sábado, 28 de janeiro de 2012

TU ÉS O SANTO DE DEUS

Georgino Rocha  |  Comissão Diocesana Justiça e Paz - Aveiro

Esta afirmação não deixa de ser ousada e interpelante, atendendo a quem a faz. Que assombro manifesta perante os ensinamentos de Jesus na sinagoga de Cafarnaúm! Que estatuto social e religioso reconhece ao humilde artesão de Nazaré! Que prenúncio adianta do que virá acontecer no futuro! “Que tens a ver connosco? Vieste para nos perder” – declara o endemoniado em altos gritos.
O episódio ocorre durante a “homilia” na celebração habitual aos sábados, segundo os preceitos judaicos. Convidado a comentar as leituras, Jesus adopta um estilo próprio, distanciando-se do método tradicional. Não cita nenhum dos famosos rabis, como era de “bom tom” para credenciar o comentário. O que disse, Marcos não o regista, mas não andará longe, como noutras passagens se afirma, de algo parecido com o que Mateus conserva na sequência do sermão da montanha ( 5, 21-48). Jesus reinterpreta com autoridade pessoal o sentido das escrituras e manifesta o seu conteúdo oculto e inédito. Os ouvintes ficam admirados com a novidade e interrogam-se sobre o seu alcance: “Que vem a ser isto? Até os espíritos imundos lhe obedecem!” O que estes intuem, declara-o convictamente o possesso endemoniado.

A novidade é manifesta, não apenas em palavras, mas em gestos de proximidade e de cura. O endemoniado sente-se liberto de tudo o que o oprime: doença, exclusão, forças maléficas. A sua presença na sinagoga e a sua intervenção pública causam certa estranheza e revestem uma enorme carga simbólica. Será o “retrato” da situação religiosa que é necessário superar? A troca de palavras – não chega a ser diálogo – entre ele e Jesus parece indiciar algo parecido. O confronto com as forças do mal personificadas em espíritos imundos ou possessos irá ser uma constante na missão do Nazareno e, a partir dele, na vida e acção dos seus discípulos e da sua Igreja.
Outrora estas forças “disfarçavam-se” em pessoas possuídas por tendências naturais incontroláveis ou por desvios humanos notórios, pela influência de seres estranhos ou de espíritos demoníacos. As ciências do conhecimento biológico e médico ainda não estavam desenvolvidas a ponto de identificarem a origem destas perturbações esquisitas. Mas os seus efeitos, sim; estão bem patentes no estigma social típico de todo o endemoniado, na marginalização religiosa a que era votado o doente, no estatuto de excluído da sociedade; por isso, a sua condição não contava nem valia nada, não merecia qualquer consideração.

E hoje, que forças ocultas ou evidentes mantém as pessoas manietadas e oprimidas, as sociedades fragilizadas, os estados impotentes, as confissões religiosas ensonadas e a(s) Igreja(s) incomodada(s)? Parece claro que refazer o sistema que provocou e mantém esta crise global é pretender continuar o “fabrico” de empobrecidos em número crescente e o espezinhamento da sua dignidade, a multidão de silenciados e manipulados que tardam a tomar a palavra, a legião de indignados que tentam fazer ouvir a sua voz e a razão que lhes assiste. A base da pirâmide social alarga-se cada vez mais. E o topo superior afunila-se progressivamente.
As alternativas vão-se esboçando e dão alguns passos. Adquirem maior visibilidade os projectos que visam a mudança de mentalidade e a conjugação de esforços em torno da economia solidária, de participação activa, de responsabilidade de cada um face ao bem de todos. Que bom seria, se o critério de acção fosse, pelo menos, a novidade trazida por Jesus de Nazaré – o Santo de Deus - apresentada de forma inaugural na sinagoga de Cafarnaúm!
 

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

RESPOSTA IMEDIATA AO CONVITE FEITO

 

Georgino Rocha  |  Assistente da CDJP-Aveiro

É impressionante a prontidão dos convidados. A sua resposta fica como referência exemplar da atitude de quem é chamado. A sua disponibilidade indicia uma liberdade interior capaz das maiores ousadias. A sua confiança tem apenas como alicerce a força persuasora de quem lhes faz o convite. E deixando tudo, imediatamente O seguiram!

Jesus vive uma “hora” complexa. A prisão de João Baptista não augura nada de bom. Risco semelhante pode correr em qualquer momento. É tempo de pensar no futuro e começar a preparar as suas bases, desde já. Caminha à beira-mar e vai sonhando. Olha a grandeza e o encanto do ambiente que o rodeia: o azul sereno do céu espelhado nas águas, a brisa marítima suave que lhe afaga o rosto e faz agitar os cabelos, o ruído que vem da faina da pesca de uns homens que diligentemente lançam as redes. Vê nesta ocorrência a possível solução e a desejada oportunidade: Iniciar “a pesca de homens” a quem, mais tarde, entregaria a sua missão. Entretanto, andariam consigo, veriam o que fazia, estabeleceriam laços de comunhão fraterna, tentariam compreender os ensinamentos e, sobretudo, beneficiariam do seu estilo de vida itinerante, sóbrio e confiante em Deus-Pai. “Habilitavam-se”, tanto quanto pudessem, para o serviço a realizar.

Também ele lança a rede. E o resultado é imediato. Surge o primeiro núcleo apostólico que se alargaria progressivamente. Pedro, Tiago e João – pertencentes a duas famílias – vêm a ser testemunhas qualificadas de acontecimentos únicos na vida de Jesus. Ser pescador de homens constitui uma das imagens conhecidas em Israel pois era usada para expressar o papel universal e mediador que caberia ao povo amado por Deus nos tempos messiânicos (Ez 47, 9-11). O chamamento e a indispensável preparação têm um objectivo claro: servir o Reino de Deus que está em curso. Por isso, os vocacionados devem apreender em que consiste, viver e transmitir a sua mensagem, celebrar as suas maravilhas e anunciar o seu crescimento progressivo até à plenitude no futuro em que Deus e o homem selam a comunhão definitiva.

Este reino encontra-se já nas acções de Jesus, no perdão que oferece aos publicanos e prostitutas, na expulsão dos demónios e na cura dos enfermos, na libertação dos oprimidos e excluídos, na advertência aos ricos e poderosos, na exortação aos pobres e humildes. São acções que realizam em gérmen a sociedade nova respeitadora da vida, assente na verdade e no amor, na justiça e na paz, na liberdade e na igualdade; sociedade nova aberta a valores que a superam e lhe abrem horizontes novos como a graça, a santidade, a proximidade de Deus que se manifesta como Fonte da bondade e da beleza.

As sementes do Reino estão no coração de todos por decisão livre de Deus providente. Dar a conhecer esta realidade encorajante, criar condições para que desabrochem e embelezem o jardim de toda a humanidade, apresentar a sua realização plena e sedutora em Jesus de Nazaré, o Messias de Deus, servir de sinal e instrumento deste projecto             de salvação que está em curso constitui a missão da Igreja, de todos os seus fieis, suas famílias e comunidades, seus grupos e movimentos. O convite está feito e é apelativo. A resposta terá de ser pronta e generosa.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Criação, a Justiça e a Paz

Isabel Miranda
Comissão Diocesana Justiça e Paz | Aveiro


Abençoando-os, Deus disse-lhes:
“Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem na terra”.
… Deus disse:
“Também vos dou todas as ervas com sementes que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento…”.
…Deus vendo toda a sua obra, considerou-a MUITO BOA.
(gn 1)
Se a ligação entre a Criação, a Justiça e a Paz não for, porventura, clara, para alguns de nós, o próprio Papa Bento XVI, num encontro realizado no passado mês de Novembro, no âmbito de uma iniciativa da fundação italiana “Irmã Natureza”, em que estiveram presentes cerca de 7000 jovens, alerta:
“Se o homem se esquece de ser colaborador de Deus no seu trabalho, pode causar violência às coisas criadas e provocar estragos que têm sempre consequências negativas, inclusive sobre o homem”.
“É já evidente que não existe um bom futuro para a humanidade sobre a terra se não nos educamos todos num estilo de vida mais responsável ante a Criação”, que se “aprende antes de tudo na família e na escola”.
De facto, o respeito pela Criação, e não o uso desenfreado dos bens que Deus nos legou, asseguraria o equilíbrio e a sustentabilidade da Terra, bem como uma distribuição justa da sua riqueza. Atualmente, o consumo de recursos naturais ultrapassa em 20%, por ano, a capacidade do Planeta para a sua regeneração. Por exemplo, a disponibilidade de água potável passou de 17.000 metros cúbicos per capita em 1950, para os atuais 7.000 metros cúbicos. O estado do Planeta Terra, e da Criação, neste início de milénio, está relacionado com o desenvolvimento do mundo ocidental desde a revolução industrial, e reflete desequilíbrios marcados entre regiões do nosso Planeta, com excesso de consumo (não somos nós uma sociedade de consumo?) por um lado, e pobreza extrema pelo outro. Apenas cerca de 30% da população mundial consegue assegurar as suas necessidades básicas, ocorrendo 86% do total de compras nos países "ricos". À ilusão de bem-estar criada pelos elevados níveis de consumo, estão associados novos problemas da nossa sociedade, tais como altos níveis de obesidade, dívidas pessoais e menos tempo livre.
Por outro lado, a estrutura sócio-económica dos países industrializados, ditos desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, se adoptada pelos países mais pobres, poderá ser catastrófica para o Planeta. Pense-se no crescimento veloz da China e da Índia, baseado nos mesmos parâmetros de consumo que nos regeram durante o século XX. Onde está o cuidado e o respeito pela Criação? Continuamos a aprofundar o fosso entre os ditos “ricos” e os ditos “pobres”? Qual a justiça no uso dos bens que Deus deixou a todos? Como garantir a justiça e a paz no uso em caridade dos recursos?
Vinte anos depois da Cimeira da Terra vai realizar-se em Junho de 2012, no Rio de Janeiro, a Cimeira Rio+20, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No atual contexto de crise financeira, e de reflexão sobre o tipo de desenvolvimento que a humanidade
pretende e precisa, esta cimeira deverá, à semelhança do notável marco da anterior Rio92, que resultou na implementação de diversas convenções mundiais fundamentais, relembre-se a Convenção Quadro sobre as Alterações Climáticas, ou a Convenção para a Biodiversidade, ser também um marco que estabelecerá e guiará o futuro do nosso Planeta no século XXI, combinando eficiência económica, com justiça social e o futuro ecológico do planeta. Tal não será mais do que assumir e pôr em prática o conceito de Desenvolvimento Sustentável, proposto por Gro Brutland no livro “O Nosso Futuro Comum”, em 1987. Mas, como dizia João Paulo II, “É necessário que, duma vez por todas, o homem dê uma volta de mentalidade de 180 graus. O homem deve aprender a respeitar a vida e construir uma morada digna de toda a família humana. Ter cuidado da Terra é para o homem uma obrigação moral”. Se subjacente à mudança de paradigma de desenvolvimento estiver, pois, o respeito pela Criação, estaremos no bom caminho.
Todavia, não pensemos nós que estas são questões demasiado grandes e que não podemos fazer nada, nem para elas temos contribuído. Não é a situação atual do mundo ocidental o resultado do nosso tipo de vida, em que o importante é Ter e não Ser? Será que ao deixar uma luz acesa, sem necessidade, nos lembramos que estamos a usufruir descuidadamente da Criação, consumindo recursos e poluindo? E o par de sapatos que comprámos sem precisar? E a comida que continua, apesar da crise, a ir para o lixo? Estamos a educar os nossos filhos na e para a sobriedade? Talvez este período de dificuldade nos faça valorizar de novo os bens que o Senhor nos deixou. Talvez os Domingos deixem de ser uma ida ao centro comercial para passarem a incluir um passeio ao jardim/parque/bosque mais próximo.
Precisamos de nos reaproximar da Natureza, de voltar a sentir o dom imenso duma flor a desabrochar, de ser felizes com um céu cheio de estrelas… Talvez aí possamos dizer como S. Francisco:
“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz diversos frutos com coloridas flores e relva”.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Um novo itinerário_Dia Mundial da Paz 2012




Manuel Oliveira de Sousa


No início de um novo itinerário social e económico, o ano 2012, somos interpelados, logo no primeiro dia, a viver o 1 de janeiro como o Dia Mundial da Paz.
Inicialmente designado por Dia da Paz foi criado pelo Papa Paulo VI, com uma mensagem datada do dia 8 de dezembro de 1967, para que o primeiro fosse celebrado sempre no primeiro dia do ano civil (1 de janeiro), a partir de 1968: “Dirigimo-nos a todos os homens de boa vontade, para os exortar a celebrar o «Dia da Paz », em todo o mundo, no primeiro dia do ano civil, 1 de Janeiro de 1968. Desejaríamos que depois, cada ano, esta celebração se viesse a repetir, como augúrio e promessa, no início do calendário que mede e traça o caminho da vida humana no tempo que seja a Paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o processar-se da história no futuro.”
Há três elementos fundamentais que podem ajudar na leitura deste “pórtico” de 2012 que urge reorientar, dar nova expressão, definir de outro modo na economia, nas estruturas sociais, nas políticas nacionais e locais.
Primeiro a intenção no momento fundacional, o dia da Paz.
O que ocorre com maior evidência é o desastre que os povos têm provocado. Não é possível que a minoria das classes mais abastadas e dirigentes não entendam que estão a semear as sementes do seu próprio fim. Ou se reparte com a justiça o que é de todos ou estas sementes de guerra (o pessimismo, a pobreza, a falta de esperança, a mobilidade das pessoas, a fome) vão abrir ainda mais o fosso onde todos, pela globalização, seremos submersos.
Um segundo elemento que importa sobrevalorizar é a clarivisão do Papa Bento XVI na mensagem para este dia 1 de Janeiro, EDUCAR OS JOVENS PARA A JUSTIÇA E A PAZ.
Não se trata de um apelo à ação sobranceira dos educadores, formais e informais, é um grito para o mundo dar às gerações jovens o que lhes pertence: futuro. Os jovens têm direito a viver e a viver melhor que as gerações dos seus pais, têm direito a nascerem livres! Hoje, ao esgotar os recursos económicos e sociais dos mais velhos, as finanças do mundo transformaram a humanidade noutro rosto da escravatura do Séc XXI, a começar pelos jovens, endividados antes de serem gerados.
Por fim, é relevante considerar a distinção que o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia dão a 2012 ao declararem-no como o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e da Solidariedade entre as Gerações; pretendendo contribuir para promover uma cultura de envelhecimento ativo na Europa convocando valores europeus como a solidariedade, a não discriminação, a independência, a participação, a dignidade, os cuidados e a autorrealização das pessoas idosas, concorrendo para o desenvolvimento harmonioso das sociedades europeias.
É também uma oportunidade para refletir sobre os efeitos do envelhecimento demográfico e sensibilizar os decisores políticos e a sociedade para o que a maior longevidade pode trazer, nas áreas do emprego, cuidados de saúde, serviços sociais, educação de adultos, voluntariado, habitação, novas tecnologias, mobilidade; a valiosa contribuição das pessoas idosas na sociedade.
O ano que agora surge, cruzados estes três elementos, exige ter de ser o início do ciclo da verdade, da transparência, do equilíbrio a todos os níveis que as várias gerações e serviços necessitam. Porque só haverá paz, desenvolvimento, se houver pessoas em paz e com perspetivas de desenvolvimento. Sem isto, passaremos à insolvência, à insustentabilidade. Porque tudo o resto, de nefasto, já está à nossa porta!