sexta-feira, 30 de outubro de 2015

FELIZES SEREIS POR MINHA CAUSA

 

Georgino Rocha | Justiça e Paz -  Aveiro

Jesus dá esta garantia aos discípulos no início da apresentação do programa que vem realizar em nome de Deus e quePe Georgino Rocha resume em proporcionar a quem nele crer a felicidade plena, exuberante, definitiva. Mateus, o autor da narração, descreve a cena com termos de grande solenidade: depois de ver as multidões, sobe ao monte, senta-se rodeado por eles, começa a ensiná-los proclamando as bem-aventuranças. Mt 5, 1-12. Deixa emergir a figura de Moisés e o episódio do Horeb, das tábuas da Lei e da aliança que Deus realiza com o seu povo. E insinua, desde já, que Jesus é o novo Moisés que não vem revogar, mas elevar à perfeição o pacto outrora celebrado na montanha sagrada.

Ser feliz é a aspiração maior do coração humano. A tudo recorre para ver se o alcança. A história documenta abundantemente este facto que a experência pessoal e familiar confirma, armazenando momentos intensos de exuberância, situações prolongadas de satisfação e bem-estar, e comprovando que tudo é passageiro, deixando um vazio amargo que deseja preencher e superar constantemente.

"A autêntica felicidade torna-se presente na nossa vida quando saímos do nosso eu egoísta, nos descentramos e voltamos o nosso rosto, as nossas mãos e o nosso coração para o outro. No serviço, a entrega e a felicidade dos outros encontramos a generosa prenda que nos envolve como uma veste nova" (Tolstoi).

Jesus é muito claro na sua mensagem. Unir-se a Ele e professar a fé faz-nos ser peregrinos confiantes da felicidade prometida e está ao nosso alcance. Assumir a sua causa é antever, desde já, os sentimentos mais íntimos que brotam do seu agir, do seu estilo de vida, do seu coração liberto, da sua misericórdia que de todos se compadece, aproxima e ajuda.

Seguindo os seus passos, são felizes os que não têm o coração amarrado pelo dinheiro nem atado pelos bens; os que apreciam uma vida sóbria e saudável e repartem com generosidade; os que não se deixam aprisionar pelos desejos egoístas nem pelos apetites descontrolados.

Felizes os que sabem sofrer por amor e se preocupam com as dores alheias e as agruras da vida, com os gritos das vítimas inocentes e os gemidos das criaturas; se preocupam e tomam iniciativas para lhes dar consolo e despertar a consciência humana da indiferença malévola em que deixou cair o sofrimento anónimo. Felizes os que encontram em Ti, Senhor, a coragem e a fortaleza para descobrir o sentido positivo de tantos dramas humanos.

Felizes os que sabem perdoar e aceitam o perdão que lhes é dado, os que acolhem agradecidos o teu amor misericordioso, os que são amáveis e respeitadores, os que esquecem ofensas e amam os inimigos. Tal como tu fizeste, Senhor.

Felizes os têm um bom coração, limpo de preconceitos e maldades, capaz de ver o melhor que há nos outros, de ser justo nas apreciações e de não confundir a trave com o sisco de que fala o Evangelho ao tratar da relações fraternas; felizes os que são sinceros e verdadeiros, e vivem em vigilância atenta ao que nasce do coração: pode ser o melhor ou o pior.

Felizes os que trabalham pela paz, que semeiam o respeito e a concórdia, que previnem tensões e conflitos, antecipando-se ao que é previsível e desinflacionando emoções negativas ou amaciando temperamentos agressivos; felizes os que deixam a sua comodidade e conforto e se pôem a caminho para remover os obstáculos à paz e ajudar na reconciliação dos desavindos e dos adversários, ainda que tenham de sofrer a incompreensão e, mesmo, a perseguição e a morte.

Felizes os que mantém viva a tua causa que é a do Reino dos Céus e não se cansam de lançar as sementes no campo do mundo, sem quererem guardar no seu celeiro o trigo desta vida que termina, mas preferem vê-lo germinar em frutos da Vida que não acaba. Felizes os que acreditam no Céu.

A felicidade que Jesus nos garante brilha na imensa multidão das pessoas bondosas e santas que, hoje, celebramos. E não na “macacada dos halloween (etimologicamente véspera do dia de todos os santos e não noite de bruxas) nem das fantasias tenebrosas das almas do outro mundo que atormentam os mortais. São de todas as condições, raças e cores. Estão presentes em todas as épocas da história. Também na nossa, em que surge com novo fulgor na tragédia dos cristãos mártires. Também nas vítimas inocentes de leis iníquas, à semelhança do que aconteceu contigo, Senhor, que foste eliminado por cruéis algozes e glorificado por Deus Pai. Felizes sereis por minha causa!

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

sobre alguns reflexos d´alma

 

Pedro José L. Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

“Não ver. Não ver o que se quer. Não querer o que se vê.

Coisas tão diferentes, que compõem os nossos dramas”.

OMP, in “Missão: o que o amor não pode calar” - Guião Missionário 2015/2016, p.36.

 

Pedro José L. Correia - Aveiro

[1]Não ver” – O Não-Ver da existência é “negatividade” pura; e ela não rima com “felicidade”. Eis nossa ilusão impura do “se calhar”. Se calhar para nosso bem o não ver é um ver melhor. Ver claro é um deixar de ver escurecido. Porque é Noite. E um ver indiferente é fechar-se nos olhos da opulência cínica ou do consumo desmedido. Não ver que me irrito facilmente. Não ver o sorriso genuíno. Não ver lágrima ferida. Não ver que estou cansado de dizer sim-sem-pensar. Não ver que o «carácter» não tem pátria, nem religião, e muito menos, salário base. Cumprir-se enquanto Pessoa é o mínimo que podemos aspirar. Cultivar o olhar interior. O Desejo purificado. Curar a cegueira da visibilidade, isto é, ver com o Coração apenas e sempre. Como Deus nos vê.

[2]Não ver o que se quer” – O “falso positivo” é aquilo que não está inscrito no número do telemóvel no click do polegar indeciso. Para ver muito, até mais que o necessário: ligam-se os máximos; os holofotes dos jornais; impõe-se interesses e caprichos; no fundo, o paradoxo do mentiroso verdadeiro. Para ver do lado da humanidade: diante do sol, somos a sombra; diante da luz artificial, apenas acendemos uma vela. Isso mesmo: para controlar a conta mensal da luz elétrica; basta a Coragem de participar numa Procissão de Velas. Uma pequena Procissão de Esperança nocturna. Ver com a inteligência da vida, no sentido próprio da palavra, e deixaremos de ser impróprios para os relacionamentos quotidianos. Ter o Sangue purificado Nele. Curar a cegueira da possibilidade, isto é, a preocupante e preocupada doença das "selfies".

[3]Não querer o que se vê” – Ninguém gostaria de ter a sua roupa interior exposta na praça pública. Fazemos isso e muito mais, por «coisíssima nenhuma». Dá cá aquela palha e já está arrumado o caso. Onde reside o «sacramento da iluminação»? Pelo batismo sou um iluminado que se converte passo a passo. Só autenticidade, mesmo no limite da nossa não-aderência à Verdade. Isto é complexo: do erro-a-erro para chegar ao graça-a-graça. Olhar o Futuro mais-que-imperfeito dos nossos lusos verbos irregulares. Uma nova gramática evangélica. Aqui somos invadidos: pelo “more is more” que passa a traduzir-se por “less is more”. Descobrimos que não sabemos falar línguas estrangeiras e que isso não contribui para a Salvação dos néscios?! Conversão de purificação. Curar a cegueira da impossibilidade, isto é, da invisibilidade.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

ORAGEM! ELE ESTÁ A CHAMAR-TE

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

Pe Georgino Rocha

     Esta exortação “faz a ponte” entre o grito confiante de Bartimeu e a atenção que Jesus lhe quer dispensar. Condensa e exprime o desejo recíproco do encontro, do diálogo pretendido, da compaixão suplicada. Mc 10, 46-52. Evidencia a situação de quem está retido à beira dos caminhos da vida e dos que, livremente, vão fazendo o seu percurso, integrando-se nas multidões ou acolhendo-se a grupos de preferência. Lança luz sobre a família na pluralidade das suas configurações, a atitude sábia a cultivar preconizada pelo Sínodo que, hoje, conclui os seus trabalhos, os belos testemunhos de quem vive e contempla o amor conjugal na sua luz irradiante, os pedidos sentidos e persistentes de tantos divorciados e recasados que esperam uma oportunidade para verem a sua dignidade e integração mais reconhecidas na Igreja.

     Marcos narra o episódio do cego de Jericó, colocando-o, pedagogicamente, após a tensão surgida entre os apóstolos por causa de saber quem entre eles é o maior e antes de se “fazerem ao caminho” que o Mestre decididamente ia tomar rumo a Jerusalém. Aqui, se desvendará quem é o primeiro no reino de Deus: o que, por amor, a tudo se sujeita, mesmo à morte de cruz. O autor pretende “desenhar” o perfil do verdadeiro discípulo.

     Bartimeu sente as limitações e sofre as consequências resultantes do seu estado, numa sociedade legalista e discriminatória, A necessidade força-o a pedir esmola, saindo para os caminhos por onde passavam os transeuntes. Um dia ouve dizer que Jesus de Nazaré ia a passar e dá largas à sua voz reprimida, gritando: “Filho de David, tem compaixão de mim”. Esta súplica mostra a sua confiança em ser atendido, pois, como outrora David protegia os seus súbditos necessitados, assim agora – pensa o cego – Jesus lhe iria valer, compadecendo-se da sua situação.

      A multidão tenta abafar o seu grito, repreende-o e manda-o calar. Ele, porém, não está disposto a perder a oportunidade e insiste. Vence com a sua persistência as tentativas de o silenciarem. Que lição para os tempos que correm! Resistir à onda avassaladora da dignidade humana, à nivelação igualitária de todas as expressões do amor sexuado, à redução privada do destino universal dos bens, à discricionária solidariedade subsidiária, à imposição dos modelos de educação e à exclusão de qualquer outro tipo que não seja a escola estatizada, à proibição do direito dos cidadãos à escolha da educação e de expressarem em público a sua fé. Dar voz aos gritos abafados dos idosos solitários, às lágrimas dos espoliados dos bens de sustento, às dores das vítimas da conjuntura económica, aos gemidos dos “sem voz” nesta crise alarmante.

     Jesus detém-se, manda-o chamar e espera. O recado chega depressa. Que dita não terá vivido Bartimeu naquele instante! E ainda por cima com o apoio amigo de quem lhe transmite a mensagem. Momentos únicos na vida. “Coragem! Ele chama-te”. Que alegria sentirão as famílias ao verem-se chamadas pela Igreja na sua ternura de mãe a percorrerem com ela os caminhos da verdade que liberta e da misericórdia que acolhe, com desvelo, o pecador perdoado. Coragem, família, o alicerce firme de uma sociedade humanizada e harmoniosa, está em ti e no desempenho das funções naturais enriquecidas pela sabedoria das culturas e pelas lições da história. A civilização do amor só será possível contigo como comunidade de vida em relação, de escola do perdão, de espaço de comunicação de corações irmanados no mesmo objectivo: a felicidade de todos e de cada um dos teus elementos.

   O episódio de Bartimeu constitui um símbolo de grande alcance. O encontro dá-se, o diálogo clarifica o pedido e a compaixão manifesta-se. Jesus declara-o curado, devido à sua fé confiante. O cego recupera a vista e segue Jesus pelo caminho, rumo a Jerusalém, onde verá “coisas maiores”: o amor feito doação que brilha na morte tenebrosa da cruz e na ressurreição refulgente da sepultura na manhã da páscoa. Oxalá a família liberta das possíveis “cegueiras” que a podem atormentar cresça na luz da sua verdade original iluminada pelo amor de doação de Jesus ressuscitado, o rosto da misericórdia de Deus Pai.

domingo, 11 de outubro de 2015

Sobre “por minha causa e por causa do Evangelho”

 

Pedro José L. Correia |  Justiça e Paz – Aveiro

«O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa:

está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado”,

Vergílio Ferreira (1916-1996) in Público, 19-09-2015, p.48.

1. Sobre um mundo sem causas – Um homem aproximou-se a correr (quer chegar em primeiro?), saúda e Pedro José L. Correia - Aveiroelogia, simultaneamente, ajoelhou-se, em atitude sagrada (?), para perguntar sobre a Vida Eterna. De repente, a sua causa maior fez dele um desprovido-de-causas. Indeciso foi-se embora abandonado pela possibilidade da felicidade real. O não-seguimento pode levar à negação da Causa Maior. Não sobreviver a uma vida libertária; mas onde a liberdade obedece à Vida em plenitude existe entrega e reciprocidade. Não podemos sofrer da doença do «escapismo»; a realidade não pode negar as Causas prioritárias. Há mediações e consensos que evitam o «tudo» ou «nada». Não aceitar a desconsideração do Outro: evitar no fio-da-navalha a cedência à mediocridade, que é sempre um modo inumano de se ir estando.

2. Sobre as causas do insignificante e do significativo – Mudar a mentalidade no Ser. Acreditar que a multiplicidade não anula a transparência evangélica. Rezar por aqueles a quem as injustiças do mundo sem causas tiraram tudo o que Deus queria dar a todos. Viver com os meios que estão ao serviço da Vida e das Causas: não podemos atrasar mais, nem “fazer de conta” a menos. Os meios “ricos” ou “pobres”; o dinheiro e a pobreza não são «neutros». Precisamos que se faça “o” Bem e “a” Verdade. Faça acontecer “o” chamamento ao Ser. Os meios, em certa medida, são as causas que realizam o cumprimento da Pessoa Humana. Se isto é um «homem»; se isto é uma «mulher»: então a partilha do Ser é possível. A vida não se esgota no «presentismo» das riquezas; nem no «eternismo» dos mandamentos. Tudo é relativo. Absoluto a «Fome» e «Deus». “- Vem, dá (-te) e segue-Me!”.

3. Sobre “por minha causa e por causa do Evangelho” – Neste argumentar de Jesus Cristo que centraliza na sua Pessoa e no Evangelho, a chegada da Boa Nova do Reino de Deus reside tudo. Tudo recomeça agora. “Vai, vende e dá tudo… Vem e segue-Me!” Uma coisa te falta. Há uma carência existencial que não por ser enganada. Exige-se um desprogramar da Vida sem excepções. Sem desvios em relação ao “Caminho, Verdade e Vida”. A nossa Generosidade e os nossos Desejos purificados na Sua Causa e na causa do Evangelho, sem distinções. É preciso um «salto qualitativo»: tornar-se Cristão no Seguimento da Causa de Jesus e do seu Evangelho. (i) Deixar de ser-em-si; (ii) ser-para-os-outros em Jesus.

Em suma, existe a ineludível «necessariedade» para “deixar” o Ter; e então, “seguir” no Ser. Na pânica mediocridade de não tentar procurar o “que nos falta”: viveremos momentos perplexos e insatisfeitos. Na sua Causa e por causa do Evangelho é urgente ir relendo, revendo e reouvindo a Vida na sua plenitude generosa e serviçal. Apenas nesse nada perdido tudo será encontrado.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

JESUS OLHA-NOS COM TERNURA

 

Georgino Rocha |  Justiça e Paz – Aveiro

A relação de Jesus com as pessoas mostra-se de forma expressiva no seu olhar. Mc 10, 17-27. Olha com ternura o homem Pe Georgino Rochaque vem a correr para lhe perguntar o que há-de fazer para alcançar a vida eterna. Fita os olhos nos discípulos que ficam espantados pela resposta/comentário dada na sequência da atitude assumida por aquele “peregrino” da verdade. É igualmente expressivo o modo como olha e se compadece das multidões, de Pedro, da mulher adúltera, e de tantos outros que se foram cruzando com ele nos caminhos da missão. Foi assim outrora nas terras por onde passava. É assim agora nas situações em que está presente connosco. Que certeza tão confiante e desafio tão estimulante!

O episódio narrado por Marcos contém um valor simbólico, além de algum suporte histórico. É muito significativo o detalhe de que “naquele tempo ia Jesus pôr-se a caminho”. Parece que todo o tempo é seu, que faz a sua gestão como entende, que pressente o que vai acontecer. Talvez haja aqui um sentido oculto que se veio e revelar: dar possibilidades de chegar a quem o procurava a correr, a quem sente fortemente o impulso do coração, a quem tem perguntas fundamentais a fazer-lhe.

O homem é um ser que faz perguntas. Desde pequenino até ao último momento de lucidez. E em qualquer idade da vida surge a pergunta do sentido da existência, do rumo do trajecto que vem prosseguindo, do desfecho da história pessoal e colectiva, do futuro definitivo, da vida eterna. E deseja receber resposta adequada, em sintonia com a intensidade da sua busca; resposta que dê consistência à sua corrida e alimente a esperança de vir a alcançar o que pretende; resposta que reforce a comunhão do que vive com aquilo que tanto quer viver um dia: a felicidade plena e definitiva no seio de Deus, em ambiente festivo de família ampliada a toda a humanidade.

O desfecho da corrida está condicionado pelas atitudes do corredor. Mas é a vitória final que leva a mobilizar todos os recursos. Ela compensa renúncias e esforços. Ela encanta, atrai e seduz. Ela dá sentido aos êxitos ou fracassos que possam ocorrer no percurso.

Jesus é muito claro. Promete o tesouro no Céu a quem seguir os seus passos na terra, for seu discípulo. A tempo inteiro e de forma integral. Em plena liberdade de comunhão. Todos os outros bens são relativos. Se servem esta liberdade, integram-se facilmente. Se não, há que desfazer-se deles, partilhando-os com os pobres. Só um coração liberto, pode anunciar a liberdade e ajudar a libertar.

Ser discípulo é olhar com ternura os outros e as suas situações. Apreciar os valores que comportam e proporcionar-lhes a ajuda de que precisam para dar o passo possível na busca de um bem maior: sentir-se amado por Deus e procurar corresponder-lhe com a medida cheia.

A Igreja vive uma fase típica na realização da sua missão. Chamada a olhar a realidade familiar com a ternura da misericórdia e a firmeza da verdade, quer anunciar a beleza do matrimónio e da família, e encontrar as orientações evangélicas mais adequadas à diversidade de situações.

“Não à rigidez: Deus quer misericórdia” – clama o Papa Francisco no seu estilo claro e assertivo. E continua dizendo que o coração duro é o verdadeiro perigo para o ser humano porque não deixa entrar a misericórdia de Deus.

Olhar as pessoas com o olhar que Jesus tinha. “Interessava-se primeiro pelo seu sofrimento e, depois, chamando o pecado pelo seu nome, anunciava ao pecador o perdão e a misericórdia de Deus, daquele «Pai seu» que não quer a condenação do pecador, mas que este se converta e viva em plenitude” – afirma Enzo Bianchi, fundador da comunidade de Bose. E conclui: Nesse olhar “está a capacidade da Igreja ser «perita em humanidade».

Este é o olhar de cada cristão, de toda a Igreja em Sínodo. Acolhamos o pedido do Papa Francisco: “Rezemos pelos Padres Sinodais para que, iluminados pelo Espírito Santo, possam dar à Igreja, como família de Deus, novo impulso para lançar as suas redes que libertam os homens da indiferença e do abandono, promovendo o espírito familiar no mundo”.

domingo, 4 de outubro de 2015

sobre «o» que importa «mais» para além da «dureza do coração»

 

Pedro José L. Correia  |  Justiça e Paz – AveiroPedro José L. Correia - Aveiro

«O direito de asilo é um direito humano, e qualquer pessoa que pedir asilo deve ser tratada de forma justa e, se for o caso, deve ser acolhida com todas as consequências.»,

Jürgen Habermas, in http://www.ihu.unisinos.br/noticias/547547-qdireito-de-asilo-e-direito-humanoq-diz-habermas, acesso: 03-10-15.

«Hoje é dia de Eleições Legislativas. O horário de funcionamento das mesas de votação está anunciado entre as 8H00 e as 19H00. Somos convidados a votar, exercendo assim o direito e o dever neste exercício de Cidadania.»,

1. Sobre a dureza do coração – Os discursos e dentro deles a argumentação «maliciosa», «técnica» ou «fundamentalista» (falo dentro da parte católica, e não só), que fazem a linguagem e a leitura da realidade: turvaram e confundiram a minha semana do princípio ao fim. Neste evangelho dominical, na forma breve (Mc 10,2-12), quero ter a impressão que vejo, os dois lados da “barricada”, na reunião dos 279 bispos de todo o mundo, neste Sínodo romano sobre a Família, que se prolonga até ao dia 25 de outubro. Também eu me dei mal, recentemente, com os processos democráticos de decisão. A Democracia terra da liberdade, da fraternidade e da justiça: não faz mal a ninguém; nem a nada. Quanto mais democracia, melhor democracia; mas é preferível ter uma melhor consciência democrática para que na prática possa haver mais democracia. De um lado, dizem, está o cardeal norte-americano, Raymond Burke; do outro lado, dizem, está o cardeal alemão, Walter Kasper. Espero que na era franciscana do papado, e em toda a fidelidade doutrinária, exista a possibilidade de “aparecer” alguém, do «tipo», resgatamos do Céu, o falecido bispo brasileiro, Luciano Mendes de Almeida, que seja capaz de fazer a «síntese impossível». O discurso de Jesus Cristo sobre a «dureza do coração», volta a estar, plenamente, na agenda eclesial e secular. Voltemos à Família como no princípio da Criação. É o pecado (pessoal, social e estrutural) que descria o «humano» feito de barro divino.

2. Sobre o aprendizado e o múnus de «prior» – Também este evangelho entrou por dentro do ser “padre” e do ser “prior”, dia-a-dia, com as Surpresas-de-Deus. Há comportamentos irreconhecíveis. Posturas que ferem e posturas que curam. Onde me encontro com os meus silêncios? Minhas esperas estratégicas, que fazem pensar o meu “umbigo”? Evitar sempre as Omissões. Não sei e quero acreditar que em «casa», tal como os discípulos, posso perguntar de novo ao Mestre. Não tenho mais Tempo para perguntar é preciso Agir. Rezo para que não aconteça. Acontece e volto a rezar para dar um passo em frente. Não rezo bem. Rezo em estado de carência, como fruição negativa. Rezo para que a Bondade do Espírito Santo possa habitar os meus pequenos critérios. O irredutível «Discurso» torna-se mais maneável. A minha inaptidão técnica resiste pela aproximação. Nada resolvido e no piscar de olhos tudo se resolve, por encaminhamentos recusados anteriormente. Feita e impressa: Agenda Paroquial Tripartida: sempre com erros e graças irónicas, caminhamos para além da unidade pastoral, geográfica e evangélica. Esta unidade pastoral não é nem fusão nem nivelamento, mas articulação das diferenças, como num Corpo Vivo. Aguardamos os próximos episódios. No pior está a nossa melhor doação. Vamos começar de novo.

3. Sobre a morte «amiga» e «injusta» – As diversas mortes biográficas estremecem a minha coesão interior. Tudo significativo fica relativo. E nada insignificante pode ser relativizado. Os meus paradoxos emotivos ganham do Cérebro. A Morte «amiga» ou «injusta», terríveis as experiências racionais. Se juntarmos a morte «amiga» e «injusta»: então o Rosto do Absurdo atinge o nível profundo da certeza na própria Fé. Nada fica por baixo de nós... Tal como aconteceu com Jesus Cristo na Cruz. É o ponto final que se tornou um Abismo de Luz. Contra a imprevisibilidade, temos o poder de prometer. Contra a irreversibilidade, temos o poder de perdoar (Cfr. J.M. Pereira de Almeida, in Caritas, nº8, 2015, p.3). Diante deste evangelho, na forma longa (Mc 10,2-16), temos de pedir a Graça da Pequenez. A Graça da não-violência. A Graça da não-imposição. A Graça da humildade e da confiança. A Graça de ter sido recuperado pela «Inocência Segunda», e não alimentar mais o «infantilismo». Tal como uma Criança adormece no colo da Mãe, no abraço do Pai. A Morte continuará injustificável ainda que compreensível; como com o meu amigo José, pela morte prematura e trágica, da sua adorável esposa, Maria; na irrequietude de seus filhos; na Caridade da sua família de sangue. Redescobri outro lado igual: a Morte não justificável, porque não compreensível. Os novíssimos estão dentro do Coração quando chora mesmo sem lágrimas: - Vai custar-me a Alma a presença nas exéquias!?

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

UNIDOS POR DEUS EM MATRIMÓNIO

 

Georgino Rocha  |  Justiça e Paz – Aveiro

“Estais unidos por Deus em matrimónio”, declara o oficiante da celebração dirigindo-se aos noivos, agora recém-casados. E Pe Georgino Rochao coração exulta de alegria e confiança, manifestando-se de tantos modos, sendo visível o ar de festa de todos os participantes. A assembleia de familiares e amigos testemunha, feliz, o evento religioso de forte cariz social. Testemunha e solidariza-se, expressando o seu desejo de que “seja para sempre” a aliança agora selada por Deus, após o mútuo e livre consentimento dos nubentes. E o rito conclui-se com a afirmação do presidente: “Não separe o homem o que Deus uniu”.

Este desejo reveste-se da seiva fecunda do sonho original do Criador do par humano e é avivado sempre que se celebra um casamento cristão. Jesus Cristo assume esta realidade e, perante as vicissitudes da história que desfiguram aquele sonho, repõe a sua beleza inconfundível e abre-lhe novos horizontes. A aliança matrimonial entre homem e mulher passa a constituir um símbolo do amor de doação definitiva, um sacramento do envolvimento divino na relação mútua dos esposos, uma bênção reconfortante para as surpresas que o percurso do casal vier a fazer, um penhor seguro do futuro prometido quando toda a humanidade estiver no seio de Deus.

Face à atitude de Jesus, os seus adversários fazem-lhe uma pergunta/armadilha que dá origem a um diálogo esclarecedor: “Pode um homem repudiar a sua mulher?” “Que vos ordenou Moisés?” “Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a mulher”. “ Foi por causa da dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei. Mas no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne’. Portanto, não separe o homem o que Deus uniu”.

Este método de pergunta/resposta era muito usual entre os Judeus. Faz avançar na busca da solução, a partir do contributo de cada interveniente e deixa perceber as suas intenções mais profundas. A armadilha é desfeita com a reposição da verdade: Moisés condescendeu por causa da dureza do coração humano. Protegeu a mulher repudiada com o certificado de que estava livre do “seu” dono, podendo dispor da sua vida (era “tramada” a situação da mulher sem o certificado: não podia voltar a casa do pai porque era posse legal de outro que a rejeita, não devia relacionar-se com novos pretendentes, nem beneficiava da protecção de qualquer familiar).

Jesus vai mais longe: situa a mulher no plano de igualdade do homem. Não os condena, mas denuncia a discriminação patriarcal e a ilicitude de certas atitudes. Justifica a atenção de Moisés por causa da dureza do coração humano que cria situações insustentáveis. Apesar deste amor compreensivo, reafirma o valor da aliança matrimonial em que homem e mulher estão chamados a ser “uma só carne”, a construir o mesmo projecto de vida, a crescer na doação mútua, a suavizar a soledade de cada um, a saborear a alegria da comunhão, a renovar-se na esperança fecunda dos filhos queridos, a sentir a satisfação da família aberta e solidária.

A dureza do coração tem, hoje, outros nomes e a situação socio-religiosa alterou-se profundamente. A cultura da sedução e do bem-estar impõe-se cada vez mais. As sociedades parecem mais uma soma de indivíduos egocêntricos do que de pessoas relacionadas e altruístas. A fragilidade das convicções de muitos noivos mostra-se na rapidez com que procuram alternativas à primeira opção. A longevidade pode acentuar o cansaço da vida em comum e despertar o gosto por novas aventuras.

Também há casais que reconhecem sinceramente o engano do seu primeiro casamento e querem refazer a sua vida conjugal. E o divórcio surge como hipótese plausível facilitado pela lei civil. E seu número cresce, deixando a descoberto novas situações a reconhecer, a acompanhar e a evangelizar.

O Papa Francisco com os participantes no próximo Sínodo (4 a 25 de Outubro) vai reflectir sobre a beleza do matrimónio e da família, sem esquecer as realidades actuais em que muitas vivem. É toda a Igreja que está envolvida. Não percamos esta hora. Aproveitemos a oportunidade para nos enraizarmos mais em Cristo e nos sentirmos solidários com quem está “ferido” ou se divorcia e procura viver o amor conjugal honestamente.