Padre Georgino Rocha | Comissão Justiça e Paz-Aveiro
Não
estranhes, homem leproso, receber por correio eletrónico a mensagem de
um padre católico. Vivo junto ao mar Atlântico numa região a que deram o
nome de Lusitânia. Leio com frequência as Escrituras e vou-me
informando do estatuto social e religioso das pessoas que sofrem de
lepra. Sei também que os rabinos multiplicam as regras protectoras de
quem tem saúde, agravando a situação de quem sofre de doença. Estás
escorraçado da sinagoga e da sociedade. Em “nome de Deus”! Vives a
“monte” ou em esconderijos, à distância, para nem sequer seres visto.
Tal o medo de contágio!
Esta distância não é apenas geográfica, mas afectiva,
familiar, social e religiosa. Como bem sabes, todos somos humanos,
temos coração, precisamos de laços de união e de pertença, sentimos
necessidade de ser apreciados e reconhecidos. Então por quê discriminar?
Por
isso, quero dizer-te, meu irmão, o que me vai na alma, o que faz nascer
em mim o teu encontro com Jesus de Nazaré, na sua itinerância pelas
tuas terras da Galileia.
Admiro
a tua coragem, fruto certamente da tua fé confiante. Que ousadia
provocante! Tomas a iniciativa e aproximas-te de Jesus. Ignoras
intencionalmente que estavas proibido de andar na rua, quando alguém
fosse a passar, e tinhas de gritar “impuro”, “maldito” para o avisar da
tua proximidade ou, então, de fugires para evitar qualquer contágio.
Transgrediste conscientemente uma lei “sagrada”. Arriscaste a vida que
te restava, pois podias incorrer na pena de morte.
Por
sua vez, Jesus faz o mesmo: estende a mão e toca-te, realizando um
gesto de grande proximidade, mostrando uma liberdade superior, abrindo
os horizontes novos da saúde integral para todos. E tu ficas curado no
corpo perante a sociedade e abençoado por Deus, sinais públicos de
integração na comunidade. Vês assim recuperada a tua dignidade de pessoa
humana.
Com
o teu proceder, ensinas-nos, meu bom irmão, que os “milagres” de Jesus
passam pelos nossos gestos. Tu fizeste ouvir a tua voz, ajoelhaste,
colocaste a solução do teu “problema” nas suas mãos e aguardaste. Não
temeste ser afastado como um maldito, nem tratado como um blasfemo.
Apenas mostraste a disponibilidade radical para receberes o que ele
entendesse por bem.
Deixa-me
dizer-te outra maravilha: mostras uma disposição radical sublime. E
ocorre-me uma pergunta: como chegaste a essa disposição do coração? Tu
sabias que desse encontro dependia a tua vida. Arriscavas tudo. Estou em
crer que a tua fantasia trabalhou bem os comentários que ias ouvindo,
talvez às escapadelas. A intensidade do teu sofrimento reclamava
libertação e pressionava as tuas capacidades activas. Impunha-se uma
decisão ousada. Felizmente, soubeste tomá-la oportunamente. A tua
sabedoria intuitiva leva-te a acertar em cheio na corda mais sensível do
coração de Jesus Nazareno, o mestre itinerante. E a sua reacção, com
todas as consequências, não se fez esperar: Toca-te com a mão e exclama:
“Quero, fica limpo”! E, no mesmo instante, a lepra deixou-te. Que
eficácia maravilhosa.
A
tua atitude reactiva provoca-me alguma surpresa. Começas a apregoar o
sucedido, quando havia a recomendação severa de guardares silêncio. E
nada se diz quanto ao cumprimento das outras prescrições. Estou em crer
que o teu desejo satisfeito era tão intenso que “forçava” a exuberância
da tua alegria jubilosa. Também estou convencido que o espartilho da
segregação em que viveste cede perante o impulso forte da liberdade.
E
podes seguir nos caminhos da vida: deixando crescer a barba, sinal de
honradez e de responsabilidade; vestindo a roupa comum, símbolo da plena
integração e pertença à comunidade; mantendo o cabelo alinhado e o
rosto descoberto, traços distintivos de quem sabe conviver em sociedade.
Obrigado, meu irmão, porque a tua lepra fica como referência dos males que ameaçam a vida humana ao longo dos tempos; a tua atitude como pauta a ter em conta na luta pela saúde integral; o teu encontro com Jesus Cristo como exemplo para todos os que alimentam o desejo de verem sanadas as feridas da vida e satisfeitas as aspirações mais profundas do coração.