domingo, 20 de maio de 2012

JUPAX EUROPA-ACÇÃO CONCERTADA DE 2012 | mobilizar os jovens para lutar contra a exclusão, a intolerância e o racismo na acção política



A Comissão Nacional Justiça e Paz publica e divulga o documento intitulado Mobilizar os Jovens para Lutar Contra a Exclusão Social, a Intolerância e o Racismo na Acção Política, aderindo deste modo à Acção Concertada de 2012 da JUPAX EUROPA-Conferência das Comissões Europeias Justiça e Paz.
Neste documento, adaptação à realidade portuguesa do texto original da JUPAX EUROPA intitulado Investir nos Jovens para Combater o Racismo e o Extremismo Político, a CNJP apela à reconstrução da confiança dos jovens no sistema político, através da sua participação numa sociedade multicultural, que recusa a exclusão social, a intolerância e o racismo.
Até à presente data subscreveram este documento as Comissões Diocesanas Justiça e Paz de Aveiro, Leiria-Fátima, Portalegre-Castelo Branco e Setúbal.


                  MOBILIZAR OS JOVENS PARA LUTAR CONTRA A EXCLUSÃO, A INTOLERÂNCIA E O RACISMO NA ACÇÃO POLITICA
A Europa atravessa uma crise profunda que atinge a generalidade dos cidadãos e em particular os jovens. De facto, estão criadas as condições para um número crescente de jovens ver o futuro com apreensão e medo Não se vislumbram formas de obter meios que garantam uma vida digna, própria de uma sociedade que promove a justiça e a equidade. Muitos sentirão que o tempo que gastaram na formação académica foi perdido porque não vão conseguir encontrar emprego para as suas habilitações. O recurso à emigração revela-se para outros um caminho cheio de dificuldades. Por outro lado, muitos jovens entendem que Governantes e detentores do poder económico não levam a sério esta situação que afecta a juventude europeia e ameaça o seu futuro
Entre outras consequências, os jovens ficam vulneráveis às influências de grupos de extremistas políticos com a intenção de desestabilizar os fundamentos democráticos das nossas sociedades. Neste quadro, é importante apelar aos Líderes Europeus que privilegiem o investimento nos jovens. É necessário garantir-lhes educação, formação, segurança e bem-estar. Se isso não for feito, é natural que muitos jovens se envolvem em acções xenófobas e extremistas em quadro de exclusão social e intolerância, ao invés de lutarem por uma sociedade respeitadora dos direitos humanos.
O Papa Bento XVI na sua Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2012 – Educação dos Jovens para a Justiça e Paz - refere: «Nestes tempos sombrios a nossa esperança para o futuro está nos nossos jovens, cujo entusiasmo e idealismo pode oferecer uma nova esperança para o mundo». Mas o Papa não ignora, como é referido, a alienação e frustração experimentada por muitos jovens: «É importante que este mal-estar geral e seu idealismo subjacente recebam a devida atenção em todos os níveis da sociedade». Isto requer envolvimento das lideranças políticas, instituições financeiras, entidades patronais, Instituições de ensino, meios de comunicação, instituições de voluntariado, entre outros.
A educação (em sentido amplo) é de fundamental importância no combate ao racismo e extremismo político. E no que concerne à educação dos jovens há que ter em conta o seguinte:
a) A educação deve incluir valores. Os valores são tão importantes quanto o conhecimento. E deve-se ter presente que a dignidade da pessoa humana deve estar no centro de qualquer sistema de educação.
b) O Sistema de ensino deve preparar os jovens para viver numa sociedade globalizada e multicultural. A compreensão de culturas diferentes é um factor de enriquecimento e uma forma de quebrar o medo por aquele que é diferente. O próprio sistema de ensino deve proporcionar aos jovens experiências de inclusão e de multiculturalidade para que, para além de teoricamente adquirirem conhecimentos sobre estes temas, possam também vivê-los e experimentá-los. É adquirindo laços que ultrapassem as diferenças que os jovens podem abrir os seus horizontes da tolerância.
c) A educação é necessária para fomentar a participação e a cidadania. Ela pode ajudar a quebrar ciclos de pobreza e privação. Os sistemas de educação precisam preparar os jovens para participar na sociedade, e que inclui, de modo particular, a vida política.
d) A educação tem que levar em conta os desafios específicos enfrentados pelos jovens hoje. Vivemos num mundo globalizado e marcado pelo desenvolvimento de tecnologias de comunicação muito desenvolvidas. E como lembrou o Papa Bento XVI na encíclica «Caritas in veritate» «Enquanto a sociedade se torna mais globalizada, faz-nos vizinhos mas não nos faz irmãos (e irmãs)». A educação tem que preparar os jovens para este mundo novo fornecendo-lhes instrumentos de análise que impeçam a manipulação de ideias e a despersonalização dos indivíduos.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, focalizada nas situações que envolvem os jovens, e em uníssono com a Conferência das Comissões Justiça e Paz da Europa, faz alguns apelos:
· «Pedimos aos nossos líderes políticos para levar a sério a necessidade de reconstruir a confiança dos jovens no sistema político, protegendo o seu bem-estar presente e futuro, como parte integrante da estratégia de recuperação económica».
· «Chamamos os nossos Ministros da Educação para garantir que, mesmo em difíceis circunstâncias económicas, a promoção de oportunidades educacionais para todos os jovens continua a ser uma prioridade».
· «Sublinhamos que a educação precisa de ser mais que desempenho académico. Ela deve preparar os jovens para participar numa sociedade cada vez mais multicultural e capazes de atingir o seu pleno potencial através do desenvolvimento cultural pessoal».
· «Pedimos aos nossos jovens que as suas preocupações com o futuro impliquem uma participação activa na sociedade, a busca de um conhecimento maior do sistema político e um esforço permanente em defesa da justiça e da paz.
Entende a Comissão Nacional Justiça e Paz que este conjunto de constatações, reflexões e apelos fazem todo o sentido na actual situação portuguesa. O desemprego juvenil atingiu números muito elevados. O emprego está sujeito à precariedade . As remunerações do 1º emprego são baixas e o sub-emprego foi-se generalizando. . Estas situações, potencialmente perigosas, podem gerar sentimentos de exclusão e intolerância, que desencadeiam o racismo e o extremismo político. Em Portugal há sinais ténues desta realidade, mas igualmente preocupantes. É necessário tomar consciência e agir sobre as causas do mal-estar, e progressivamente tentar eliminá-las. A responsabilidade é de todos: governo, políticos, empresários, movimentos sindicais, homens e mulheres de cultura e participação social, religiões e igrejas, jovens, crentes e não crentes.
Comissão Nacional Justiça e Paz
Maio de 2012














quinta-feira, 10 de maio de 2012

Família em crise ou crise da família?

Administração e economia de valores


Como ponto de partida para reflexão, vem-nos à memória a tese, defendida por um economista, do casamento como fenómeno despido de fundamentos éticos/morais/religiosos, para dar lugar a um conceito basicamente económico: o contrato matrimonial e, por isso, a família, existe e subsiste enquanto for economicamente vantajoso para cada um dos seus membros, realçando assim a eficiência económica do casamento e da família que por este se constitui.
Ainda em sede de sínteses do ano que findou, foi noticiado que o ano de 2011 assistiu a um decréscimo do número de divórcios, fato que, em concordância lógica com aquela tese, foi relacionado com a situação de crise financeira que as famílias portuguesas experienciam, como resposta das mesmas à necessidade, num contexto de crise, de aproveitamento dos recursos económicos, evitando a dispersão de meios com agravamento de custos individuais.
O sobreendividamento das famílias é uma realidade nacional, e uma realidade da qual as próprias famílias (só) agora, postas a descoberto pelo contexto da crise financeira, da dívida soberana e do euro, tomaram consciência: disso é cabal manifestação o crescente número de apresentações de pessoas singulares à insolvência que a atividade judiciária revela e que, no ano de 2011, ultrapassou o número de processos de insolvência de pessoas coletivas.
Quer se entenda como um risco natural da economia do mercado associada à expansão do mercado de crédito, quer se enverede pela teoria da responsabilização do devedor como alguém que se excedeu (ressalvadas circunstâncias imprevisíveis, como o desemprego ou a doença), o dito sobreendividamento teve e tem como efeito, inevitável, a redução, senão mesma privação, das disponibilidades financeiras a que as famílias se (auto)habituaram, coadjuvadas então pela massiva publicitação e quase venda forçada do falacioso crédito fácil (com reduzida ou mesmo nula análise de risco e, por isso, alienada da capacidade de endividamento do mutuário).
Esta realidade, de cariz económico-financeiro, produz imediatamente problemas sociais; na sua maior profundidade, quando faz perigar a subsistência condigna e o acesso à educação e à saude.
Mas outras realidades sociais sobressaem. As alterações forçadas no habitual – ainda que a crédito - nível de vida material induzem à exclusão do convívio social e também familiar dos sobreendividados que, afastados do mercado de crédito e do mercado de bens e de serviços a que acediam e frequentavam, se colocam ou são colocados à margem dos padrões, espaços ou níveis que até aí partilhavam - diga-se, em boa verdade, numa coexistência circunstancial do acaso, centrada na materialidade das coisas, independentemente da sentida felicidade por elas proporcionada, desprovida, a mais das vezes, do sentido do dar e receber próprio do conceito de partilha (não vamos mais longe: o que é que tantos pais, mães, filhos, e até avós, fazem, reunidos, num sábado ou domingo à tarde, dentro de um centro comercial?, em busca da pílula dourada da felicidade?).
Confrontadas com a impossibilidade de manterem e prosseguirem o estilo de vida que para si (e para os outros) vinham hasteando, desponta e cresce o desânimo, a falta de autoestima, sentimentos negativos com forte pendor destrutivo no plano individual e que, qual doença contagiosa, se propaga à família – pais e filhos -, acabando por influenciar negativamente a capacidade e a vontade de reorganização financeira e profissional da pessoa e da família que com ela se constitui. O desânimo conduz ao isolamento, à ausência de esforço, aspirações e projetos de vida.
Num raciocínio de silogismo, somos então levados a concluir que as famílias estão fragilizadas pelo isolamento em boa medida em consequência da sua viciação nas propostas e ofertas de um consumo para satisfação de desejos imediatos, despidos de projeções no futuro.
Da repetição de comportamentos para a habitualidade, e desta para o comodismo reivindicativo de pretensos direitos adquiridos, facilmente se caiu – e assim nos encontramos - na faliciosa construção da perca de status como fator de risco para a dignidade humana assim concebida - consumista, imediata, de facilidades adquiridas, num contexto de multiplicação de necessidades artificialmente criadas, à margem do originário projeto da evolução qualitativa do homem (a escravidão sem realização).
Naturalmente que todos temos consciência que aqueles não são os ingredientes para a construção ou reabilitação do futuro. É tempo então para reflexão, uma que afaste os sentimentos de miserabilismo, comiseração e fatalidade que tende a enraizar-se, até porque se assim pensarmos, assim nos convencemos, e temos instalada a depressão nacional.
No plano da imediatez das soluções, a apresentação à insolvência representa, para os que assim se dispõem, ao aliviar da (de)pressão – muito (mas muito) mais do que a satisfação dos interesses dos credores, visa promover a reabilitação do endividado, desde logo como agente económico. O chamado fresh restart, alcançado pelo perdão das dívidas que permanecem por cumprir depois de esgotado o património do devedor e de decorrido um determinado período de provação (5 anos).
Importaria então por em prática e em toda a linha todo o conteúdo que ao fresh restart pode imputar-se, encarando o sofrimento pessoal e coletivo como a febre denunciadora de um mal sistémico e corrosivo que se impõe corrigir, tratar, curar, pela diferença de comportamentos, de atitudes, de revitalização dos valores que justificam a humanidade. Muito mais do que pelas medidas exógenas que nos são impostas, importaria evitar a repetição do fenómeno, sobretudo pela mudança que vem de dentro, construída em cada família e por ela alargada à sociedade enquanto célula que a sustenta.
E quanta esperança no futuro se razões houvesse para assumir que a redução do número de divórcios radica já nessa mudança, da família como núcleo de afeto e solidariedade gratuita – na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza – e não meramente assente em princípios económicos racionalistas e individualistas!

Amélia Rebelo
Juiz do Tribunal do Comércio | Comissão Justiça e Paz (Aveiro)