aquele que é considerado como “o” Justo. A sombra aberta à Luz. O pensar-se incompreendido pelo Mistério. O pensar-se esmagado pela Lógica da expectativa humana. Na sombra escura da Noite os olhos da Fé encontraram o Sentido do desapego e do dom.
3.Elogio do sonho. Na iminência de decisões mais loucas a escuta dos sonhos é determinante. Sonhar com a razão da cabeça e adormecer o coração. Sonhar de coração é perigoso. Sonhar de cabeça: evita bater com a própria cabeça na parede. Momentos loucos e oportunistas cruzam a nossa Vida. Na encruzilhada das indecisões: isto…, aquilo…, mais tarde ou agora…, como cheguei a esta situação… José não sabe o que fazer? Nos desdobramentos incontáveis no Tempo de cada um importa, como JOSÉ, voltar ao sonho-de-Deus. No nosso sonhar purificado revela-se a Vontade-de-Deus.
4.Elogio da correção. Não é útil corrigir com amargura. Não é útil corrigir com ressentimento. Não é útil corrigir com perfeccionismos. Corrigir é dizer: fizeste o melhor que havia a fazer e a esperar, e mesmo assim, não foi culpa tua. Dar o melhor de si e não reclamar palmas narcísicas. Razoável é corrigir. Bom mesmo é corrigir-se (com ajuda externa quando tal não nos for (in)consciente). A correção não desencanta a Alma. A correção diz ao Espírito que o futuro está nas nossas mãos. Corrigir(-se) é reconhecer que no mundo não somos capazes de perceber tudo. Aprender com José corrigido, na obediência (a si), e a corrigir-se livremente (para os demais)!
5.Elogio do nome. De um lado um Número de outro a Pessoa. É a espada que corta a nossa insatisfação contemporânea: ou o número ou a pessoa. A pessoa é salva pelo nome. Salva pela história do nome. O nome pertence ao mundo microscópico. O nome pertence ao mundo do tempo fiel à Memória. O nome pertence à Aliança comunicada pelo divino na fragilidade e singularidade humanas. O nome José é o nome de todos(as) nós! A grandeza de José está na sua humanidade: estágio a ser atingido por todos como meta de ser da Vida como Dom. O nome mais simples, sombrio, sonhador, corrigido que possibilitou o nome mais Belo: Maria! Da aliança de ambos nos foi revelado o nome de JESUS Menino. O mesmo que é Cristo Homem, morto e ressuscitado. Bendito seja o Seu Nome! Evangelli Gaudium: a alegria do evangelho: está entre nós!






LEVANTA-TE, TOMA O MENINO E SUA MÃE

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
Duas vezes, ouve José a voz do enviado de Deus que lhe diz: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe”. Uma, para fugir para o Egipto. Outra, para regressar às terras de Israel. A primeira, porque o Menino corria perigo de vida. A segunda porque Herodes, o perseguidor, havia morrido. E José acolhe prontamente a ordem recebida e, com obediência confiante, dá-lhe seguimento.
Não hesita nem se queixa, apesar do nascimento ter sido há tão pouco tempo, da fragilidade do Menino, da debilidade de Maria. Não teme a noite, nem a incerteza e o cansaço da viagem. Dócil e ousado, faz-se ao caminho. Que belo exemplo nos deixa: prontidão em ouvir, generosidade em arriscar, disponibilidade para agir, fidelidade em obedecer, discernimento para acertar, cuidado solícito em salvaguardar a sua família. José, movido pelo amor, realiza a missão recebida.
A fuga e o regresso, facto com algum fundo histórico, mas sobretudo simbólico e teológico, são aproveitados por Mateus para fazer uma excelente catequese sobre Jesus e a sua família. José, o esposo de Maria; Maria, a Mãe do Menino; Jesus, o filho de Deus, todos unidos pelo mais fiel amor, pela maia profunda comunhão, pelo maior desejo de fazer o que o enviado de Deus havia anunciado como promessa e, agora, se realiza neles e por eles.
Para Jesus tudo converge e dele tudo dimana: a plenitude dos tempos da comunicação de Deus aos homens, os cuidados de Maria e de 
José, a exuberância dos cantares dos anjos, a visita apressada dos pastores, a longa peregrinação dos reis sábios. Ele é verdadeiramente o centro das atenções de todos e de tudo. Até as estrelas brilham com novo fulgor e as ofertas com simbolismo mais rico. Realmente a manjedoura do curral dos animais faz-se a primeira casa de Jesus. No nascimento do Menino, é envolvido o próprio universo e redimensionado o curso da história.
A noite surge como o tempo privilegiado para o agir de Deus: Acontece o Natal, dá-se a fuga de José com a sua família para o Egipto, donde regressa após ter sido avisado em sonhos. Estranho modo de proceder. Para nos alertar e interpelar. Ao longo da vida de Jesus, a noite brilha com novo fulgor. As trevas são dissipadas pela luz de Cristo. A escuridão dos espíritos é iluminada pela verdade que liberta e pelo amor que humaniza, a vida é dignificada, a família protegida, a paz alicerçada na justiça. A noite contém encantos que urge decifrar e apreciar. Até a noite mística, a dos sentidos espirituais.
José toma o Menino e sua Mãe. Bela realidade que nos deixa encantados. Toda a criança tem pais conhecidos, sobretudo tem mãe, a sua mãe. A sua e não outra. A experiência de relação e de pertença é estruturante do ser humano. Sem esta, por melhores que sejam as substituições, fica empobrecida a natureza filial e definhada a ternura materna. Feliz a família que sabe acolher os filhos, criar-lhes relações de apoio estabilizador, acompanhá-los no desabrochar da verdade e dar-lhes alento às “asas” da liberdade para voarem, mantendo acessível e encorajante o rumo da vida digna.







sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A NOIVA DE JOSÉ É A MÃE DE JESUS


Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Maria e José são noivos. Têm um projecto de vida definido e estável, de amor mútuo fiel e definitivo. Sabiam o que pretendiam e observavam as normas que configuravam o seu estatuto na sociedade judaica. A sua opção pelo casamento era reconhecida oficialmente. Viviam o sonho feliz de constituir uma família. Apenas aguardavam o tempo de receber, segundo os ritos religiosos, as bênçãos de Deus, de celebrar com os familiares e amigos a festa do amor recíproco, de iniciar a vida em comum e a convivência na mesma casa. Que actualidade mantém este modo de viver o noivado, de fazer os esponsais, de se inserir na sociedade, de ser membro da comunidade religiosa e cristã!
É neste projecto de vida que ocorre o “inesperado”. O enviado de Deus convida Maria para ser a Mãe de Seu filho. Esta faz perguntas e recebe respostas que a levam a assentir. E entrega-se incondicionalmente a esta sublime missão. José, seu noivo, fica perplexo. Não sabe que fazer. Sofre em silêncio o desconforto em que se encontra. Congemina saídas airosas e legais. Quer salvaguardar o mais possível a honra da sua noiva. A sua atitude é compensada num sonho em que o enviado de Deus lhe dá explicações de tudo.
Estas explicações constituem uma excelente catequese sobre Jesus, catequese desenvolvida na comunidade de Mateus. E que exemplo nos dá quando temos de tomar decisões: não se precipita, pondera, escuta a voz de Deus, salvaguarda princípios éticos e religiosos, acolhe conselhos clarificadores, vence perplexidades, toma a melhor solução. Que lisura de consciência, humildade de coração, transparência de atitudes!
Não temas, José! É obra de Deus o que está acontecer em Maria, tua noiva. O menino que vai nascer é fruto do Espírito Santo e tu dar-lhe-ás o nome de Jesus, colocando-o na linhagem de David. Ele será o salvador do povo, libertando-o dos seus pecados. Tudo isto é o cumprimento da promessa anunciada pelo Senhor. E José deu o nome a Jesus, deixando-nos a indicação de que também nós estamos chamados a fazer brilhar em cada palavra e gesto, pela presença e pelo olhar, a
salvação - contida no nome - que Deus nos oferece e pretende realizar.
José, homem bom e justo, acata a explicação dada e, cheio de convicção e amor, aceita incondicionalmente esta reorientação do seu projecto de vida. E daí em diante, o seu agir é mais eloquente que o seu falar. Acolhe Maria em casa, como mandam as normas rituais, vela pela novidade que está a tomar corpo, procede em tudo como o responsável pelo “bom andamento” do que Deus havia iniciado e, tão solicitamente, lhe confiara: acompanhar o nascimento, garantir o sustento, educar com desvelo, ensinar a arte do trabalho e da convivência, rezar a Deus, em família, participar na oração da sinagoga e nas peregrinações ao Templo. E, quando a missão está cumprida, adormecer na paz do Senhor a quem se doará inteiramente.
Obrigado, José noivo de Maria, a Mãe de Jesus. Deus faz-se humano para nos ensinar a ser verdadeiramente humanos. Deus está connosco na vida de cada dia, nas actividades e nos divertimentos, nos laços de comunhão familiar, nos gestos de
bem-fazer, na ternura do olhar e na franqueza do sorrir. Deus está connosco na doação generosa, na certeza de um futuro melhor, que desde já começa a desabrochar. Obrigado José pelo teu silêncio fecundo, pela tua confiança sem limites, pelo teu testemunho exemplar.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Deus Quotidiano

 
Pe Pedro José  | Justiça e Paz – Aveiro
“O evangelho vivido com verdade e enunciado com alegria
não se leva aos outros apenas com palavras.
O evangelho ama e entusiasma.” D. António Francisco.

      A «nossa» Missão Jubilar está em processo de avaliação. Graças a Deus e a todos, desde os mais empenhados até aos que foram arrastados, não esquecendo os mais distraídos e mesmos os-não-colaboracionistas-por-princípio, até aos que viveram a Missão Jubilar de forma inteiramente apaixonada. Todos com exceção! A Missão Jubilar foi exigente, coerente, comunitária e, talvez, incompatível com uma Igreja fechada sobre si mesma na doutrina, quanto à sobrevivência num mundo indiferente e cruel.
       Uma “nova” igreja e um “novo” mundo só serão «viáveis» através do «Evangelii Gaudium». Uma anedota contextualizada diria: “Tenho uma boa e uma má noticia para dar… esta acabou e brevemente vai começar outra”. Qual é a boa notícia? Qual é a má notícia? Nós saberemos do nosso (des)compromisso. Deus é paciente connosco, doutro modo não tolerava o telejornal! «A Lei Nova é sempre a Lei Antiga não cumprida».
      As «bem-aventuranças» são as afirmações de que Deus se faz quotidiano de modo absoluto. Será o acesso definitivo à mística da nossa existência, numa vida inteira para os outros, apesar de todo o sofrimento cruel e injustificado. Essa catequese popular e comunitária, feita da base para as bases, feita do evangelho professado para o evangelho encarnado: é um tesouro que não pode ser desbaratado. Que fizemos nós cristãos da herança não reclamada da santidade? Ler, meditar e viver, a conta-gotas, sem nunca ficar saciado, a passagem de Mateus 5,3-12. Um dia destes - «hoje é o dia» - sem deixar de querer, mesmo sem sol, junto da sua família (natural ou adotada) na sua comunidade (de referência ou de preferência), ou então, em plena rua (sua e dos outros), saberá qual é o segredo de Deus. Fará a seu modo o elogio do natal mais humanizado.
      O Deus do quotidiano, está em nós, dentro de nós e é tão próximo, quanto solidário e pacificador. A nossa identidade é alimentada pela confiança neste Deus quotidiano. Nas coisas simples e directas que todos podemos realizar para um mundo melhor. Não desconfiemos da capacidade própria nem das iniciativas alheias. O Deus quotidiano comunica-se e exige que ninguém se considere ou seja considerado, socialmente «incompetente» ou «inútil», isto é, incapaz de uma integração social. Os que, por causas traumáticas da infância, causas naturais (hereditárias, genéticas…) ou choques sociais (desemprego, falência, crise familiar…) desestruturam ou não consolidam a sua identidade: a todos esses o Deus Quotidiano se professa no viver humano digno.
      O Deus Quotidiano diz através de nós: Pai Nosso e Pão Nosso! Sem distinções nem discriminações. Este é o Deus de Jesus Cristo vivido no calendário da História. Onde todos os dias são caminho de santificação. Sem medo, vergonha ou preconceito. Um Deus como Outro Absoluto, mas sempre encarnado em histórias e rostos diários. O «dia-a-dia» da Fé é ocasião de Queda e Pecado, mas oferta e dom de renovada Graça inspiradora. Todos os dias nos tornamos cristãos. Pedimos forças para o Caminho. Continuemos com “o” espírito-da-missão-jubilar a sermos inconvenientes ou extravagantes, no que toca e convoca ao Amor e à Liberdade, das Bem-Aventuranças, e seremos, sem dúvida, mais felizes porque mais para os outros, de quem nos aproximaremos pelo Serviço (social e evangélico).





quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

SEJA FEITO O QUE DEUS QUER

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
 
A resposta de Maria ao convite/apelo que Deus lhe faz, por meio do enviado celeste, para ser a mãe de Seu filho condensa-se neste “seja feito o que Deus quer”. É resposta de entrega total, após diálogo esclarecedor que vence medos, dissipa dúvidas, gera certezas e rasga horizontes de felicidade. É resposta de sintonia perfeita e de inserção plena no projecto de salvação que, desde há muitos séculos, estava em curso. É resposta de confiança absoluta na fidelidade de Deus às promessas da aliança outrora celebrada. É resposta envolvente de quem, como Maria, se coloca nas mãos de Deus e quer servir, livre e generosamente, os agraciados e amados por Ele, a humanidade toda.
A atitude de Maria contrasta radicalmente com a de Adão e Eva que pretendiam ser senhores exclusivos da vida e juízes da moralidade do agir humano, ditando a seu bel-prazer o que é bom e o que é mau, prescindindo da matriz ética de toda a natureza que Deus lhe imprimiu. É a autoafirmação do livre arbítrio, o culto do parecer subjectivo, a proclamação do gosto inacabado e ousado, da satisfação imediata. É atitude que permanece com actualidade flagrante.
O anjo não faz apenas o convite/proposta. Apresenta os traços principais do filho a nascer: Tem por nome Jesus, isto é, Deus salva; será Filho do Altíssimo, herdará o trono de David, reinará para sempre. Estes traços aparecem nos livros sagrados e Maria certamente conhecia-os. Então eram promessa; agora são realidade. Então estavam dispersos por várias figuras; agora concentram-se na pessoa de Jesus.
Lucas, o autor da narrativa, sintetiza deste modo uma das mais belas e expressivas catequeses sobre Jesus que as comunidades primitivas faziam. E à luz de Jesus que se compreende a grandeza de Maria, a pobre aldeã de Nazaré. Deus revela os seus critérios de intervenção: escolhe os disponíveis, não os ocupados; os humildes, não os soberbos e poderosos; os ousados na confiança e abertos à aventura, não os instalados nas rotinas do “sempre foi assim”; os de vida honesta e de palavra honrada, não os “camaleões” ou “vira-casacas conforme o interesse predominante.
“Tal Filho, tal Mãe”, pode com verdade dizer-se de Maria, a Mãe de Jesus, filho de Deus. A sua grandeza é reconhecida desde sempre e, ao longo dos tempos, é proclamada oficialmente pela Igreja, ora em canções e devoções populares, em invocações de bênção e protecção, em santuários de peregrinação, ora em actos solenes e documentos formais do magistério eclesial. Pode afirmar-se que ao silêncio eloquente de Maria na sua vida terrena corresponde o povo crente com uma abundância expressiva de manifestações exuberantes que proclamam as maravilhas de Deus nela realizadas.
O húmus da Nação Portuguesa está impregnado de amor a Nossa Senhora, sob diversas invocações. Desde a Senhora de Olivença, em Guimarães, berço da nacionalidade, passando por Aljubarrota e Vila Viçosa, marcos indeléveis da nossa independência, por Santa Maria de Belém, em Lisboa, até Fátima com a Senhora do Rosário a indicar o caminho da humanidade para acabar com a guerra e viver numa paz duradoura, segundo o Coração de Deus. Portugal agradecido proclama-a sua padroeira e rainha, com o título de Nossa Senhora da Conceição e celebra festivamente este acontecimento histórico.







quarta-feira, 20 de novembro de 2013

HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Jesus responde com esta certeza/promessa à súplica do condenado à morte que está crucifixado à sua direita. A súplica brota do reconhecimento da inocência de Jesus, injustamente sentenciado. Não assim ele e o seu parceiro de aventuras malfeitoras. “Lembra-te de mim quando vieres com a tua realeza”, pede confiante, após ter censurado o colega pelos insultos e imprecações que vociferava.
“Lembra-te de mim” é prece que tem sentido profético e ecoará por todo o tempo, fruto dos corações silenciados pela violência torturante, pela fome e pelas doenças esgotantes. Os países mais pobres do mundo ou mais fustigados pelos cataclismos ocupam, hoje, o lugar e erguem a voz daquele condenado: Somália, Sudão do Sul, Haiti, Bolívia, Filipinas, República Centro Africana; a onda dos imigrantes indocumentados, dos sem trabalho nem quaisquer garantias sociais, dos doentes sem apoio médico e medicamentoso, dos idosos descartáveis, dos escravizados, das crianças sujeitas às mais vis sevícias e tantos outros “perseguidos” pela indiferença de muitos e pelas garras do poder. Escutar e dar resposta é respeitar a humanidade, viver a solidariedade, potenciar a fraternidade. E está ao alcance de todos, sobretudo de quem, autorizado pelo povo, detém o poder. Sejamos humanos, escutemos os gemidos dos nossos irmãos!
“Hoje estarás comigo” é garantia dada por Jesus, o agonizante que, em breve, iria morrer e ressuscitar. Estar com ele participando do seu reino, da sua felicidade repartida ao longo de toda a vida em missão e, agora, prestes a entrar numa dimensão qualitativamente diferente. Estar com ele deixando-se cair nos braços do Pai como o filho pródigo que regressa a casa, Estar com ele confiando como os leprosos que mendigam a cura sanadora e como Madalena que chora os seus pecados. Estar com ele entregando-se sem reservas para ser conduzido ao paraíso como a ovelha tresmalhada e encontrada que, aos ombros do seu pastor, é transportada e reconduzida ao rebanho.
O reino de Jesus visualiza-se na novidade que estas situações indiciam: apreço pelo sentido da vida, abertura ao futuro de Deus que, por sua bondade, será também o nosso, relação filial com Deus e fraterna com todos os/seres humanos, serviço generoso adequado à necessidade de cada pessoa, sobretudo dos mais vulneráveis, respeito por todas as criaturas e por toda a criação. Enfim, a harmonia do universo!
O reino de Jesus é realizado germinalmente e por antecipação na sua vida terrena. A festa de Cristo Rei celebra esta feliz novidade: O amor que se faz serviço até à morte de cruz, a afirmação clara da verdade integral, a riqueza dos silêncios bem geridos, a paixão firme pelo bem-estar dos outros, a bondade e a misericórdia para com todos. Um Rei que desvenda horizontes humanizados a todos os que querem servir o povo organizado em sociedade, sociedade aberta ao futuro definitivo que já brilha, de modo exemplar, em Jesus Cristo e nos santos, seus amigos e nossos modelos.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

PELA PERSEVERANÇA, ALCANÇAREIS A VIDA PLENA


Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
Jesus e os discípulos estão nas imediações do templo de Jerusalém, termo da sua caminhada missionária iniciada na Galileia, Conversam sobre a majestade, a beleza e a consistência do que vêm. Estão maravilhados e cheios de confiança. Contemplam a afluência de pessoas devotas que vão lançar as suas ofertas nas caixas do tesouro. Sentem um orgulho compreensível pela história e funcionalidade do centro de peregrinação “nacional” aonde todos acorrem.
Jesus, bom observador e insigne pedagogo, aproveita este cenário para fazer um dos seus ensinamentos mais expressivos sobre o valor do tempo presente numa perspectiva do futuro definitivo, sobre a atitude fundamental a cultivar na esperança activa e perseverante, sobre os comportamentos corajosos, alicerçados não na fragilidade humana, mas na convicção consistente de que o Espírito de Jesus estará presente e actuante.
As surpresas e contrariedades serão incontáveis: Templo destruído, notícias falsificadas, anúncios alarmistas, fenómenos espantosos, perseguições de morte. Jesus indica aos discípulos a disposição e a atitude que, nestas circunstâncias, devem vivenciar: aproveitar para dar testemunho da fé que os anima, acolher a sabedoria que lhes será concedida, estar sempre vigilantes e interpretar o que vai acontecendo, manter-se firmes na esperança do novo que há-de surgir, resistir até à exaustão, ser perseverante na confiança de que, em seu nome (de Jesus) alcançarão a vida plena.
Esta visão do futuro alicerça-se em realidades históricas que os discípulos tinham presenciado e estavam a viver. O templo é pilhado e arruinado, aquando da invasão de Jerusalém pelas tropas de Tito ( pelos anos 70). A população é subjugada e muitos judeus são trucidados. A hostilidade para com os cristãos é crescente e converte-se em atitudes frontais que chegam à perseguição e à morte.
Jesus alarga os horizontes a esta experiência marcante para os discípulos e exorta-os à resistência não violenta, à paciência activa, à resiliência confiante na superação do caos e na construção de um mundo novo, gérmen da salvação desejada. Exorta-os a fixarem o seu olhar na meta do futuro e a trabalharem com determinação na transformação do presente. Aqui e agora, lançamos as sementes do mundo novo que tanto desejamos.




quinta-feira, 7 de novembro de 2013

PARA DEUS, TODOS ESTÃO VIVOS

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
Afirmação clara e conclusiva que desmonta a armadilha que os saduceus lançaram a Jesus e que visava ridicularizá-lo em púbico. Alegre notícia, portadora de fé e de esperança, para o coração humano inquieto com o futuro da vida.  Mensagem encantadora que desvenda o rosto autêntico de Deus, o Senhor da vida, no qual todos vivem para sempre. Resposta feliz e apelo solícito que partem de Jerusalém e, ao longo da história, se prolonga por todo o mundo, despertando energias adormecidas em toda a humanidade abrindo-lhe horizontes novos e definitivos.
O grupo dos saduceus configura, de algum modo, o conjunto de pessoas que pretende garantir a sobrevivência do ser humano por meio da descendência. E daí, apoiados na lei do levirato (cf. Dt 25,5-10), a historieta que inventam. Morre o marido e não deixa filhos. Como fazer para que os bens não se dispersem e, sobretudo, a sua memória perdure longamente? A resposta encontrada esgota as hipóteses plausíveis. Sete é número de plenitude. A descendência é a forma mais nobre encontrada pela razão humana, superando modos muito apreciados por outras culturas: plantar árvores, gravar nomes em pedras, construir monumentos, escrever pergaminhos ou livros. Esta diversidade põe em evidência a aspiração fundamental do ser humano que nasce para viver e não para morrer, para conservar a sua integridade original e não para se dissolver na podridão final.
Esta aspiração vital é satisfeita plenamente na comunhão com o Deus da vida de que fala Jesus. Para Ele todos estão vivos. A prova-lo fica o testemunho dos patriarcas e do próprio Moisés, que havia prescrito a lei do levirato.  A razão é simples: se eles estão em Deus fonte da vida, todos vivem, todos participam desta fonte inesgotável.
Alguns saduceus, ao ouvirem o ensinamento de Jesus, comentam: “Foi uma boa resposta, Mestre” e sobre o assunto ninguém mais tem coragem de fazer qualquer outra pergunta. Para os discípulos a questão é assertiva e estimulante. A vida humana, sendo nossa por natureza, é dom de Deus, sagrada, portanto. A natureza pessoal tem ritmos no tempo e vai-se consumindo. Chega a hora de passar ao ritmo novo e definitivo, qualitativamente diferente: o ritmo da vida eterna, da comunhão plena na família de Deus, onde se encontram todos os humanos que deram resposta positiva, embora com modalidades muito plurais e diferenciadas, ao amor que Deus nos tem. Buscar outras saídas para o nosso futuro pessoal e colectivo é fruto apreciável da razão humana que fica sempre às portas do grande mistério, desvendado por Jesus na magnífica resposta que dá aos saduceus.
A única morte que Deus conhece é resultante do pecado, recusa consciente e livre do amor que Deus nos tem e se manifesta em opções indignas da sublime condição humana revelada por Jesus Cristo. Recusa que desvirtua o projecto original com práticas de mentira em vez da verdade, de corrupção em vez da integridade, da marginalização em vez da inclusão, da aversão e do ódio em vez do acolhimento e do amor.
Para Deus, todos estão vivos. Alegre notícia a comunicar a todos. Verdade sublime a envolver-nos em tudo.











segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Mensagem à Diocese–D. António Francisco, Bispo de Aveiro

AF
 
Um mês depois
Na mensagem dirigida à Diocese no mês de Outubro, a minha primeira palavra voltava-se para Deus pedindo-Lhe bênção e ajuda para o Senhor D. António Marcelino. Um mês depois dirijo-me ao Senhor D. António Marcelino para que agora, junto de Deus, seja ele nossa bênção.
Quero agradecer a todos quantos cuidaram com desvelo do Senhor D. António Marcelino, durante a doença, e o acompanharam com dedicação, desde a família, aos sacerdotes e diáconos, aos médicos e enfermeiros, aos capelães e funcionários hospitalares. Expresso igual gratidão a todos quantos no momento da sua morte testemunharam, de formas tão próximas e atentas, presença de dedicação e de oração.
Todos esses gestos, que o coração de Deus guarda e recompensa, significam uma justa e merecida homenagem ao Senhor D. António Marcelino e testemunham uma sentida e sincera comunhão com a Igreja de Aveiro.
No próximo dia 9, precisamente um mês após a sua morte, vamos recordá-lo na evocação que o ISCRA (Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro) vai fazer e na reflexão sobre o pensamento social da Igreja no magistério do Senhor D. António Marcelino que a Comissão Diocesana Justiça e Paz vai promover. Concluiremos esse dia de evocação e de homenagem com a Eucaristia celebrada na Sé de Aveiro, às 19 horas.
Caminhada das bem-aventuranças
De 10 de Novembro a 25 de Dezembro, vamos viver, em união de toda a Diocese, a caminhada das bem-aventuranças. A proposta desta Caminhada pretende envolver cada um dos cristãos da Diocese: famílias, paróquias, serviços e movimentos diocesanos, bem como todas as comunidades religiosas aqui presentes.
As bem-aventuranças são mensagem central da boa nova de Jesus e escola onde o mundo deve aprender a ser mais justo, mais fraterno e mais feliz. Cada um de nós é importante para viver comprometido e empenhado na realização de gestos de misericórdia, mansidão, paz, fraternidade, escuta…porque este é o caminho da verdadeira felicidade. Neste caminho nunca vamos sozinhos…nunca estamos sós. Caminhamos como Povo de Deus e somos Igreja de Cristo. “Na barca da Igreja, eu sou…”.
O arco do tempo que envolve esta etapa da Missão Jubilar abre-nos à dinâmica do Advento; centra-nos na celebração do Dia da Missão e do Dia da Memória e orienta-nos para a alegria do Natal de Jesus. Daqui se vai projectar, continuar e ampliar no tempo o horizonte da vida e o dinamismo da acção pastoral da nossa Diocese a partir da Missão.
Ao fazermos de “redes e peixes” os símbolos desta Caminhada pastoral sabemo-nos chamados e sentimo-nos permanentemente enviados em missão com ousadia profética e novidade evangélica. “Faz-te ao largo; e vós lançai as redes para a pesca” ( Lc, 5, 4).
Felizes os chamados
Como primeiro momento da Caminhada das bem-aventuranças temos, de 10 a 17 deste mês, a Semana de promoção vocacional. Situa-se esta semana na semana dos Seminários. Aberta a todas as vocações e abrangente no seu espírito e programa, a Semana Vocacional volta-nos, de forma explícita e directa, para a vocação presbiteral.
Deus continua a interpelar muitos jovens. O desafio à radicalidade da vida e a vocação à missão caminham a par. Importa semear no coração humano a questão: “O que Deus quer de mim?”
Esta questão é uma interpelação incontornável. Mais do que uma pergunta que sou convidado a fazer, é o início de um processo com sentido e de um projecto de resposta que sou chamado a dar.
Esta é a hora do chamamento, a hora da vocação. Esta é a hora para escutar, para responder, para caminhar. Para muitos esta é a hora de descobrir a vontade de Deus e de iniciar um caminho! Para outros esta é a hora de prosseguir com acrescida alegria o caminho já iniciado!
Na génese do chamamento e no centro da vocação está sempre Jesus. Só em Jesus encontraremos a força da generosidade e o segredo da fidelidade: “Senhor, quero o que Tu queres, mesmo sem saber se posso, mesmo sem saber que quero”.
Jesus chama pelo nome. Um nome dito no silêncio. Escutado e entendido por entre outras vozes. Ouvido com a surpresa inicial dos profetas e seguido com a confiança espontânea dos apóstolos, que “deixaram as redes e seguiram Jesus”.
Esta Semana Vocacional destina-se a cada um de nós. A vocação não é uma questão alheia. Não se trata de uma causa neutra. Não é uma realidade ausente. A vocação traz a marca da identidade de cada um de nós.
Que seja uma semana de oração intensificada, de silêncio valorizado, de atenção redobrada, de generosidade efectiva e de coragem assumida para ouvir a voz de Jesus e seguir os Seus caminhos!
Peço aos sacerdotes, nesta semana e a partir daí, um aumentado entusiasmo no testemunho da vocação e na generosidade do ministério. Dos consagrados (as) espero a certeza da oração e o exemplo da alegria de vidas dadas a Deus para o serviço da Igreja e para o bem do Mundo. Convido os seminaristas e todos os chamados a caminharem alavancados na força da fé e ancorados em Deus que «chama porque ama». Nas famílias e nos jovens esperamos encontrar sempre a abertura de coração aos horizontes imensos da missão a que Deus os chama.
Confio à Igreja de Aveiro um permanente louvor ao Senhor pelo testemunho dos chamados e uma constante oração de súplica para que Deus continue a enviar trabalhadores para a sua Messe.
Ordenação de Presbíteros
Temos inscrito, desde início, no frontispício das nossas Igrejas o lema da nossa Missão Jubilar: “Vive esta hora!”.
Este lema entrou no nosso coração e afirma-se na verdade e na alegria do nosso viver como Igreja diocesana. Vamos viver esta hora, com particular e desde há muito esperada alegria, no próximo dia 17, às 16 horas, na Sé de Aveiro. Vamos, desde já, envolver de oração, de afecto e de esperança os diáconos Leonel Abrantes, Nuno Queirós e Vítor Cardoso, que vão ser ordenados presbíteros.
Eles são chamados por Deus para permanecer com Jesus e unidos a Ele. Com eles, somos todos convidados a regressar à fonte do nosso chamamento e daí partir e repartir, com renovado encanto, para a missão. É a «vida em Cristo», graça e sinal indelével do sacramento da Ordem, que garante a eficácia apostólica e a fecundidade da missão.
Ungidos e enviados em hora de Missão Jubilar, os novos sacerdotes sabem que há tanta gente à espera…à espera do Evangelho! Há tanta gente à procura…à procura de Deus!
Convido toda a Diocese a estar, a partir de agora, com estes ordinandos na comunhão do afecto e na certeza da oração; a acompanhá-los na celebração da ordenação; a incentivá-los na coragem e na fidelidade.
Vive esta hora”, Igreja de Aveiro, como hora de Deus, hora feliz para todos nós, hora de bem-aventurança para o Mundo!
Aveiro, 4 de Novembro de 2013
António Francisco dos Santos, bispo de Aveiro






























segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Como dizer a oração: ensaio meditado.


Pe Pedro José | Justiça e Paz – Aveiro

“Devemos dizer frases verdadeiras”,
Ingeborg Bachmann (1926 - 1973).

Jesus como mestre de oração. Conhecedor do coração nas suas luzes e sombras. Sabe que a soberba e a falta de amor são realidades sérias e que não podem ser disfarçadas, adiadas ou negadas. Nem estorvo, nem oráculo, nem assombro. Apenas brisa, beijos e lágrimas. Rezar a publicidade anti-tipo: “Olhe à sua volta. Ainda acha que não precisa de um arquitecto?”[1]
Na sua história: duas são as personagens "visíveis": o fariseu[2] e o publicano[3], que procuram na oração uma “relação”. A oração é isto: relação, comunicação de coração, com Deus. O terceiro personagem, não visível, mas presente. Estamos-diante-de-Deus. Eis o desafio da oração. Orar não é apenas estar diante de um espelho. É um jogo de espelhos, frente a frente, sob o fundo do Infinito. Há um búzio cósmico no nosso interior. É nos olhos da Fé que seremos vistos como Deus nos criou. É o esforço do Sentido[4].
Não devemos pedir nada além de Deus. Deus Ele mesmo é o “objecto, o meio, o contexto-situação, a possibilidade e o limite, e o verdadeiro fim” da (nossa) Oração. Deixar que Deus nos «diga» dentro do nosso rezar. Abrir a consciência a Deus. Nesse esforço de Sentido a vida fica aberta, escancarada diante do Absoluto. O mundo de pernas para o ar. Ninguém pode servir a dois senhores. Terá o pior de ambos. Temos de desejar a reconversão ao Deus de Jesus.
«Justificado», isto é, santificado. Melhor a caminho de. Sem mais. E no meio do Caminho a tentação é grande e poderosa. Ficamos presos na diplomacia do meio-termo. Deus quererá as nossas palmas? Sim e não. Deus quererá as nossas mãos vazias? Sim e não. Encontrar-se justificado é como a esponja que “bebe” a água toda. Assim a nossa santidade seja tocada pelo mundo das sombras. - Meu Deus que se faça Luz ao deixar que rezes através de mim!?
Entremos agora nós também no templo…, como “lugar sem tempo e espaço” da consciência-de-si-diante-de-Deus. Entrar pelas nossas sombras a Deus. Elogio da sombra humana, na Luz de Deus. Rezar-Lhe: “…pedimos-Te: ensina-nos a perdoar aos outros; e a nós mesmos, como TU nos perdoas”. A oração é profecia do Deus que não é espiado; mas admirado para além da obediência. Quando acordo pela manhã depois da longa noite escura – acerto o relógio… -, e estou ainda Contigo!
 
FONTES:
Reflexões: Ano C – XXX Dom do TC – Lc 18,9-14
cfr. ARMELLINI, Fernando, O Banquete da Palavra - Ano C, Ed. Paulinas, Lisboa, 1997, pp.487-495; cfr. JB Libânio, “Um Outro Olhar”, Volume VIII, pp. 164-165; cfr. GUERREIRO, António, “Os artistas e os engenheiros da mentira” In Público – Ípsilon, 25/10/2013, p.32; cfr. TEIXEIRA NEVES, Pe. Manuel Rodrigues, Kerigma, Edição Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 2008, p. 107;
cfr. http://www.ihu.unisinos.br/espiritualidade/comentario-evangelho/500068-domingo-24-de-outubro-evangelho-de-lucas-189-14, acesso: 26-10-2013.

[1] Cfr. http://www.trabalharcomarquitectos.pt/sobre, acesso 26-10-2013.
[2] Apresentemos o fariseu. Ele faz parte de um dos mais influentes setores do judaísmo. Demonstravam grande zelo pelas tradições teológicas e pelas práticas do culto. Mas muitas vezes a sua prática religiosa era vazia e externa, pelo que mereceram a admoestação de Jesus de sepulcros caiados! (Mt 23,27). Mas neste caso aparece um “fariseu” como justo e irrepreensível! Contudo vazio do amor gratuito e incondicional de Deus. Um ser altivo e fechado.
[3] Por sua vez, os publicanos eram judeus que cobravam dos seus irmãos de raça os impostos exigidos pelos romanos; arrecadando bastante dinheiro para si. Eles não eram queridos pelo seu próprio povo, e ainda eram considerados fora da lei. Isso fazia deles uns "marginalizados ricos". Mas neste caso aparece um “publicano”, vazio de si, ele próprio um devedor entre devedores. Um ser mestiço e aberto.
[4] “O filósofo Ludwig Wittgenstein recordava que «rezar significa sentir que o sentido do mundo está fora do mundo». Na dinâmica desta relação com quem dá sentido à existência, com Deus, a oração tem uma das suas expressões típicas no gesto de se pôr de joelhos. É um gesto que contém em si uma ambivalência radical: com efeito, posso ser obrigado a pôr-me de joelhos, condição de indigência e de escravidão, mas posso também inclinar-me espontaneamente, declarando o meu limite e, portanto, o facto de que tenho necessidade de Outro. A Ele declaro que sou frágil, necessitado, “pecador”, in Bento XVI, A Oração, Editora Paulus, p.15.















sexta-feira, 25 de outubro de 2013

SOU PECADOR, PERDOA-ME, SENHOR.


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro

Esta declaração e petição surge na parábola de Jesus narrada no fim da sua viagem para Jerusalém. É feita por um publicano, homem malvisto pelo povo devido à sua profissão de cobrador de impostos. Brota de um coração humilde e confiante em Deus compassivo e misericordioso. Fica na memória dos discípulos de Jesus como referência fundamental para quem quer reconhecer-se no seu ser mais autêntico e profundo. Entra na liturgia e é rezada com frequência no início da celebração eucarística/missa. E, com verdade, pode ser repetida muitas vezes por quem for honesto e leal consigo mesmo.
Jesus propõe a parábola para confrontar dois modos de nos relacionarmos com Deus retratados nas atitudes do fariseu e do publicano, as duas “classes” mais expressivas para os ouvintes. O fariseu representa a ortodoxia legal, fiel cumpridor (até com requinte) dos seus deveres, autossatisfeito na sua “burguesia espiritual”, displicente em relação aos demais porque não eram como ele. Apresenta-se cheio de méritos (pensa no íntimo do seu coração), relata tudo o que faz e espera ser reconhecido por Deus. Vive confiante no êxito da cobrança que a sua oração evidencia. Por isso, mantém-se de pé, rosto erguido, em lugar destacado. Bom retrato também para o nosso tempo, ufano de si mesmo e dos seus êxitos.
O publicano fica à distância, não ousa ultrapassar a entrada, bate no peito, prostra-se no chão, mantém o olhar de penitente e exclama: “Meu Deus, tende compaixão de mim  que sou pecador”. É toda a sua oração. Não explicita mais nada, nem cede às aparências. A lista dos seus pecados fica no silêncio do coração humilhado e contrito. Nem sequer ergue os olhos ao Céu.
A atitude do publicano é elogiada por Jesus. Não se compara com ninguém. Apenas se revê no espelho de Deus e dá conta de quão desfigurada está a sua dignidade original. Toma consciência da gravidade do seu pecado. Mostra a intensidade do seu desejo de ser perdoado. Quer recuperar a sintonia com o ritmo do pulsar de Deus. Espera confiante no amor misericordioso que é sempre maior do que os seus/nossos pecados.
A parábola, ao confrontar estas duas atitudes, evidencia a que Deus cada um se referia: o deus legalista, severo, justiceiro, juiz de acções e omissões, parcial e vulnerável a méritos adquiridos ou mesmo cobrados; ou o Deus terno e misericordioso para com as pessoas que se reconhecem na sua dignidade ferida e lhe suplicam amor e perdão; o Deus atento e compassivo, pronto para a benevolência e lento para a recriminação face a toda a espécie de prevaricações pois conhece bem “barro” de que somos feitos e quer mostrar-se até nas nossas debilidades.
A segurança espiritual está neste Deus amor e não em nós mesmos e nas nossas acções. O perdão é para todos e não apenas para uma elite aristocrática que colecciona méritos. Ser pessoa de Deus não é falar do divino com eloquência, mas cuidar bem do humano, com dedicação abnegada. E há tanto que fazer tal o clamor dos empobrecidos e vulneráveis, confiados por Deus à nossa solicitude diligente e ao nosso empenho constante por uma sociedade humanizada e por uma Igreja mais próxima e acolhedora

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FAZEI-ME JUSTIÇA, SENHOR


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro
O contraste é radical, embora não pareça. Surge na parábola “da pobre viúva e do juiz iníquo” narrada por Jesus a propósito da necessidade de fazer oração sem desanimar. Faz parte da sua pedagogia narrativa e visa provocar os discípulos. Manifesta a diferença abissal entre o proceder de Deus e o do juiz sem escrúpulos. Realça a figura da viúva incansável na procura da justiça que lhe é devida. “Retrata”, de algum modo, a situação actual.
Apesar de tantos profissionais qualificados pelo seu desempenho, é clamor generalizado contra o funcionamento da justiça: burocracia complexa, tráfico de influências, recursos fáceis e lentidão nos processos, adiamento de prazos, leis com “alçapões” de refúgio para os mais hábeis, custos avultados. A nível pessoal e internacional. O mundo está “doente” tal a grandeza e extensão do que acontece e é fomentado por interesses egoístas descarados ou ocultos.
A viúva é, na Bíblia, uma das figuras mais emblemáticas de quantos estão expostos à intempérie desapiedada dos prepotentes e gananciosos. Por isso, o seu clamor persistente e insistente dá voz a quem se encontra injustiçado, esquecido no seu infortúnio, privado dos seus direitos, atirado para as margens do “rio” da vida, sem abrigo de nenhuma espécie, atormentado por males sem conta. Por isso, pede sem descanso: “Faz-me justiça contra o meu adversário“, tantas vezes camuflado e insidioso.
Jesus, após a narração da parábola, faz a sua leitura teológica. Destaca a acção de Deus no seu proceder para com aqueles/aquelas que lhe suplicam. Garante que “lhes fará justiça bem depressa”. E conclui que é preciso ter fé, viver na confiança, entrar no ritmo do Pai que tem em curso a realização do seu projecto de salvação, aceitar os seus silêncios que nos fazem crescer na paciente espera. É preciso fazer oração sem desanimar.
Deus sabe ajustar-se ao curso da história, é justo e fonte da justiça. Este seu modo de ser e de proceder constitui a referência fundamental para o agir justo de quem faz leis, as interpreta e aplica, estabelece sanções para os prevaricadores e define modalidades de recuperação do direito ofendido. São mediações necessárias para Deus ir realizando connosco o seu projecto de edificar uma humanidade feliz, justa, equitativa. Daí, a responsabilidade comum, sobretudo de quem está investido nas funções específicas de “fazer justiça”. Daí também a urgência de nos ajustarmos a Jesus Cristo, o Deus connosco para bem de todos/as.                                  

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Uma vida que se lê


M.Oliveira de Sousa | Justiça e Paz – Aveiro
D. António Marcelino é um itinerário de leitura permanente.
Depois de uma vida intensa e atenta, partiu. Confia-nos um vasto património espiritual, intelectual, pastoral, social,… esteve onde foi preciso e foi além de sim mesmo para quebrar inércias, marasmo, lentidão.
Ficam as primeiras fontes de evidência de uma vida enorme nas páginas do Correio do Vouga, nas edições de “Pedaços de vida que geram vida”, na copilação “A vida também se lê”.
“Há acontecimentos e situações que vivemos, mas não nos pertencem só a nós. Há vidas destinadas a ser berço de acolhimento de graças para as repartir pelos outros.
Para este livro, escolhi vivências provocadas por gente que passou pela minha vida ou dela fez parte. Por vezes, gente simples e anónima, aquela que julgamos que nada tem para nos dar ou ensinar… Gente experiente de Deus com a qual me foi dado cruzar, nos caminhos da missão, e já neste longo tempo do meu peregrinar» destaca o Sr D. António Marcelino nesta nota-síntese para Pedaços de vida que geram vida.
Valorizava tudo o que era seguir em frente; destacava, enfatizava, discutia, dava melhor sugestão, envolvia-se e envolvia. Ao ponto de, pela força de convocar todos para ir mais longe, assumir “não morro nem que me matem”!
O respeito pelo Ministério e pelo Múnus impõem decoro, reverência nas referências connosco. Porém, não fossem esses imperativos, dir-se-ia que D. António Marcelino era uma pedrada no charco (evocando o título do registo com que denunciava as injustiças encontradas), uma força da natureza! Profundo em tudo, até nas coisas simples.
Ler a vida de D. António Marcelino, na profundidade de uma vida doada aos outros, à Igreja, é encontrar sementes do Verbo disseminadas por ele em nós, é reler o nº 33 da Lumen Fidei: no diálogo entre a fé e a razão, em D. António Marcelino, também Bispo para nós, como Santo Agostinho, encontramos um exemplo significativo deste caminho: a busca da razão, com o seu desejo de verdade e clareza, aparece integrada no horizonte da fé, do qual recebeu uma nova compreensão. Acolhe a filosofia grega da luz com a sua insistência na visão: o seu encontro com o neoplatonismo fez-lhe conhecer o paradigma da luz, que desce do alto para iluminar as coisas, tornando-se assim um símbolo de Deus. Desta maneira, Santo Agostinho compreendeu a transcendência divina e descobriu que todas as coisas possuem em si uma transparência, isto é, que podiam refletir a bondade de Deus, o Bem.




sábado, 12 de outubro de 2013

ELOGIO A QUEM AGRADECE


Georgino Rocha | Justiça e Paz – Aveiro

O elogio surge da boca de Jesus numa povoação onde passava a caminho de Jerusalém. Com ele, iam os discípulos desejosos de colher os seus ensinamentos. Sai-lhe ao encontro um grupo de dez leprosos que, em voz alta, imploram a sua compaixão. Jesus põe-nos à prova, encaminhando-os, de acordo com a Lei judaica, para os sacerdotes. E não diz, nem faz mais nada. No percurso, acontece a maravilha da cura. O grupo continua a viagem; mas um não, e regressa junto de Jesus para lhe expressar a gratidão pelo benefício alcançado. E este era estrangeiro, samaritano, de outra etnia cultural e religiosa, excluído das bênçãos prometidas aos Judeus.
Ao ver o sucedido, Jesus toma a palavra, censura o grupo pela falta de reconhecimento e pela ingratidão, fazendo ao mesmo tempo o elogio de quem, espontaneamente, vem à sua presença, dando glória a Deus em voz alta e assumindo atitudes de profunda humildade e agradecimento. Depois diz a este homem: “Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou”.
Os discípulos não participam no diálogo, apenas testemunham o facto tão contrastante com o preceituado na Lei. E certamente, como ocorre em outras ocasiões, ficam perplexos e pedem explicações. E não era para menos! Com eles, também nós precisamos de compreender o que está contido na cura dos 10 leprosos e colher a mensagem que Jesus quer transmitir.
A salvação é oferecida a todos, sem qualquer excepção. Salvação que abrange a pessoa toda: sensibilidade e razão, corpo e espírito, vida privada e pública, saúde e doença, tempo e eternidade. Salvação que se expressa na harmonia do ser em si mesmo, na boa relação com os outros, no uso correcto dos bens materiais, culturais e espirituais, no acolhimento e resposta a Deus, fonte primeira da vida e herdeiro único da humanidade.
A gratidão brota espontânea do coração sensível e fiel. É fruto do reconhecimento do benefício recebido, da dignidade alcançada, da pertença integradora restabelecida, da capacidade de andar “erguido” na vida, da valoração da fé alicerçada no encontro com Jesus Cristo na presença dos seus discípulos. A gratidão reveste muitas modalidades: dizer um obrigado oportuno ou um bem-haja sincero; fazer um gesto amigo e benfazejo; reunir-se em grupo ou assembleias e festejar eventos comuns; dar parabéns merecidos; celebrar as maravilhas de Deus realizadas por Jesus Cristo a nosso favor. É neste contexto que se situa a eucaristia e a importância de tomar parte na celebração/missa dominical.
Educar para o agradecimento merecido e viver em atitude de gratidão justa fazem parte da nossa comum humanidade, da cidadania cívica, do conviver respeitoso em sociedade, do viver a fé cristã em Igreja espelho e meio qualificado do agir de Jesus Cristo.       

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Obrigado, Sr Bispo! - D. António Marcelino (21 de setembro de 1930–9 de outubro de 2013)


LER A REALIDADE SOCIAL E A PRÓPRIA VIDA
D. antonio marcelino
Desde que o Vaticano II nos empurrou para uma Igreja fora de portas e para uma vida de confrontos, sempre senti a necessidade de ler melhor a realidade e a minha vida. F uma exigência de fidelidade à missão e de atenção ao que em mim se vai passando. É talvez momento para dar razão desta minha preocupação. No próximo fim de semana, se Deus mo permitir, completo 83 anos de vida e 38 de bispo. Há três meses somei, com alegria e gratidão, 58 de padre. Dirá o povo que idades de tal monta, constituem um bonito rol. E eu acho que assim é.
Não escrevo para narrar nostalgias e muito menos para me gloriar com o que vivo,   nem para me penitenciar pelo que não fiz ou fiz menos bem. Estas contas tenho de as acertar noutra instância.
Passaram pela minha vida mudanças sociais e acontecimentos que me foram ensinando a alegrar-me com os estão alegres e a sofrer com os sofredores. Abriu-se-me um mundo de oportunidades que me estimulam e me empurram. Sou emigrante desde criança. Doze anos na minha terra, outros tantos no Seminário, três em Roma, dezoito em Portalegre, pouco mais de cinco em Lisboa e há perto de trinta e três em Aveiro. Nunca me senti contrafeito, nem a mais. Gostei de estar onde estive. Aí regresso com uma alegria serena. Nunca vi que a minha presença fosse incómoda. Não me alvoracei com honras e encargos Nunca me senti triste ou vencido por não ser reconhecido ou pelo que não pude fazer ou as circunstâncias me lo vedaram. Vivo reconciliado com a vida e comigo próprio Sem inimigos. E amigos? Agora, talvez mais amigos do personagem bispo que fui, do que da pessoa do bispo que sou. De ontem ou de hoje os verdadeiros amigos não fazem distinções. São amigos.
Tudo isto vem a que propósito? É um testemunho a que a vida me aconselha. Tenho defeitos e qualidades. Procuro que as limitações me não levem a desistir e as qualidades me capacitassem para agir melhor e seguir em frente. É sempre a vida que comanda. Deus faz nela história connosco e, se deixarmos, faz história de salvação. Tive a graça de viver, como padre novo, o tempo do imediato ante concílio, do concilio e após concílio. Senti ao vivo a urgência de uma Igreja outra e do Povo de Deus como o grande obreiro do Reino; descobri o significado do Colégio Apostólico e da hierarquia como serviço; acordei mais para o dever de reconhecer e promover os leigos cristãos na sua dignidade e missão própria, na Igreja e no mundo; tomei consciência de que a santidade é vocação universal e dever de todos; vi com clareza a condição normal da Igreja peregrina,  evangelizadora e missionária por sua natureza e sempre em caminho de conversão:; agradeci a visão nova da liturgia, a descoberta da Palavra de Deus para os cristãos e as comunidades; vivi a novidade das novas relações da Igreja – Mundo; rejubilei com a abertura ecuménica e com a declaração sobre a Liberdade Religiosa; agradeci a Deus os Papas João XXIII pelo seu gesto corajoso, e Paulo VI pela sua lucidez e coragem…
Tudo isto me foi marcando para um rumo pastoral novo. Percebi cedo que a sorte do Vaticano II estava na mão dos bispos e dos seus colaboradores, clérigos e leigos. Procuro, então, que as minhas opções e da Igreja que sirvo, sejam inspiradas no Vaticano II. Assim desde o dia da ordenação episcopal, até hoje. Ao chegar a Aveiro, já marcado por lutas do PREC, encontrei em D Manuel, de que fui coadjutor, um verdadeiro bispo conciliar. Sempre nos entendemos bem. Falávamos a mesma linguagem e os planos e projetos pastorais não podiam ter senão uma inspiração, conciliar. Depois, dei-me por inteiro à promoção das vocações, à formação dos padres, dos leigos, e dos diáconos e à animação missionária. Procurei atender melhor, com a ajuda dos novos vigários episcopais, os consagrados, a educação cristã, a pastoral social, os movimentos laicais, a família, a pastoral geral e a abertura e diálogo da Igreja diocesana com o mundo. Procuramos, D Manuel e eu, “um só “como ele gostava de dizer,  que as instituições e serviços, então e depois criados, servissem o ideal conciliar: Casa Diocesana, Instituto Superior de Ciências Religiosas (ISCRA), Centro Universitário Fé e Cultura (CUFC), última fase do Stela Maris, recuperação para o património diocesano da antiga “casa do bispo”, agora sede da Cáritas, Carmelo Cristo Redentor, edifício da Cúria Diocesana, Colégio Diocesano de Calvão… De cariz e pedagogia conciliar, realizaram-se, a pedir atenção, o Sínodo Diocesano, o Congresso dos Leigos, os Dias da Igreja Diocesana, o Fundo Diocesano do Clero… Nada disto surgiu por acaso. É obra da comunidade diocesana, sob a orientação de quem a servia. Hoje. o Vaticano II, dada a realidade, clama pela urgência da sua inspiração e aplicação e da fidelidade ao essencial da missão da Igreja.
Aceite em 2006 a minha resignação, então com 76 anos, optei, por razões teológicas e efetivas normais, continuar na Diocese, agora como bispo de Aveiro emérito. Colaboro no Tribunal Diocesano, na formação de leigos e de consagrados, na imprensa diocesana, nas paróquias onde me enviam ou me chamam… Tenho ainda encargos a nível nacional. Não estou a mais, não faço sombra a ninguém. Sou irmão sempre disponível para o bispo diocesano, meu sucessor. Procuro ser memória histórica útil para a Igreja de Aveiro, que avança no tempo.. Para quem souber teologia e respeitar sentimentos, a minha opção é percebida e agradecida. Mia Coito põe na boca de um ancião africano esta palavra clarividente: “O importante não é casa onde moramos, mas onde em nós a casa mora”. A minha casa mora é o meu coração. Ai a guardo, desde o dia 1 de Fevereiro de 1981, um amor incondicional e irreversível. Este amor chama-se Diocese de Aveiro.
Último artigo de D. António Marcelino para o Correio do Vouga, de 18 de setembro de 2013
 
ALGUMAS DATAS BIOGRÁFICAS
1930
21 setembro – Nasce António Baltasar Marcelino, em Lousa, Castelo Branco, filho de Maria Cajado e Manuel Almeida Marcelino.
1942
Entra no Seminário Menor de Gavião. Os anos da Filosofia são feitos no Seminário de Alcains.
1950
No Seminário de Marvão, que funciona como Seminário Maior, fica tuberculoso, pelo que tem de interromper os estudos durante um ano. Tem o apoio decisivo de D. António Ferreira Gomes, de quem recebe as ordens menores.
1955
9 junho – É ordenado presbítero na Catedral de Castelo Branco, por D. Agostinho Moura. Reza Missa Nova no dia 12. Pe. António Marcelino vai para Roma estudar Direito Canónico, sabendo que, ao regressar, o espera o Seminário Maior de Portalegre, inaugurado em Outubro deste ano.
1958
Dá aulas de Direito Canónico, Teologia Moral, Missionologia, Acção Católica e Filosofia, no Seminário Maior de Portalegre.
Nesta época, introduz os Cursos de Cristandade na Diocese de Portalegre, depois de uma viagem a Espanha para estudar o seu funcionamento.
1961
Escrevendo nos jornais “Reconquista” (de Castelo Branco) e “Distrito de Portalegre”, publica neste ano uma série de artigos sobre a reforma agrária que causam grande polémica. Alguns dos seus textos de imprensa são cortados pela Censura.
1962-1965 -II Concílio Vaticano.
Pe. António Marcelino cria uma “comissão pré-concílio”, que recebe, traduz, adapta e divulga os documentos saídos da reunião magna dos bispos do mundo inteiro. Com outros colaboradores, forma uma escola de formação de leigos, com núcleos em Abrantes, Portalegre e Castelo Branco.
1969
Nomeado delegado de D. Agostinho Moura para a formação do Instituto Superior de Teologia e Humanidades, no Porto, onde estudam os seminaristas maiores de dioceses como Portalegre e Castelo Branco, mas também de Aveiro e de Vila Real.
1972-1975
Director do Secretariado Nacional da Pastoral, dependente da Conferência Episcopal Portuguesa.
1975
15 julho – Nomeado Bispo Auxiliar do Patriarca de Lisboa, com o título de Bispo de Cércina.
21 setembro – Ordenado Bispo na Catedral de Portalegre por D. António Ribeiro. Enquanto Bispo Auxiliar em Lisboa é responsável pela zona pastoral do Oeste (Mafra, Caldas, Torres Vedras…)
1975-81
Presidente da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais (dois mandatos). Está na origem do programa 70×7.
1980
Participa no Sínodo dos Bispos sobre a Família, em Roma, onde intervém sobre a “família e os meios de comunicação social”:
1980
19 dezembro – É nomeado Coadjutor do Bispo de Aveiro, sem direito a sucessão.
1981
1 fevereiro – Início do ministério episcopal de D. António Marcelino, em Aveiro
1981-87
Preside à Comissão Episcopal da Acção Social e Caritativa (dois mandatos). Neste período são criadas as jornadas de Pastoral Social, para formação dos agentes.
1983
8 setembro – D. António Marcelino passa a ter direito de sucessão.
1987-93
Preside à Comissão Episcopal da Família (dois mandatos), criando as jornadas de Pastoral Familiar.
1988
20 janeiro – Bispo de Aveiro.
Em Maio ordena os primeiros diáconos permanentes da diocese.
Realiza-se o Congresso dos Leigos e D. António anuncia a realização do II Sínodo Diocesano.
1989
Constituição do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro – ISCRA.
1990-1995
Sínodo Diocesano de Aveiro
1991
Participa no I Sínodo dos Bispos sobre a Europa.
É inaugurado o edifício do Centro Universitário Fé e Cultura, em Aveiro.
1992
Institui o Fundo Diocesano de Compensação do Clero.

1993-99
D. António integra o Conselho Permanente da CEP. É presidente da Comissão Episcopal do Apostolado dos Leigos, criando as jornadas e o Fórum da Acção Católica.
1999-2005
É vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa.
1999
Participa no II Sínodo da Europa (por eleição da CEP). As suas intervenções, ao lado do Cardeal Martini, então bispo de Milão, obtêm grande eco na imprensa internacional por ter sugerido que “o estatuto das mulheres na Igreja é uma questão por resolver”.
1999
Preside à visita “ad sacra limina” (visita que os bispos, por países, fazem periodicamente ao Papa), por impossibilidade do presidente da CEP, D. José Policarpo.
2000
O primeiro-ministro António Guterres impõe a D. António a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, atribuída pelo presidente Jorge Sampaio. A Câmara Municipal, posteriormente, atribui-lhe a Medalha de Ouro do Município.
2004
Conclusão do Sínodo sobre os Jovens de Aveiro
2005
10 a 12 de junho – Congresso Eucarístico, no encerramento comemoram-se 50 anos do seu Sacerdócio. Em dezembro, é atribuída a D. António a Medalha de Ouro da Universidade de Aveiro.
2006
24 setembro – Anuncia à Diocese o seu sucessor: D. António Francisco dos Santos.
2011
Vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé.
Publica o livro “Pedaços de vida que geram vida”.
2012
Publica o IVº Volume de “A vida também se lê”.
2013
9 outubro – Falecimento no Hospital Infante D. Pedro – Aveiro.

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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

CRESCER NA FÉ, VIVER NA CONFIANÇA


Pe Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Os discípulos de Jesus ao verem o seu agir e a sua determinação em prosseguir a missão, apesar de todos os contratempos, sentem-se necessitados de mais fé para assumir atitudes semelhantes e de maior confiança para enfrentar adversidades parecidas, surpreendentes. Querem ser coerentes e fiéis, mas o coração segreda-lhes algo que os ultrapassa. E surge a súplica que expressa a intensidade do seu desejo: “Senhor aumenta a nossa fé”.
Este modo de proceder manifesta que a fé brota do contacto com Jesus, da relação cordial com ele, do conhecimento da sua vontade, do envolvimento na sua paixão que não desiste de ir até ao fim. O amor a Deus Pai e a realização do seu projecto de salvação “comandam” todas as suas decisões e ousadias. Sem esta familiaridade com Jesus, a fé corre o risco de se desvirtuar, não tendo consistência nem autenticidade; corre o risco de se diluir e até desaparecer; corre o risco de dar lugar à indiferença e, mesmo, à hostilidade.
“Não nos tornamos cristãos com as nossas forças” – afirma o Papa Francisco no Twitter. “A fé é primeiramente um dom de Deus que nos é dado na Igreja e através da Igreja”.
Jesus atende o pedido dos discípulos e reencaminha-o de modo surpreendente. “Se tivésseis fé, como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: Arranca-te daí e vai plantar-te no mar, e ela obedecer-vos-ia”. O recurso ao grão, pequena semente, cheia de vigor, realça o contraste com o aumento pretendido. Não se trata de quantidades, mas de qualidade; não se trata de ter uma fé mais vistosa, mas de viver uma fé mais confiante e consistente.
A fé, que Jesus ilustra com a referida comparação do grão de mostarda, alicerça-se na Palavra de Deus que é sempre fiel e tem uma única medida: o vigor que a adesão cordial faz brotar no coração dos discípulos, adesão credenciada por uma atitude de serviço generoso e desinteressado.
A coerência de quem vive a fé em obras concretas brilha em tantos rostos humanos, sorridentes e felizes, em tantos voluntários de causas solidárias e fraternas, em tantos espoliados da sua dignidade que não desistem de a reivindicar, correndo riscos de morte. Infelizmente, também acontece o contrário.
A qualidade da fé é típica dos discípulos, mulheres/homens de Deus, cheios do Espírito de fortaleza, caridade e moderação – como lembra Paulo a Timóteo; preocupados em guardar o “tesouro” recebido e em mantê-lo íntegro; cheios de audácia evangelizadora em todas as circunstâncias, firmes e determinados na prossecução do ideal que aprendem do Mestre. É típica de quem assume conscientemente o baptismo e faz desabrochar toda a sua riqueza ao longo da vida.   

Um testemunho com ar purificado

 

Pe Pedro José |  Justiça e Paz – Aveiro 
Sem abertura ao futuro não se vive com esperança. Se vivemos apenas com o olhar no presente, não nos responsabilizamos por nada que virá depois, portanto não existe para nós a Vida Eterna. Nós todos somos seres vivos em débito. A nossa dívida corresponde ao Dom amoroso da fé. E o medo não pode ocupar o lugar da Confiança.
Eis o impasse a que nos conduz na nossa crise do presente. Com o presente doente não sobram perspectivas para o futuro. É preciso amar as pessoas como se houvesse amanhã com Esperança. Se o exercício e a graça da oração não têm amanhã de que serve rezar? Acreditamos que cada dia começa e acaba com a bênção de Deus, dentro da nossa responsabilidade assumida.
O Hoje vale pelo nosso esforço, reconhecido ou não. Dizem que o combate na vida vale mais que a vitória ou derrota. Queremos o bom combate pela Fé, que seja justo e pacificador. Assim o Amanhã saberemos que valerá mais em Deus. A nossa Fé em Jesus Cristo vem em socorro desta fragilidade que é precária. Rezamos pelo pão nosso de cada dia.
Quando falamos de «purgatório». Falamos da experiência do juízo diante da nossa Consciência e diante de Deus, quando percebemos quem somos de Verdade. Toda a Verdade que há em nós. Verdade da história, feita todos os dias ao longo da vida. O maior «purgatório» é o momento em que estivermos diante da Verdade de nós mesmos e diante de Deus. Tudo o que há em nós de egoísmo irá desaparecer. O «purgatório» é a experiência do Amor na Dor.
A fé cristã anuncia a Vida Eterna. Não confunde a dificuldade dolorosa do presente com ilusões. Entende o esforço de cada dia como «purificação», isto é, caminho de transparência e avaliação. Não nos deixa na expectativa, nem na impotência e nem vive na pura passividade.
Somos responsáveis, com seriedade e gravidade pelo Presente. Todavia carregamos dentro de nós, de modo humilde, a luz da eternidade que “ainda não” se cumpriu. Não esquecemos o Presente. Antes o valorizamos: purificando o que há de pecado em nós. Quando percebo um pouco desta verdade de Fé, ganho serenidade e ousadia de Comunhão. Pertenço a um Todo maior que o meu pequeno mundo.




quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Vaticano: Jornadas comemorativas assinalam 50 anos da «Pacem in Terris»


Encíclica de João XXIII vai estar no centro de reflexão sobre conceito de paz

Cidade do Vaticano, 02 out 2013 (Ecclesia) - O Conselho Pontifício Justiça e Paz (Santa Sé) promove entre hoje e sexta-feira as jornadas comemorativas dos 50 anos da encíclica ‘Pacem in Terris’ do Papa João XXII.
A iniciativa pretende promover uma reflexão sobre a atualidade dos conteúdos da encíclica e implementar as suas propostas no âmbito dos direitos humanos, do bem comum e da política: “Âmbitos em que existe a convivência pacífica entre nações e povos”, assinalou o cardeal Peter Turkson, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, ao apresentar as jornadas.
“De facto, mais do que teorizar sobre a guerra e a paz, o autor enfatizou o homem e a sua dignidade”, acrescentou o responsável.
Para o bispo Mario Toso, secretário do Conselho Pontifício Justiça e Paz, a encíclica publicada a 11 de abril de 1963 oferece “uma estrutura de pensamento e projeto político que liderou a Igreja e os crentes a comprometerem-se com temas sociais”, a partir dessa data com uma visão e proposta “realmente universais”.
O primeiro dia das jornadas aborda o aspeto educativo, em duas vertentes, na perspetiva da formação e da prática, explica o portal news.va.
60 diretores e professores de universidades católicas, dos cinco continentes, vão aprofundar e debater um tema considerado “crucial na atualidade”: a formação das novas gerações de cristãos comprometidos com a política.
Na quinta-feira vai refletir-se sobre as instituições políticas, as políticas globais e vão examinar a reforma da maior instituição mundial, a ONU.
Segundo o cardeal Peter Turkson, os trabalhos vão também dar a conhecer como se desenvolve a colaboração internacional nas grandes instituições políticas regionais, como o Conselho da Europa, a União Africana ou a Liga Árabe.
Neste dia, à intervenção dos especialistas juntar-se-ão representantes do “mundo eclesial” que vão apresentar “as instituições que reúnem as conferências episcopais nacionais transformando-as em organismos de dimensão continental”.
O dia final, sexta-feira, vai abordar ‘As novas fronteiras da paz’: A atualização da encíclica ‘Pacem in Terris’ é analisada considerando que 50 anos depois da sua publicação a realidade é diferente e não existe a tensão permanente da ‘Guerra Fria’.
Para o presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz, hoje, “os desafios” para a manutenção da paz são diferentes: “A liberdade religiosa e a perseguição dos cristãos; a crise económica mundial que é, acima de tudo, uma crise moral; a emergência educativa no campo dos meios de comunicação social; os conflitos cada vez mais frequentes sobre o acesso aos recursos; o uso distorcido das ciências biológicas que prejudicam a dignidade humana; as armas e a segurança”.
O cardeal Peter Turkson informou ainda que vai ser publicado um livro intitulado ‘O conceito de paz’, publicado para estas jornadas com a colaboração de estudiosos da área.
CB/OC











sábado, 28 de setembro de 2013

a riqueza é perigo para quem? - por Pe. Teixeira (1926-2007)


Pe Pedro José  |  Justiça e Paz - Aveiro
“Têm-se ouvido autênticas barbaridades sobre as riquezas, como se estas fossem as responsáveis por todos os males do mundo. As riquezas não são sujeitos imputáveis. As riquezas são um bem produzido pela Natureza. O bom ou o mau uso que delas podemos fazer é que nos podem levar a uma vida correcta ou dissoluta. O profeta Amós tem-nos vindo a catequizar nestes últimos dois domingos, sobre o caminho a seguir quanto ao seu uso. Infelizmente o homem ainda não aprendeu que o excesso, seja no que for, conduz a todas as anomalias que imaginar se pode. E o dinheiro não escapa.
A parábola do rico avarento e do pobre Lázaro, que S. Lucas nos apresenta para reflexão neste domingo, pode e deve ser um valente abanão, a fim de nos acordar para a realidade da vida. Nem tudo são «rosas» nem tudo são «espinhos». Tal como o trigo e o joio, ambos crescem lado a lado. Há que saber distingui-los. Aqui é que está a diferença entre o verdadeiro e falso crente. Este confia no dinheiro e na sua esperteza para o fazer aumentar e o gozar. Aquele usa-o moderadamente e partilha-o com os que mais precisam.
Esforcem-se por compreender que Lucas não narra esta parábola aqui para condenar os ricos e compensar os pobres com um final feliz. Conta-a para nos prevenir dos perigos da riqueza incontrolada, tanto mais que todos sabem, embora nem todos estejam convencidos, que os bens da Terra têm um destino universal: pertencem a todos os habitantes da Terra. Cremos já estar a entrar por um caminho perigoso e muito contestado!
Mas a VERDADE foi sempre contestada!...”






FONTE: TEIXEIRA NEVES, Pe. Manuel Rodrigues, Kerigma, Edição Santa Casa da Misericórdia de Aveiro, 2008, p. 191.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

DEIXA-TE CONVENCER

 
Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro
“Deixa-te convencer” é exortação velada e insinuante que encerra a parábola do rico Epulão e do pobre Lázaro. “Se não dão ouvidos a Moisés nem aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém ressuscitar dos mortos”. Esta resposta está posta na boca de Abraão como ponto final a um diálogo persuasivo sobre o valor das coisas vistas da “outra margem do rio”, sobre a importância de saber aproveitar as oportunidades que o tempo nos proporciona, sobre a articulação consequente que existe entre a fase presente da vida e o futuro definitivo.
Deixa-te convencer, pois a vida é só uma, no tempo e na eternidade, embora com ritmos diferentes, tem uma dignidade própria que se manifesta progressivamente nas opções que fazemos e nas atitudes que assumimos, nas relações que criamos e alimentamos e nas associações que organizamos, na sociedade que constituímos.
Deixa-te convencer, pois os bens são pertença de todos e a todos se destinam, de forma equitativa e solidária, estando nas nossas mãos para serem bem geridos, segundo o propósito do Criador que se revela, de modo original, em Jesus de Nazaré, o Filho único de Deus, e as leis justas estabelecidas pela autoridade humana.
Deixa-te convencer, pois o futuro definitivo, a vida eterna, está germinalmente contido no presente, como a árvore na semente, tem a força de atracção mobilizadora das nossas energias e talentos, e oferece-nos a capacidade de aguentar e superar as contrariedades que, frequentemente, surgem no nosso peregrinar; garante-nos que tudo o que fazemos é parcela do bem de todos e está cheio de consequências.
Deixa-te convencer, pois a aspiração à felicidade é fundamental no ser humano, como manifesta o rico Epulão tanto no luxo das vestes e nos esplêndidos banquetes, como sobretudo na experiência de frustração que lhe provoca  sofrimentos horríveis e na súplica aflitiva por ajuda, ainda que mínima; aspiração que comanda a vida nas horas de infortúnio e nos períodos de sucesso. Todos nascemos para ser felizes e vamos construindo a felicidade, sobretudo com pequenas coisas e em momentos fugazes.
Deixa-te convencer. Este é o tempo em que Deus coloca à nossa disposição todos os seus dons, a sua Palavra em tantas vozes humanas; o seu Filho Jesus em tantos rostos (des)figurados que urge reconfigurar; o seu Espírito que livre e discretamente vai agindo em nós para agilizar a nossa resposta coerente, o nosso envolvimento generoso; a sua Igreja que, apesar das limitações, nos abre as portas e acolhe como família de irmãos e nos proporciona o que tem de melhor: a mesa do Senhor, a comunhão de todos uns com os outros em Deus; as pessoas que fazem parte da nossa comum humanidade, familiares, vizinhos, próximos ou distantes. Deixa-te convencer: o futuro feliz está ao nosso alcance, por graça de Deus e esforço de cada um de nós.  

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

«Um dia vamos ser mais família…Hoje é o dia!»:


 

O Tempo como dom na História: coisas da vida familiar.
“Fazer da nossa família o nosso lar”D. António Francisco.

A inquietude, o não-repouso e o ritmo stressante corrompem a nossa Criatividade. Mas ela apazigua-se ou agudiza-se no tempo-de-retorno às atividades mais variadas (escolares, laborais, pastorais, desportivas, etc.). Neste ambiente que todos respiramos somos convidados a viver “UM DIA em FAMÍLIA”, no ESPÍRITO da Missão Jubilar. Eis o tempo, o dom e a tarefa, simples mas muito importante, a experimentar (isto se o fizermos, sem adiamentos…). E se for preciso repeti-la, à proposta encarnada, à medida do nosso Desejo e por nosso Dever/Direito.
A distância que vai da “família real à família ideal”; é uma distância humana. A distância da nossa fragilidade e da nossa liberdade; no fundo da nossa dignidade cuidada ou ferida. “Os meus problemas, são os nossos problemas”. E os nossos problemas não podem ter a última palavra, que seja fechada e/ou surda. Não deveriam ter. Essa distância, que se está a reflectir, – sem desejo de a complicar, mas aprofundando – é, também, a distância de/até Deus… e, naturalmente, equivale à distância de si mesmo.
A Família deve ser reconduzida à (sua) Esperança de encontrar a (sua) Verdade. Tal como o ser humano. Negar “isto” é entrar num estrada de sentido único, enquanto enigma e abismo. Por isso na Família (e em nós pessoas): «Ou nada do que é humano nos é alheio» – somos o que qualquer um de nós é capaz de imaginar -; «ou nada do que é humano nos pode ser alheio» – somos apenas aquilo que faz sentido para nós. Uma descrição é inclusiva, a outra é exclusiva; ou somos definidos por tudo o que há em nós – da nossa família – que devemos ou não rejeitar, ou somos definidos pela inclusão de tudo o que descobrimos sobre nós mesmos e nossa condição familiar. Mas de uma maneira ou de outra a questão ganha forma: o que podemos ou devemos fazer em relação à família, se é que sabemos e devemos fazer alguma coisa!? “Família torna-te no que és!”.
«Deus, pátria e família». Presos no meio da ponte. Presos entre o psiquiatra Júlio Machado Vaz e/ou o padre Gonçalo Portocarrero de Almada, ambos muito perto da realidade; ambos demasiado perto da ficção. A família tradicional e/ou disfuncional é muito maior do que aquilo que “muitos” opinam. Por isso, é necessário reler António Baltasar Marcelino. Ouvir para além das paredes. Caminhar desde as catequeses de infância, adolescência e juventude; desde as catequeses de âmbito familiar; as reuniões de formação multifacetada; os espaços de reflexão e convívio; os rituais sacramentais ao longo das diversas etapas da vida; os critérios de bem-estar e bem-ser, etc.; aí a Família não “morre prematuramente”; a vida familiar renascerá em cada Lar.
A família na sua realidade e dentro das suas vivências, em mudança agitada, não pode descuidar o viver íntimo, mas não fechado em si, de modo disperso em tantas coisas que a negam; para que a “vida familiar” seja vivida, substancialmente, como diálogo com Deus, e assim seja uma vida que possa agregar os outros.
Diante das muitas propostas, sejamos corajosos fiquemos dispostos e comprometidos, gradualmente do mínimo até ao máximo do que somos capazes. Continuando a semear: Deus nos ajudará a sermos mais fecundos e felizes.
Finalizemos com Santo Agostinho, rezando nossos medos, graças e compromissos familiares, já vividos ou a viver: «Tarde Vos amei, / ó Beleza tão antiga e tão nova, / tarde Vos amei! / Eis que habitáveis dentro de mim e eu lá fora a procurar-Vos! / Disforme, lançava-me sobre estas formosuras que criastes. / Estáveis comigo, e eu não estava convosco! / Retinha-me longe de Vós aquilo / que não existiria se não existisse em Vós. / Porém chamastes-me com uma voz tão forte / que rompestes a minha surdez! / Brilhastes, cintilastes e logo afugentastes a minha cegueira! / Exalastes perfume: / respirei-o, suspirando por Vós. / Saboreei-Vos e agora tenho fome e sede de Vós. / Tocastes-me e ardi no desejo da vossa paz»[1].
 

[1]FONTE: St AGOSTINHO, Confissões, Livraria A.I. – Braga, 2008, Livro X, Capítulo 27, p. 322


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Começa a circular a transcrição de uma entrevista feita com o atual Papa quando ele era o então Cardeal Bergoglio, na Argentina. O centro da entrevista é a pobreza do mundo. Porém, há indícios desta entrevista, que nunca foi publicada, ter ser sido uma emboscada realizada pelo jornalista Chris Mathews da MSNBC, mas Bergolio encurralou Mathews de tal forma que a entrevista nunca foi ao ar porque, ao perceber que seu plano havia falhado, Mathews arquivou o vídeo. Porém, um estudante de Notre Dame, que prestava serviços sociais na MSNBC, apoderou-se dele e o deu para seu professor.


CARDEAL BERGOGLIO
a pobreza e a falência dos sistemas vigentes
O jornalista trata de embaraçar o cardeal, levando-o a opinar sobre a pobreza no mundo.
O Cardeal responde:
“Primeiro na Europa e agora na América, alguns políticos tem se dedicado a endividar as pessoas criando um ambiente de dependência.
Para quê? Para aumentar o seu poder. São grandes especialistas em criar pobreza e ninguém os questiona. Eu luto para combater essa pobreza.
A pobreza se converteu em uma condição natural e isso é ruim. Minha tarefa é evitar o agravamento de tal condição. As ideologias que fabricam pobreza devem ser denunciadas. A educação é a grande solução para o problema. “Devemos ensinar; mostrar às pessoas como salvar a sua alma, mas indicando como evitar a pobreza e não permitir que o governo conduza o povo a esse penoso estado.”
Mathews ofendido pergunta: O senhor culpa o governo?
“Culpo os políticos que buscam seus próprios interesses. O sistema socialista. O solialismo e suas políticas são a causa de 70 anos de miséria nna Rússia, e essa situação já existe em muitos países que estão no limite do colapso. Acreditam na redistribuição que é uma das razões da pobreza. Querem nacionalizar o universo para controlar todas as atividades humanas. Querem destruir o incentivo do homem, para, inclusive, cuidar de sua família, um crime contra a natureza e contra Deus. Esta ideologia cria mais pobre que todas as corporações que adjetivadas como diabólicas.”
Replica Mathews: Nunca tinha escutado algo assim de um Cardeal.
“As pessoas dominadas pelos socialistas necessitam saber que não temos que ser pobres.”
Ataca Mathews... E América Latina? Quer apagar o progresso conquistado?
“O império de dependência criado por Hugo Cháves, com falsas promessas, mentindo para que se ajoelhem ante seu governo. Dando-lhes peixes sem permitir-lhes pescar. Se na América Latina alguém aprende a pescar, é castigado e seus peixes são confiscados pelos socialistas. A liberdade é castigada.
Você fala de progresso e eu de pobreza. Temo pela América Latina. Toda a região está controlada por um bloco de regimes socialistas como Cuba, Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela, Nicarágua. Quem os salvará dessa tirania?”
Acusa Mathews: Você é capitalista.
“Se pensar que o capital é necessário para construir fábricas, escolas, hospitais, igrejas talvez eu seja. Você se opõe a este processo?”
Por obvio que não, mas não pensa que o capital é retirado das pessoas pelas corporações abusivas?
“Não, eu penso que as pessoas, através de suas opções econômicas, decidem que parte de seu capital irá para esses projetos. A utilização do capital deve ser voluntária. Somente quando os políticos confiscam esse capital para construir obras de governo, alimentar a burocracia, surge um grave problema. O capital investido de forma voluntária é legítimo, mas o que se investe a base de coerção é ilegítimo.”
Suas idéias são radicais, afirma o jornalista.
“Não, faz anos Khrushchev fez uma advertência: “Não devemos esperar que os americanos abracem o comunismo, mas podemos auxiliar seus líderes eleitos com injeções de socialismo, até que, ao despertar, percebam que embarcaram no comunismo.” Isto está ocorrendo nesse momento no antigo bastião da liberdade. Como os EUA podem salvar a América Latina se eles se converteram em escravos de seu governo?”
Mathews afirma: Eu não posso digerir tudo isso.
O Cardeal responde:
Você se vê muito irritado, a verdade pode ser dolorosa. Vocês criaram o estado do bem estar, que é somente resposta às necessidades dos pobres criados pela política. O estado interventor absolve a sociedade de sua responsabilidade. As famílias escapam de seu dever, com o falso estado assistencialista, inclusive as igrejas. As pessoas já não praticam a caridade, e vê os pobres como problema do governo.
Para a igreja já não há pobres que ajudar, o governo os empobreceu permanentemente e são agora propriedade dos políticos. E algo que me irrita profundamente, é a incapacidade dos meios de comunicação de observar o problema sem analisar qual é a causa. “Empobrecem as pessoas para que depois votem em quem os afundaram na pobreza.”   
 
Fontes:
























AMIGO, VEM MAIS PARA CIMA

 
Pe Georgino Rocha  |  Justiça e Paz -  Aveiro
Este apelo convite surge na parábola do banquete narrada por Jesus na conversa à mesa com um fariseu que o havia convidado a tomar uma refeição em sua casa. Constitui uma espécie de resposta às atitudes dos comensais que buscam os primeiros lugares, sinal ritual da importância social e religiosa de cada um. Serve de contraponto e realça valores fundamentais a quem pretende ser discípulo e fazer parte da comunidade dos que o seguem.
Estar à mesa e comer juntos tem um grande significado familiar, social e religioso: encontro amigo e fraterno, conversa e partilha de notícias e saberes, reforço de laços de proximidade, afirmação de estima mútua e de próxima ou igual categoria. Assim o entendiam todos os participantes. Por isso se observam mutuamente. Jesus não foge à regra.
A elaboração da lista dos assentos é delicada. Ainda hoje. E os organizadores manifestam a relação que cultivam com os convidados e a importância social que lhes reconhecem. Um engano pode ser fatal. O acerto na escala de distribuição faz transparecer a harmonia do conjunto em festa, a alegria e boa disposição de cada um, o reconhecimento da escala social que lhe é atribuída.
A procura dos primeiros lugares denota elevada autoconsideração e outros sentimentos superiores que nem sempre são aceites nem confirmados pelos outros participantes. Realça critérios pautados por interesses elitistas e clubistas. Constitui uma amostra de uma sociedade desigual, sem espaço nem abertura para os de fora, os filhos de ninguém.
Na comunidade de Jesus as atitudes devem ser diferentes, convergindo todas na humildade e na verdade, na gratuidade e no amor desinteressado, na atenção preferencial e delicada ao esquecido e abandonado. Assim se manifesta a situação nova em emergência, o reino de Deus. Assim se abrem as janelas do futuro definitivo de toda a humanidade.
“Amigo, vem mais para cima”. Jesus faz uma proposta subversiva: atender a quem não pode corresponder, amar a quem não pode retribuir. Os cristãos, seus discípulos, assumem alegremente esta proposta e ficam encarregados de a viver e transmitir numa sociedade tão assustadoramente discriminatória.