segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

«O tocar movido de compaixão»

 

Pedro José Correia  |  Justiça e Paz – Aveiro

 


I. Reflexão


Disposição 1. – No tempo de Jesus, a lepra era equivalente à morte. Para um judeu a cura de um leproso era muito mais que um facto extraordinário: era um «sinal» de que o reino de Deus esperado já tinha chegado. Quando não conseguimos ver «estes» sinais (ordinários ou não): banalizamos, ficamos inertes, distanciados ou confundidos, quer na relação interpessoal ou institucional. “Manda quem paga!” Eis o extremo da perversidade. Não podemos sentenciar ninguém a morrer rápida, lenta ou anonimamente. O «sinal» de compaixão dentro do coração amassado na vida é o primeiro sintoma vital da nossa cura.

Disposição 2. – Uma face. O leproso que existe dentro de nós!? Estar totalmente desprotegido, abandonado nos afectos, sem podermos tocar ou ser tocados. Imaginar o abismo mental, afectivo e social. E do «Nada» em que ficarmos reduzidos: dentro desse desespero radical, em não reconhecer/ser reconhecido «no-querer-de-Deus». A outra face. O leproso que comove o coração do próprio Deus. Só a Compaixão desloca-nos para o centro da Dignidade humana. “Só a compaixão ilumina a realidade da necessidade do outro. Só a compaixão move na direcção da oferta que cura” (Walmor Oliveira, Na Escola do Salvador, p.265). Na gramática de Deus poder é servir. Compaixão é curar a impassibilidade.

Disposição 3. – Ao ajoelhar o espaço não diminui; pois poderemos olhar para a fonte da Luz. Está-se diante de uma força maior. Digo em voz alta: -Se queres tens o poder de limpar, isto é, curar a minha consciência profunda: não sou uma coisa!? Aí onde o outro que está dominado, manipulado, subjugado, não tem vez, nem voz. Não tem poder-de-si. Se abrirmos a janela do nosso quarto egoísta; não são as trevas que saem, é a Luz que pode entrar de novo. O leproso intemporal, por não ser tocado, habitava um não-espaço; dentro de nós Jesus dá lugar à consciência do espaço-novo, para todos. Espaço é inclusão.

Disposição 4. – O tocar de Jesus: Ele vai tocar o intocável. Estende a mão àqueles que é interdito tocar. Prefere incorrer no perigo da contaminação. “Cura-os saberem-se tocados, e tocados no sentido de encontrados, assumidos, aceites, reconhecidos, resgatados, abraçados. Quando toda a distância se vence, o toque de Jesus reconstrói a nossa humanidade” (José Tolentino Mendonça, A Mística do Instante, pp.61-62). Transgressão humana que ajoelha e grita. Transgressão divina que aproxima e toca. Dois movimentos fora de órbita que convergem.

Disposição 5. – Em lugar da morte, a vida; em lugar das cedências e dos cuidados relaxados, as urgências e os cuidados intensivos; em lugar da manipulação interesseira, a oferta purificada; em lugar do preço e da conta bancária, a consciência e a educação gerada pelo trabalho meritório; em lugar do interesse, da intriga, da articulação da manha, própria ou alheia; a generosidade abnegada, a disponibilidade gerida com inteligência. Onde estarão as curas ao alcance de um palmo de mão solidária?

II. Oração

A Tua Palavra quer tocar o meu coração;

Será a que colocarei aqui neste espaço abandonado.

Quero ter a certeza… não sou capaz de mim mesmo.

De que alguém tocará em mim também…

Desejo ardentemente.

Diante das nossas lepras corporais e morais:

aquilo que sou não esconde mas grita!

Aprender a pedir: «Senhor, se quiseres, podes curar-me»

Não tenha medo de ajoelhar!

Não obrigue ninguém a ajoelhar-se: sem o querer!

Na Tua Presença a minha cura começa agora!

Amém!


FONTE: Cfr. AZEVEDO, Dom Walmor Oliveira, in Na Escola do Salvador, Editora PUC Minas, Belo Horizonte, 2009, pp.262-265.

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