sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Criação, a Justiça e a Paz

Isabel Miranda
Comissão Diocesana Justiça e Paz | Aveiro


Abençoando-os, Deus disse-lhes:
“Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem na terra”.
… Deus disse:
“Também vos dou todas as ervas com sementes que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento…”.
…Deus vendo toda a sua obra, considerou-a MUITO BOA.
(gn 1)
Se a ligação entre a Criação, a Justiça e a Paz não for, porventura, clara, para alguns de nós, o próprio Papa Bento XVI, num encontro realizado no passado mês de Novembro, no âmbito de uma iniciativa da fundação italiana “Irmã Natureza”, em que estiveram presentes cerca de 7000 jovens, alerta:
“Se o homem se esquece de ser colaborador de Deus no seu trabalho, pode causar violência às coisas criadas e provocar estragos que têm sempre consequências negativas, inclusive sobre o homem”.
“É já evidente que não existe um bom futuro para a humanidade sobre a terra se não nos educamos todos num estilo de vida mais responsável ante a Criação”, que se “aprende antes de tudo na família e na escola”.
De facto, o respeito pela Criação, e não o uso desenfreado dos bens que Deus nos legou, asseguraria o equilíbrio e a sustentabilidade da Terra, bem como uma distribuição justa da sua riqueza. Atualmente, o consumo de recursos naturais ultrapassa em 20%, por ano, a capacidade do Planeta para a sua regeneração. Por exemplo, a disponibilidade de água potável passou de 17.000 metros cúbicos per capita em 1950, para os atuais 7.000 metros cúbicos. O estado do Planeta Terra, e da Criação, neste início de milénio, está relacionado com o desenvolvimento do mundo ocidental desde a revolução industrial, e reflete desequilíbrios marcados entre regiões do nosso Planeta, com excesso de consumo (não somos nós uma sociedade de consumo?) por um lado, e pobreza extrema pelo outro. Apenas cerca de 30% da população mundial consegue assegurar as suas necessidades básicas, ocorrendo 86% do total de compras nos países "ricos". À ilusão de bem-estar criada pelos elevados níveis de consumo, estão associados novos problemas da nossa sociedade, tais como altos níveis de obesidade, dívidas pessoais e menos tempo livre.
Por outro lado, a estrutura sócio-económica dos países industrializados, ditos desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, se adoptada pelos países mais pobres, poderá ser catastrófica para o Planeta. Pense-se no crescimento veloz da China e da Índia, baseado nos mesmos parâmetros de consumo que nos regeram durante o século XX. Onde está o cuidado e o respeito pela Criação? Continuamos a aprofundar o fosso entre os ditos “ricos” e os ditos “pobres”? Qual a justiça no uso dos bens que Deus deixou a todos? Como garantir a justiça e a paz no uso em caridade dos recursos?
Vinte anos depois da Cimeira da Terra vai realizar-se em Junho de 2012, no Rio de Janeiro, a Cimeira Rio+20, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). No atual contexto de crise financeira, e de reflexão sobre o tipo de desenvolvimento que a humanidade
pretende e precisa, esta cimeira deverá, à semelhança do notável marco da anterior Rio92, que resultou na implementação de diversas convenções mundiais fundamentais, relembre-se a Convenção Quadro sobre as Alterações Climáticas, ou a Convenção para a Biodiversidade, ser também um marco que estabelecerá e guiará o futuro do nosso Planeta no século XXI, combinando eficiência económica, com justiça social e o futuro ecológico do planeta. Tal não será mais do que assumir e pôr em prática o conceito de Desenvolvimento Sustentável, proposto por Gro Brutland no livro “O Nosso Futuro Comum”, em 1987. Mas, como dizia João Paulo II, “É necessário que, duma vez por todas, o homem dê uma volta de mentalidade de 180 graus. O homem deve aprender a respeitar a vida e construir uma morada digna de toda a família humana. Ter cuidado da Terra é para o homem uma obrigação moral”. Se subjacente à mudança de paradigma de desenvolvimento estiver, pois, o respeito pela Criação, estaremos no bom caminho.
Todavia, não pensemos nós que estas são questões demasiado grandes e que não podemos fazer nada, nem para elas temos contribuído. Não é a situação atual do mundo ocidental o resultado do nosso tipo de vida, em que o importante é Ter e não Ser? Será que ao deixar uma luz acesa, sem necessidade, nos lembramos que estamos a usufruir descuidadamente da Criação, consumindo recursos e poluindo? E o par de sapatos que comprámos sem precisar? E a comida que continua, apesar da crise, a ir para o lixo? Estamos a educar os nossos filhos na e para a sobriedade? Talvez este período de dificuldade nos faça valorizar de novo os bens que o Senhor nos deixou. Talvez os Domingos deixem de ser uma ida ao centro comercial para passarem a incluir um passeio ao jardim/parque/bosque mais próximo.
Precisamos de nos reaproximar da Natureza, de voltar a sentir o dom imenso duma flor a desabrochar, de ser felizes com um céu cheio de estrelas… Talvez aí possamos dizer como S. Francisco:
“Louvado sejas, meu Senhor, pela irmã nossa mãe terra, que nos sustenta e governa, e produz diversos frutos com coloridas flores e relva”.