sábado, 29 de março de 2014

«Decide-te», isto é, do elogio da Fé, como remédio (ganho de emenda) e não anestesia (perda de sensibilidade)».

 

Pedro José Lopes Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

“A chance maior do Cristianismo não virá de seu conteúdo doutrinal – ele mesmo maravilhoso -, nem da eficiência organizativa das atuais formas de Igreja, mas da maneira como as comunidades viverão os valores do futuro da humanidade: solidariedade, paz, convivialidade humana, esperança nas tribulações, fé-confiança no ser humano malgrado

as terríveis decepções e perversidades”.

J.B. Libânio, “Qual o futuro do cristianismo?”, Ed. Paulus, São Paulo, 2006, p.135.

[1.] Para começar, uma frase forte: todos nós nascemos cegos! Não só o cego do evangelho. Todos nós somos cegos de nascença, pois ninguém escapa de alguma cegueira.

      Deveríamos não esquecer que o «pecado original», que a Igreja ensina de forma poética e simbólica, mas também existencial e real, para nossa Decisão Espiritual. Esse que é o Pecado Original, é uma “onda de maldade (iniquidade)” que atravessa toda a nossa origem, como humanidade, atingindo a todos nós. Não é pessimismo mas realidade crua, por vezes duríssima.

      A cegueira, tal como é, é tanto a causa como a consequência de uma não-conformidade, de uma descoberta da nossa verdadeira natureza, através de uma recusa a ceder à visão autêntica.

      [1.1.] Para os que são «superficialmente» cegos na Fé, a adaptação é a sua religião (pagã, entre outras possibilidades…); para os que são «profundamente» cegos na Fé, adaptação é o que os corrompe, e é experimentada com uma forma de insubmissão. Os profundamente cegos na Fé não deveriam trair o seu Desejo de ver; os superficialmente cegos na Fé acomodam-se no seu Desejo de ver às necessidades do ambiente.

       Os superficialmente cegos na Fé são mais tranquilizadores porque se ajudam, a eles próprios e a quem os rodeia, a esquecer a verdadeira visão da Fé; e, porque em certa medida não são intimidados (no sentido de harmonia do ser interior), não são intimidantes.

        Os que se sabem profundamente cegos na Fé, são todos extremamente conscientes ou inconscientes, - não há dificilmente possibilidade do meio-termo – da cegueira da Fé, mas procuram com ansiedade ou angústia, saber lidar com a falta de Fé; são impressionantes porque nunca se deixaram impressionar demais.

       Os superficialmente cegos na Fé são ligeiramente cómicos, ao passo que os profundamente cegos na Fé são heróis trágicos, fiéis ao Fado, místicos e mártires (com ou sem sangue) querem sobreviver às provações todas.

Os superficialmente cegos na Fé tendem a nos convencer de que são produtos dos nossos ambientes míopes (…em terra de cegos, quem tem um olho é rei!?), afirmando que se dermos a todas as pessoas a criação e a educação certas: nós todos nos tornaremos bem ajustados.

     Os que se sabem profundamente cegos na Fé, por outro lado, dizem-nos que somos sempre mais que os nossos ambientes; que há uma fonte de Luz dentro de nós – quer lhe chamemos gênio, força vital, dom, instinto, vocação – que excede o mundo tal como o encontramos, é à visão da Fé que devemos prestar a mais séria atenção, porque ela nos conduz, de uma maneira ou de outra, para o que verdadeiramente somos e seremos.


        [1.2.] O que pensamos e rezamos na visão de Fé é, em palavras e sobretudo na obras, muito do que está dentro de nós e precisa de ser enviado a lavar-se na Fonte da Fé. Pergunta-se sobre a «DIFERENÇA» entre os superficialmente e os profundamente cegos na Fé. É a diferença, distinção que cabe à decisão da Fé. Muitas vezes não há. Somos ambos. Bipolares da Fé (cegueira)!? Mas Decisão é corte e rotura. «Decide-te», isto é, do elogio da Fé, como remédio (ganho de emenda) e não anestesia (perda de sensibilidade)».

       Também por tudo «isto» que o evangelho – sobretudo com «Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus» - somos todos “superficialmente” ou “profundamente” cegos, vamos construindo cegueiras ao longo da vida: cegueira biológica, sociológica, psicológica ou religiosa. A grande pergunta é esta: onde poderemos lavar os nossos olhos?

       E disse: «Vai lavar-te à piscina de Siloé» (Siloé, quer dizer «Enviado»). O cego foi, lavou-se, e começou a ver.

        Jesus Cristo oferece águas puras e cristalinas (-decide-te): «quem me segue terá a Luz da Vida!»

Oração: Olhar-me desde Ti.

Olha-me tu, Jesus de Nazaré

que eu sinta pousar-se sobre mim

teu olhar livre,

sem escravidão de sinagoga,

sem exigência que me ignorem,

sem a distância que congela,

sem a cobiça que me compre.

Que teu olhar se pouse

em meus sentidos,

e se filtre até os desvãos

inacessíveis onde te espera

meu eu desconhecido

semeado por ti desde meu início

e germine meu futuro

rompendo em silêncio

com o verde de suas folhas

a terra machucada que me sepulta

e que me nutre.

Deixa-me entrar dentro de ti,

para olhar-me desde ti,

e sentir que se dissolvem

tantos olhares

próprios e alheios

que me deformam e me rompem.

Benjamim Gonzalez Buelta

 

FONTES: Cfr. JB Libânio, “Um Outro Olhar”, Volume IX, pp. 61-63; cfr. http://www.ihu.unisinos.br/espiritualidade/comentario-evangelho/500085-quarto-domingo-de-quaresma-evangelho-de-joao-9-1-41, acesso 25-03-2014; cfr. PHILLIPS, Adam, Louco para ser normal, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2008, pp. 142-144.

«Descanso como forma de trabalho? Trabalho como forma de descanso? Exactamente» - Michel Crépu.

Para ler/aprofundar: Blog: Lazer & Labor: http://pedrojosemyblog.wordpress.com/

sexta-feira, 28 de março de 2014

JESUS QUER ABRIR-ME OS OLHOS

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

O cego de nascença encontra-se nos caminhos da missão de Jesus. Constitui um símbolo de todos nós que, de um modo ou de outro, sofremos da falta de visão, não “enxergamos” o sentido humano da vida, não reconhecemos nos outros o próximo semelhante, não consideramos os bens da terra como pertença de toda a humanidade, não apreciamos a nossa relação filial com Deus e, a partir d’Ele, a dignidade própria de cada pessoa.

Jesus quer libertar-nos da cegueira que fecha todos estes círculos em que nos movemos e agimos, em que crescemos como seres individuais solidários, em que interagimos e  humanizamos a convivência em família, sociedade e Igreja. Em que construímos a nossa própria identidade. Que proposta admirável nos faz Jesus. Vale a pena acolhê-la com serena confiança e colaboração responsável.

O cego é sempre uma pessoa com direitos e deveres. A sua dignidade brota da própria natureza humana que deve ser reconhecida e protegida por leis justas e atitudes adequadas. Como testemunha o Papa Francisco que convidou surdos e cegos para uma audiência exclusiva realizada no Vaticano, na Sala de Paulo VI, a 29  de Março corrente. E como reconhece Jacob, um dos participantes nesta iniciativa, em entrevista à CNN: “Estou muito contente ao ver que o Papa torna público o nosso mundo por meio de uma audiência, pela primeira vez dedicada a pessoas como nós. Temos um grave impedimento físico e a maior parte das pessoas não sabe o que isso significa para nós.”

A cegueira não é resultado de uma maldição de Deus que justifica as medidas restritivas e as proibições impostas pela classe dirigente político-religiosa dos judeus. Sendo uma privação física, origina muitas limitações que dificultam a integração social e o usufruto das condições de crescimento harmonioso e de relacionamento humano. Quem não reconhece o drama que esta situação provoca padece de uma outra espécie de cegueira, muito mais perigosa que a primeira. E quem invoca razões religiosas para legitimar tal estado de coisas, ainda mais pois atribui a Deus a retaliação devida ao pecado cometido e à culpa assumida. São cegos que, às vezes, ocupam o lugar de guias, de mestres, de legisladores, de gurus religiosos. Jesus denuncia-os em termos inequívocos e age de forma alternativa, abrindo os olhos àquele pobre homem que lhe surgiu no caminho.

A cura apresenta-nos um percurso exemplar, típico de quem pretende ser discípulo missionário de Jesus Cristo. Destacam-se alguns passos: deixar-se encontrar por Jesus e aceitar ser conduzido, sentir questionada a sua situação, acolher os gestos e corresponder à palavra do “Enviado”, tomar o “banho” da regeneração, viver a alegria de ver a realidade com olhos novos, crescer nas convicções interiores e interpretar o sentido do que aconteceu, dar resposta às questões surgidas, testemunhar publicamente a fé em Jesus Salvador e suportar a retaliação imposta que cria espaços de liberdade para a nova comunidade dos discípulos em gestação organizativa.

A maravilha da cura constitui um sinal qualificado de que Jesus é o Messias de Deus. Sinal exposto a interpretações diversas. A família e os vizinhos mantêm-se indiferentes; os discípulos ficam em silêncio e não deixam perceber qualquer reacção; os fariseus intervenientes, após um diálogo tenso, assumem posições acusatórias e hostis. Só o que havia sido cego O reconhece verdadeiramente e o proclama com inteira liberdade. Só ele deixou que Jesus lhe abrisse os olhos, por inteiro. E tu também deixas? Decide-te!

quarta-feira, 26 de março de 2014

sobre os “divorciados recasados”: apontamentos sobre o princípio da misericórdia pastoral.

 

Pedro José Lopes Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro


“(…) em certas passagens do Evangelho, Jesus propõe meta ideal absolutamente inatingível: «sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5,48). Não se trata de mandamento factível, mas de meta para onde se orientar. Nessa perspectiva, ninguém se sente culpabilizado ou desobediente por não realizar o proposto, mas sabe para onde se dirigir. Assim, o discurso optimal aborda a proposta de modo ideal, indica um para onde caminhar” -  J.B. Libânio.

[1.] Uma partilha que não diz tudo mas começa por dizer ALGO...que já devia ter sido dito. Isto a propósito da “Solução Kasper” para os divorciados que provoca uma tempestade “lenta”, ou o contrário do “já vi esta solução adiada mais que uma vez”.

[2.] Sabe-se que, devido ao seu conceito de indissolubilidade (como não deveria ser risível o diálogo com noivos “inexperientes…”) do matrimónio, a Igreja católica recusa os sacramentos da penitência e da eucaristia aos divorciados que voltaram a casar civilmente.


[3.] Ainda hoje, o novo casamento coloca as pessoas recasadas numa situação objectivamente pecaminosa (não será, também, a de quem se coloca como “o” Juiz eterno…) em contraste com a Fé da Igreja (apesar das Igrejas Ortodoxos terem encontrado, pelo menos em certos casos outras soluções). Faz-se valer a lei antiga da penitência perpétua. Contudo, só o Amor evangélico é absoluto e inegociável.


[4.] Diz-se, e faz-se prática do acolhimento real e não virtual, que não são canonicamente excomungados, embora o sejam sacramentalmente. Entretanto, são convidados a cumprir todas as exigências da fé e a participar o melhor que puderem na vida da Igreja. “Rebuçados pastorais na vez do Remédio e do Alimento”.


[5.] Na situação actual, estes casos só podem ser geridos ao nível do foro interno da consciência, isto é, em diálogo de crescimento sério e “secreto” entre aquele ou aquela que é vítima dessa situação e o padre ou o bispo. Tais pessoas continuam à mercê da atitude mais ou menos aberta ou mais ou menos rigorosa do clérigo que lhes saiu ao caminho. Não é saudável e pode ser profundamente injusto.


[6.] Pois bem apresentemos a solução Kasper para os divorciados recasados. O cardeal alemão Walter Kasper, que acaba de completar 81 anos, a expôs no Consistório de cardeais de fevereiro passado, e de lá para cá não há dia em que outros cardeais ou altos eclesiásticos não manifestem que sua proposta é absolutamente impossível de ser colocada em prática.


[7.] Em todo o caso, a solução Kasper de que um divorciado recasado possa receber o perdão sacramental e a comunhão eucarística – do que hoje são excluídos pela Igreja – consiste no seguinte, segundo sua própria intervenção diante dos 150 cardeais[1]:

“Se um divorciado recasado:

1. se arrepende do seu fracasso no primeiro matrimônio,

2. se esclareceu as obrigações do primeiro matrimônio e se excluiu de maneira definitiva voltar atrás,

3. se não pode abandonar sem outras culpas os compromissos assumidos com o novo casamento civil,

4. e se esforça para viver ao máximo de suas possibilidades o segundo matrimônio a partir da fé e educar seus filhos na fé,

5. se deseja os sacramentos como fonte de força em sua situação, devemos ou podemos negar-lhe, depois de um tempo de nova orientação (metanoia), o sacramento da penitência e depois o da comunhão?”

[8.] Este caminho de Kasper baseia-se no facto de que “não pode haver alguma dúvida sobre o facto de que na Igreja primitiva, em muitas Igrejas locais, e por direito consuetudinário havia depois de um tempo de arrependimento a prática da tolerância pastoral, da clemência e da indulgência”. Ou seja, um argumento de autoridade tomado da história ou de uma tradição que teve certa vigência durante um tempo.


[9.] Na mesma intervenção, Kasper também perguntou sobre o divorciado recasado e penalizado sem sacramentos. “Não é, talvez, uma instrumentalização da pessoa que sofre e pede a ajuda se fazemos dela um sinal e uma advertência para os outros? Deixamos que morra sacramentalmente de fome para que outros vivam?” São duas perguntas e cujo substrato é tremendamente complexo e antigo: a tensão entre o indivíduo e as normas do grupo a que pertence, assim como a exemplaridade das penas frente ao perdão e a misericórdia cristã.


[10.] ”- Não podemos reduzir a participação na vida da Igreja a uma questão de comungar ou não comungar”.A Igreja é para todos e não para tudo!” Como não? Fico sempre com a mesa posta sem comer!? Dieta crónica! Acreditamos que teológica e exegeticamente ainda não foi dito tudo. A prova está entre nós «hoje». Há ainda um caminho longo a ser trilhado que poderá modificar profundamente a nossa compreensão. Os processos históricos são lentos. Mas é preciso dar os primeiros passos. «Todos somos Publicanos! (pelo menos uma costela!?)».


[11.] No fundo, temos normas vitalmente ausentes e distantes da Misericórdia. Vai e voltarás a pecar!? Claro que não podemos (continuar a) negar a Misericórdia. Agradecemos ao cardeal Kasper por dizer o que todos pensamos, acreditamos e queremos passar a viver em comunidade-igreja-enquanto-pessoas-pecadoras-chamadas-a-ser-santas. Assino por cima!

FONTES: Cfr. http://www.ihu.unisinos.br/noticias/529571-solucao-kasper-aos-divorciados-provoca-tempestade, acesso: 26-03-2014; Cfr. SESBOÜE, Bernard, Pensar e viver a fé no Terceiro Milênio, II, Gráfica de Coimbra 2, 2009, pp.328-330; Cfr. ROCHA, Manuel Joaquim, Alianças Partidas, Ed. Paulinas, 2010, pp.109-16.

segunda-feira, 24 de março de 2014

SACIA-TE NA FONTE DE ÁGUA VIVA

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

A samaritana acorre ao poço de Jacob para buscar água fresca. Leva consigo o cântaro vazio, símbolo do seu coração ansioso que procura saciar as sedes que manifestamente o inquietam e perturbam. Habita-a o sonho de felicidade, sempre adiada, apesar das tentativas fugazes de prazeres efémeros. Acolhe o pedido ousado do judeu desconhecido e questiona-o sobre o seu atrevimento. Abre-se ao diálogo num “taco-a-taco” impressionante pelo realismo personalizado e pela caminhada espiritual de abertura e comunicação.

Jesus, paciente e confiante, situa-se ao nível da samaritana. Aproveita a oportunidade de estar cansado e de ser pleno dia para manifestar a necessidade de saciar a sua sede. “Dá-me de beber” – diz-lhe. “Como?” – pergunta ela. “Se conhecesses quem te pede” – acrescenta Jesus, abrindo horizontes novos às sedes humanas que só podem ser satisfeitas por águas vivas oferecidas por quem as possui e está pronto a reparti-las.

A água e o alimento constituem dois elementos fundamentais para o cuidado da vida humana. Sem eles, ninguém sobrevive de forma equilibrada e saudável. Nem o planeta terra se conserva habitável por muito tempo. Daí, o drama em que nos encontramos. Como bens escassos têm de ser geridos com acerto para chegarem a todos em boas condições e quantidade. Não se podem desperdiçar nem açambarcar. As vítimas da fome e da seca são o rosto da desordem organizada. As vozes críticas do sistema estabelecido que propõem alternativas são gritos proféticos a abrir caminho e a alimentar a esperança. Ousemos aumentar o seu registo e prolongar o seu eco de modo a fazer ressoar um coro suficientemente forte para “forçar” a mudança desejada. Como propõe a Caritas na campanha em curso “Unidos no amor, juntos contra a fome”. Como o está a fazer o Papa Francisco e tantos outros. Com particular responsabilidade para os cristãos e suas comunidades.

A Exortação Apostólica «A alegria do Evangelho» adverte que: “Qualquer comunidade da Igreja, na medida em que pretender sub­sistir tranquila sem se ocupar criativa­mente nem cooperar de forma eficaz para que os pobres vivam com dignidade e haja a inclusão de todos, correrá o risco da sua dissolução, mesmo que fale de temas so­ciais ou critique os Governos. Facilmente acabará submersa pelo mundanismo espiritual, dissimulado em práticas religio­sas, reuniões infecundas ou discursos vazios”. EG 207.

A solidariedade nas causas justas humaniza-nos, reforça os laços da família que constituímos e abre o coração a novas dimensões: a ética da convivência social, a cultura do suficiente, o estilo de vida sóbrio e partilhado, a fraternidade sem limites, a dignidade acrescida, fruto do reconhecimento agradecido a Deus Pai por nos constituir seus filhos e irmãos em Jesus Cristo.

A samaritana esquece o cântaro vazio, aceita a água viva que Jesus lhe oferece e sente-se feliz. Ela mesma se converte em fonte nova. Não sossega enquanto não vai à cidade e convence os seus conterrâneos a virem ver Jesus, a estarem com Ele, a escutarem os seus ensinamentos. E que bem o fez! Que força de persuasão! Que alegria humilde terá sentido ao ouvir: Não é por ti que acreditamos, mas porque “nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo”. Que acerto na orientação da paixão que a consumia, dando-lhe um admirável rumo novo.

quarta-feira, 19 de março de 2014

«Orienta-te», isto é, a (des)propósito da ideologia do género».

 

Pedro José Lopes Correio  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

 

“A ideologia do género não só contrasta com a visão bíblica e cristã,

mas também com a verdade da pessoa e da sua vocação.

Prejudica a realização pessoal e, a médio prazo, defrauda a sociedade.

Não exprime a verdade da pessoa, mas distorce-a ideologicamente”(nº10).

C.E.P., Fátima, 14-11-2013.

[1.] Uma mulher da Samaria ou A mulher de Samaria, …da rua Rosa, …da vida Contrariada, …da espera Forte, …do nome (O)culto.


    Podemos então imaginar a surpresa que tem a mulher quando chega ao poço e escuta um homem dirigindo-se para ela, e ainda como se não fosse possível…, colocando-se numa condição de necessidade, mendigando água: "Dá-me de beber".

    No pedido de Jesus para a mulher: Ele mostra-se necessitado…, frágil…, humano! Depois da longa caminhada com seus amigos, chega a Samaria, encontra um poço com água, senta-se à borda do poço, cansado e com sede.

      Depois o «Jogo do Acreditar», contrariando as regras sociais, sem prognósticos fáceis. O progressivo conhecimento mútuo: 1º JC reconhecido como judeu; depois, 2º aceita-se que ele é maior que Jacó; entretanto, 3º reconhece como profeta (na genuína Tradição); finalmente, 4º, dá-se o reconhecimento como o Messias.

       Orientou-se pela Vida (água abundante): Mudou-se de Vida (em espírito e verdade): Converteu-se a Vida (Sou Eu, que estou a falar contigo).

    A experiência do encontro com Jesus, como a descoberta da Verdade-sobre-si-mesma, fez da Mulher Samaritana: discípula missionária (sem “e”).

        Orientação como abertura à novidade do Género assumido. Não quer dizer que seja alguma coisa inexistente, mas é uma forma nova de ver a realidade, isto é, a natureza e a cultura: «feminina-matriarcal» como desafio/compromisso ao modo «patriarcal-masculino».

[2.] Este evangelho é uma parábola da nossa vida.

        (ATO 1) - Imaginem que há um poço bem profundo aqui dentro, e que todos nós estamos em volta dele. Não é o poço da samaritana, nem de Jacob, nem do tio Alfredo, nem da Camara Municipal… é o poço simplesmente número «2014» (como uma boa garrafa de água!...). Algumas pessoas chegam a ele e o encontram seco, sem água. São as que não têm nada para dar. Por isso, se Jesus chegasse para nós e pedisse que lhe déssemos de beber, teríamos que responder-lhe que não poderíamos matar a Sua sede. Como podemos dar de beber se somos um poço seco? Quantos de nós nos transformamos num poço seco? É terrível! (amargo).

        (ATO 2) - Vamos dar um passo em frente: suponhamos que há água no poço, embora seja difícil de tirar, pois ele é fundo. Precisaremos de usar cordas, baldes, o que dá um enorme trabalho, mas, pelo menos conseguiremos tirar água. Também há pessoas assim: têm água profunda, e, para atingi-la, demora-se imenso tempo. São pessoas que demoram muito a começar, mas acabam (ás vezes… muitas vezes…importantes vezes…) ajudando a quem precisa. Apesar de difícil ainda se consegue tirar um pouco de água. É melancólico! (cansativo).

        (ATO 3) - Jesus e a Samaritana, voltamos ao evangelho do poço-mina-nova, não se contentou/contentaram. Jesus pediu e a Samaritana ainda quis/tentou negar. Mas Jesus dá-lhe a resposta mais bela e sedutora que poderia dar, e que serve para cada um de nós: se está aqui nesta Igreja /celebração / nesta fase da sua vida, etc… e jogar o seu balde e procurar um pouco de ternura, de vida, de alegria, de orientação para ALGUMA pessoa, ELE, o Messias, lhe dará Água Viva! Seremos inundados/alagados/saciados, não pelos nossos esforços, não por aquela água tirada a custo e reclamada na conta de água (cada vez mais cara!?); mas por aquela Água que vem de fora, que vem de Deus e nos inunda, refresca, sacia, e faz com que sejamos gotas ou até mesmo “fontes” e/ou “minas” de água do Amor-de-Deus. São com pessoas assim que queremos conviver! É milagroso! (vital).

[3.] Orações tipológicas “anti-consumo” de “A, B ou C” (apenas os títulos são da nossa autoria, e fica a proposta de exercício mútuo, na complementaridade de GÉNERO: EU – TU: Ele(a) // Nós):

“A – “BENÇÃO” de MULHER para HOMEM”.

“Que o Senhor te conceda a audácia de Débora

E a valentia de Ester e de Judite.

Que te encha da alegria como Ana

E de lealdade e de amor fiel como Rute.

Como Maria de Nazaré,

Proclames a grandeza do Senhor,

No triunfo dos famintos e dos humildes.

Que chegues a encontrar-te com Jesus, o Messias,

Como o encontraram Maria Madalena e Marta

E Salomé e a Samaritana.

Ele lhes devolveu a Dignidade,

e a Liberdade duma Relação nova” (Autor desconhecido: adaptado por Pedro José, 18-03-2014).

“B – “BENÇÃO” de HOMEM para MULHER”.

“Leva-me, Senhor, a beber a água pura

Do Teu poço, rico de misericórdia.

Que Te encontre nos atalhos da vida dura,

Espalhe a caridade onde reina a discórdia,

Seja instrumento e voz da Tua Verdade,

Testemunho da esperança e fidelidade.

Esteja eu disponível para servir a quem pede

O copo da Tua água viva que apague sua sede”. (Manuel Armando in Domingos de Luz e Poesia, p.66).

“C – “BENÇÃO” de VÓS para Ti ou de TI para Vós”.

“Vós que tendes sede vinde a mim e bebei.

Orvalhe este coração humilhado

que o caminho errante dividiu

e consumiu de fome e sede

fome não de alimento, e sede

não de bebida

mas de escutar a Palavra do Espírito

assim ele geme baixinho esperando

que o julgues

tu que apareceste e tudo iluminaste”. (Romano Melódio, in Quem vigia o vento não semeia, p.355).

 

FONTES: Cfr. JB Libânio, “Um Outro Olhar”, Volume IX, pp. 59-60; cfr. http://www.ihu.unisinos.br/espiritualidade/comentario-evangelho/500084-3o-domingo-de-quaresma-evangelho-de-joao-4-5-15-19-42, acesso 18-03-2014.

Revolução social

 

M. Oliveira de Sousa |  Justiça e Paz – Aveiro

 

Neste último ano encruzaram-se vários elementos essenciais à ponderação de um pensamento mais social. A vida das pessoas mudou radicalmente. Crescem as tensões. Há sinais de esperança?!

A mediatização do factual, do local, do pontual torna universal o que não o é; confunde-se muitas vezes a parte com o todo ou, numa inspiração comparativa, a árvore com a floresta. Pese embora esta premissa, há em muitos setores da atividade humana a preocupação pelo bem comum. Será por isso a insistência oportuna e importuna, a repreensão, ameaça e exortação com toda a paciência e empenho para instruir, para elevar para patamares de qualidade o que, simples ou complexo, tende-se a vulgarizar – coisas simples, como a produção agrícola, os serviços de proximidade, a energia, a justiça distributiva, o desempenho das instituições, a seriedade dos protagonistas e atores sociais e políticos, os agentes económicos, o bem comum. Provavelmente, chegou o tempo em que os homens e as mulheres já não suportam o que é essencial para a sobrevivência e todos. Levados pelas próprias paixões e pelo prurido de escutar novidades, ajustam mestres para si. Apartam os ouvidos da verdade e atiram-se às fábulas: a perspetiva iluminista de uma atitude de vida voltada para a procura egoísta de prazeres momentâneos, o sentido pejorativo de "hedonismo", sinal de decadência.

Neste ano (13.03.2013 – 13.03.2014) o mundo – quem, no mundo, o quer ver para além do umbigo, claro – foi impelido a não se contentar de si e a encontrar o outro, numa rede de relações cada vez mais autenticamente humanas. Apesar dos sinais de discórdia e separação, houve sinais novos, os homens e as mulheres do início de XXI são capacitados a transformar as regras e a qualidade das relações, inclusive as estruturas sociais: pessoas capazes de levar a paz onde há conflitos, de construir e cultivar relações fraternas onde há ódio, de buscar a justiça onde prevalece a exploração do homem pelo homem. Porque somente o sentido do outro é capaz de transformar de modo radical as relações que os seres humanos têm entre si. Inserido nesta perspetiva, todo o homem de boa vontade pode entrever os vastos horizontes da justiça e do progresso humano na verdade e no bem.

O Papa Francisco está a ser um expoente de esperança: vai materializando a Primavera da Igreja Católica protagonizada pelo Concílio Vaticano II e propõe, incentiva, empele, convida, revoluciona (com obras!) todos os homens e mulheres com um humanismo à altura do desígnio de amor de Deus sobre a história, um humanismo integral e solidário, capaz de animar uma nova ordem social, econômica e política, fundada na dignidade e na liberdade de toda a pessoa humana, a se realizar na paz, na justiça e na solidariedade.

quinta-feira, 13 de março de 2014

LEVANTAI-VOS E VAMOS EM FRENTE

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Jesus proporciona aos seus amigos mais íntimos uma experiência surpreendente e gratificante. “Que bom estarmos aqui” – diz Pedro em nome do grupo. A experiência inicia-se quando Jesus os toma consigo e, na sua companhia, sobe à montanha. Que terão pensado no percurso, eles que não se haviam refeito do susto do anúncio da paixão e permaneciam abatidos perante o desabar das suas encantadas ilusões! Confiam mais uma vez no Mestre, acolhem o convite/apelo e lançam-se na aventura. Acontece algo de extraordinário que lhes provoca tal satisfação que Pedro se propõe “armar” tendas para assim continuarem indefinidamente. Da desilusão ao encantamento!

Era o coração humano a falar, a expressar o desejo intenso de felicidade, a antecipar o sonho de estar sempre com o Senhor. Era a voz da consciência a libertar as aspirações mais profundas que, tantas vezes, permanecem caladas ou são mesmo silenciadas. Santo Agostinho salienta esta marca indelével do ser humano que vive inquieto e peregrino enquanto não encontra Deus e se senta no seu colo de Pai.

Os amigos de Jesus surpreendem-se pelo que vêem e ouvem: rosto cheio de fulgor e vestes repassadas de brancura. O narrador do sucedido recorre às imagens do sol refulgente e da luz irradiante para expressar a novidade do que está ocorrendo, imagens simbólicas que apontam para realidades sublimes e originais. Jesus deixa ver a dimensão profunda da sua figura humana de modo que os amigos se deparam com a realidade divina que os deslumbra. E ficam cheios de admiração e encanto.

A transfiguração do Mestre infunde-lhes novo ânimo e renovada esperança. Afugenta as tentações de desistência e abandono. Revigora a força da opção feita de seguir em frente. O testemunho de Pedro, Tiago e João é claro e aliciante: Contemplar o rosto de Jesus é fonte de transformação interior com enormes consequências na vida. Vale a pena levar Jesus a sério.

Seguir em frente, rumo a Jerusalém onde irão ter lugar os acontecimentos pascais que adquirem sentido pleno com a ressurreição, agora vislumbrada na transfiguração e em tudo o que a envolve. Seguir em frente e acolher a voz de Deus Pai, escutar Jesus o seu Filho muito amado. Seguir em frente e libertar-se de todos os medos que prostram e inibem, deixar-se tocar pela mão amiga que reconforta e aproxima, erguer o olhar e fixá-lo em Jesus humanizado. Seguir em frente, levantando o ânimo e comunicando entusiasmo, mostrando a bondade e a beleza que há em nós, transformando em boa notícia as atitudes generosas de tantos voluntários da vida digna, do trabalho adequado e para todos, do preço justo, do salário “decente”.

Seguir em frente. A humanização das relações pessoais e dos laços familiares, a ética na economia e na política, a cultura da vida e a civilização do amor fazem brilhar na sociedade o rosto sorridente de Deus Pai. E a transformação do mundo acontece sempre que o coração se converte e transfigura.

quarta-feira, 12 de março de 2014

Seminário CES - "Os problemas e as soluções para a Segurança Social"

O Observatório sobre Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra vem por este meio convidá-lo/a a participar no seminário "Os problemas e as soluções para a Segurança Social", que terá lugar no próximo dia 25 de março, no Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. 

Enquadramento

No âmbito das Oficinas de Políticas Alternativas, o Observatório sobre Crises e Alternativas organiza um seminário de apresentação dos trabalhos realizados nas Oficinas sobre a Segurança Social. Os temas dos trabalhos incluem: concertação social, relações laborais e segurança social; redistribuição e/ou universalismo; as crises desde 2008, o Programa de Ajustamento e os OSS; pensões; financiamento da Segurança Social, plafonamento e capitalização; assistência social e equipamentos; emprego/desemprego e proteção social; precários e trabalhadores independentes; combate à fraude; sistemas de informação e projeções; protecção social e desigualdades.

Programa

14h30 – Abertura, Francisco Louçã

15h00 – Apresentação dos trabalhos das Oficinas, José Luís Albuquerque

15h30 – Mesa redonda e debate com a presença de autores/as dos trabalhos e comentários de Pedro Marques, José Barrias, Paula Bernardo, Luís Capucha e Henrique Sousa

Moderação: Fernanda Câncio

18h00 – Encerramento, Manuel Carvalho da Silva

Autores/as: Cláudia Joaquim, Fernanda Rodrigues, Frederico Cantante, Hugo Mendes, José Luís Albuquerque, Manuel Carvalho da Silva, Manuel Pires, Marco Marques, Maria do Carmo Tavares, Mariana Trigo Pereira, Paulo Pedroso, Renato Miguel do Carmo, Ricardo Moreira, Rosa Coelho Fernandes, Tiago Gillot, Vítor Junqueira.


Inscrições


A entrada no seminário é gratuita,  mas sujeita a inscrição prévia através deste formulário online.

Invasões e evasão

 

M. Oliveira de Sousa  |  Justiça e Paz – Aveiro 

O cidadão comum – aquele cuja vida é orientada por processos simples alicerçados em valores, com olhar atento à realidade que o rodeia e participação ativa na transformação do mundo – fica estupefacto com estes movimentos de invasão; chegam a provocar urgência de evasão, de fuga do mundo – dando razão, porventura, mais uma vez, a Rosseau e à “teoria do bom selvagem”: o homem por natureza é bom, nasceu livre, mas sua maldade advém da sociedade que, com a sua presunçosa organização, não só permite mas impõe a servidão, a escravidão, a tirania e inúmeras outras leis que privilegiam as elites dominantes em detrimento dos mais fracos, reiterando assim a desigualdade entre os homens, enquanto seres que vivem em sociedade.

O cidadão comum compreende a antiguidade, com territórios sem Estado, construída ao fio da espada, de ambições tirânicas, sem uma organização e uma sociedade de nações, sem protocolos estabelecidos baseados na construção da paz e do bem comum!? O cidadão comum resigna-se perante as invasões helénicas (no século XX, a. C), dos Celtas (480 a.C.), do Império Romano (218 a.C.), dos Bárbaros (entre 300 e 800), das invasões muçulmanas (a partir de 711). Até compreende as invasões mongóis no oriente Japão (1274-1281)!

As invasões francesas e napoleónicas, do século XVIII-XIX, bem mais perto no tempo, como consequência da Revolução Francesa e início da luta entre a França revolucionária e a Europa conservadora levantam estupefação!

Mas passado este período, já cria assombramento como a opulência, soberba, cegueira e ambição desmedida de uns conduziram à Primeira Grande Guerra (de 28 de julho de 1914 até 11 de novembro de 1918).

E a Invasão da Polónia em 1 de setembro de 1939!? – assustador tanta semelhança com o tempo presente!

E as coincidências continuam! Quando um grupo de separatistas de uma província – uma província?! – resolve rebelar-se contra o governo central conduzindo à Guerra do Kosovo (24 de março a 3 de junho de 1999), à intromissão da NATO e à consequência geoestratégica que mais interessava à mesma organização, sem medir o alcance do disparate!

E depois surgiu a Guerra na Ossétia do Sul em agosto de 2008…

A Crimeia!

Com tantos cenários complicados de entender, num mundo que tem a Organização das Nações Unidas como “mesa” de encontro, o cidadão comum deseja a evasão! Mas para onde?

O mundo terá de cuidar do trigo e não perder a paz por causa do joio.

segunda-feira, 10 de março de 2014

D. António Francisco, o Bispo da Bondade:breve ensaio testemunhal.

 

Pedro José Lopes Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

“A tentação é querer suprimir o tempo, o espaço, o esforço, as mediações.

Pensamos que felicidade é a conquista imediata de um bem que imaginamos.

Mas perceberemos que logo após conquistá-lo, a felicidade se desloca como se fosse o horizonte.

Nunca teremos a felicidade nas mãos, pois nunca conseguiremos segurar o horizonte” J.B. Libânio.

Se quiséssemos tentar caracterizar brevemente o nosso Bispo, que nos deixa «agora» (…ele que foi “nomeado”, foi “tirado”, foi “roubado” – sabemos da forma não estilística das aspas -, foi(-se) entregue(ar) a uma Cruz maior…; para viver uma Páscoa melhor…) diríamos com simplicidade: D. António Francisco, o Bispo da Bondade. Aliás, era esse o desafio pastoral na preparação conjunta da «Missão Jubilar». Foi retirado. Foi saneado. Nós os “padres especialistas de muitas coisas…” recusamos, democraticamente, esse registo de síntese. A dose não podia ser digerida! Temos medo da Bondade! A Bondade, ainda, não nos libertou!

Essa “sua” Bondade ministerial não pode agora dar lugar ao ressentimento. À moral da vítima (não estamos num processo de vitimização, mas de ressurreição, a Cruz porque “passamos” será Páscoa). A questão não é ser, ou não ser, “piegas”, “fraco” ou “indisposto”. É, verdadeiramente, ser ou não ser, “bondoso”, “decente”, ou “disponível”. Se, como cremos, a virtude da Bondade pode ser ensinada, é mais pelo Testemunho do que pelas homilias, pelos decretos nas nomeações, ou pela presença em incontáveis reuniões.

Porque mais que acusar e denunciar os vícios, o mal e pecado. Sua preocupação foi “Anúncio”, humilde, abnegado e eclesial. “Vamos fazer juntos”. “Sua” Bondade é histórica. Feita da “sua” consciência rural e citadina (…sinais vindo de “Lamego” a “Paris”…como não podemos perceber e saborear, isto, Deus nosso!?). - Bondoso, demasiado bondoso… não é mal: é cura e libertação! Trata-se de agora que parte não sermos indignos dessa «Bondade», que viveu e semeou no meio das nossas comunidades, e principalmente, em nossas vidas, em jeito personalizado.

A “sua” Bondade, diria, por experiência na carne e na alma, é virtude da Dádiva. Dádiva em dinheiro (nisto nos tocou na liberalidade da “sua” carteira aberta…), dádiva de si (nisto nos tocou na “sua” magnanimidade, e mesmo sacrifício saído do coração…). Mas não podemos dar senão o que possuímos, e apenas se não somos possuídos por isso. Nisto a “sua” Bondade foi/é indissociável de uma forma de liberdade evangélica ou autodomínio “maduro e sapiente”. O “seu” OBRIGADO exausto e repetitivo nos purifica!

Um ministério da Bondade com rosto de Misericórdia, foi o “seu” em todas as inesgotáveis horas da sua entrega generosa. Numa “sua” insistência feita de pedagogia e mistagogia. A bondade como a Coragem de Ser. A misericórdia como a chave dos Mandamentos. A Bondade e a Misericórdia como duas faces da mesma moeda do Perdão: para reconciliar a humanidade ferida. A Igreja como hospital espiritual das doenças materiais: consumismo; corrupção e violência. O bispo que é profeta da fragilidade e da proximidade.

Há um ministério (isto é, serviço) de Esperança, de Comunhão e sobretudo Bondade, construído solidamente nas «Bem-aventuranças», que nos ensinou a viver com o “seu” Testemunho, de bispo e irmão, na Fé que permanecerá entre nós como Memória e Desejo, a cumprir. Bem haja D. António Francisco por ser “o” Pastor que foi e é, para a Diocese de Aveiro. Que a Diocese do Porto confirme o que em nós foi Dom e Profecia «já» realizados.

 

09-04-2014. (NB) Foi importante para a redação deste «breve ensaio testemunhal» a releitura de: COMTE-SPONVILLE, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, Editorial Presença, Lisboa, 1995, pp.95-112.

quinta-feira, 6 de março de 2014

LIBERTA-TE E VEM COMIGO

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Jesus dá o exemplo e faz o apelo. Após o baptismo vê confirmada a sua dignidade de Filho de Deus que vê questionada ainda antes de iniciar a missão pública. Mateus – o narrador do episódio – elabora um diálogo provocador entre dois contendores: O tentador com as suas propostas sedutoras e Jesus com as suas respostas contundentes. Umas e outras afectam o núcleo mais consistente do ser humano e constituem o espelho mais polido da ”trama/drama” da nossa existência. Dão por suposto o reconhecimento da realidade assumida – a novidade da missão de Jesus – e procuram fazer a sua interpretação, descobrindo e reencaminhando o sentido original.

O tentador centra a sua provocação na fome e, consequentemente na necessidade de pão. Ontem como hoje, mas agora agravada exponencialmente. Em todas as dimensões da realização integral de cada pessoa. Como consegui-lo? O desafio é pertinente. A proposta parece aliciante: Que as pedras se transformem em pão. E Jesus podia fazê-lo. Porém a recusa surge espontânea e esclarecedora. O pão é preciso, mas a maneira de o arranjar está confiada ao homem, ao seu trabalho honesto, à sua organização laboral, à gestão de recursos, ao preço justo dos valores, à sobriedade de vida, à economia social em que todos participam. Como ensina a Palavra/Lei de Deus. Esta resposta liberta o homem das amarras da inércia irresponsável e da dependência doentia. Reforça e restitui a nossa capacidade de gerir a vida e de nos organizarmos em sociedade. Reencaminha o homem para si mesmo, libertando-o da alienação e do facilitismo.

Vencido, mas não convencido, desloca a tentação para o religioso, o brilho do espectáculo, o esplendor do cerimonial, o prestígio de quem pode ser acompanhado por forças especiais. O pináculo do Templo era o local indicado. O êxito estava garantido. Que mais poderia desejar o provocador? Jesus, em resposta curta e incisiva, não lhe dá tréguas e recentra o sentido da sua vida, insinua o caminho da sua missão. Dá um não rotundo à religião espectáculo, ao culto das aparências ilusórias, à ostentação de insígnias reluzentes e credenciadas. Quer ser obediente ao projecto de Deus que se realiza na sinceridade do coração, na simplicidade do 

amor fraterno, na humildade do serviço. Que contraste de perspectivas e que “abanão” para as consciências instaladas no que apetece e parece bem.

As provações recusadas levam o tentador a fazer um desafio original e, para ele, decisivo. Explora o instinto da posse de bens, a apetência por ser poderoso e dominar, o desejo irreprimível de viver seguro, ainda que sacrificando a liberdade dos outros. E promete “mundos e fundos”. Exige apenas um preço a pagar: que Jesus se vergue perante ele, se prostre e o adore como um deus. A reacção de Jesus deixa perceber que a provocação atingira o auge, era intolerável. “Vai-te, Satanás”. Sai da minha presença. A minha atitude está defenida: De joelhos perante Deus; de pé firme perante os homens. É esta a minha missão: erguer os caídos, animar os abatidos, levantar os prostrados pelas tiranias.

Ter, amar, poder constituem três núcleos da identidade humana onde ocorrem as derrotas/victórias mais decisivas da história. A vida de Jesus mostra com abundância de factos que o serviço por amor é o caminho do êxito pleno. Por isso, continua a segredar-nos: liberta-te e vem comigo.

terça-feira, 4 de março de 2014

CONFIA EM DEUS E FAZ O QUE PODES

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro


A vida humaniza-se por meio das escolhas que fazemos. Somos colocados continuamente perante o desafio de organizar a nossa escala de valores, dando prioridade aos mais importantes e decisivos. À luz do bem definitivo e supremo. Não apenas da satisfação imediata, que deixa um vazio angustiante. Seria, a título de exemplo, o caso do sedento que encontra uma fonte e não cessa de beber pelo prazer que sente enquanto não esgotar a fonte. E depois, perante nova necessidade? O momento feliz dá passo à situação de ansiedade traumatizante. Qual de nós não passou por experiências semelhantes? E que bom seria que todos soubéssemos valorizar o momento no todo do tempo que nos é dado viver! O Papa Francisco elogia esta sabedoria.
Jesus conhece bem o ser humano e, por isso, faz-lhe propostas de aprofundamento dos seus ritmos vitais e oferece-lhe ensinamentos que rasgam horizontes de infinito às suas aspirações mais profundas. E lança o apelo/convite à aceitação cordial, ao seguimento coerente, ao realismo consciente, à caminhada persistente que, passo-a-passo, se aproxima da meta desejada. “A cada dia basta o seu cuidado” – garante aos discípulos como forma de expressar e viver a opção pelo reino de Deus e a sua justiça.
O método que usa é o do contraste pedagógico: “Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. A linguagem é taxativa. Não admite subterfúgios. O coração humano – que é único e original - só tem espaço definitivo para um absoluto. Em Deus está a medida infinita ,medida que se reduz o suficiente para se adaptar bem às capacidades e limites, aos ritmos apaixonados, às ânsias insatisfeitas de cada um de nós.
O dinheiro surge como o conjunto de bens com pretensões de absoluto, de deus ao serviço das satisfações de momento, das cobiças absorventes, das preocupações obsessivas. Assim, fecha o coração, desfaz a relação, desvia a aspiração, desestrutura a hierarquia de valores, inverte as prioridades na escala da vida pessoal e social. “Esta economia mata” – garante Francisco na exortação apostólica “A Alegria do Evangelho”.
“Confia em Deus e faz o que podes” é certamente a atitude cordata a ter pelos discípulos/cristãos. E, como um bom mestre contemplativo da natureza, Jesus aduz o exemplo das aves do céu e dos lírios do campo, a superioridade da vida e do corpo em relação ao alimento e ao vestuário, a primazia da solicitude de Deus pelo/a homem/mulher que sabem confiar no seu amor paternal.
Que exortação tão humanizante! Serena o espírito, liberta energias atrofiadas pela ansiedade, reduz o stresse de quem vive antecipadamente o que não chega a acontecer, concentra forças e recursos naquilo que é possível, refaz a confiança e potencia capacidades. Traça e realiza o perfil do homem novo que Jesus preconiza nas bem-aventuranças.