sexta-feira, 18 de julho de 2014

Sobre a arte do viver

 

Pedro José  |  Justiça e Paz – Aveiro

 

“A estratégia do tempo passa pela sabedoria da solidão positiva, onde a gente agarra a fundo o verdadeiro sentido do tempo, da sua passagem e da sua riqueza; do ter tempo para si, de personalizar o tempo.”

Vasco Pinto Magalhães, s.j., “Só Avança Quem Descansa”.

Onde não há lugar ao descanso, de ao menos, uma hora por dia (não conta o tempo para dormir e para as refeições), nas nossas agendas superpreenchidas. Atenção: cartão amarelo. Se em cada semana eu não tenho direito, a um dia de «folga» restaurador e gratuito. Atenção: cartão vermelho. Iremos morrendo lentamente de forma apressada. Eis o drama do tempo infernizado. Azedamos no interior de modo irreversível. Propomos a conjugação de alguns verbos que podem ajudar a termos ocupações verdadeiramente livres. São eles: Mudar / Alegrar / Religar / Investir / Abrir / Animar / Recordar.



Mudar - Nós fazemos e sofremos muitas mudanças. Mudamos de lugares, mudamos de roupa, mudamos de penteado, mudamos sem querer, mudamos por fora e mudamos, também, por dentro. Há mudanças que não fazemos. Há mudanças inesquecíveis. Quantas mudanças do «outro» ignoramos para garantirmos a segurança do nosso «eu»? O que é mutável na mudança e o que permanece na mudança? Mudar para aprender mais e melhor.

Disponha o seu interior à mudança. Mudar significa crescer em santidade.

Alegrar - Recentemente, o Papa Francisco escreveu uma longa carta de exortação onde apresenta razões para o perigo de perdermos a Alegria. O seu alerta inicial: “o grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem”, (A Alegria do Evangelho, nº2). Como é possível trair a Alegria de viver? Na verdade, a única coisa que o homem pode trair é a sua consciência. Atraiçoar a consciência, ficar pesado moralmente, é a nossa maior tristeza.

Disponha a sua Consciência para o alegrar-se. Sem ofuscamento na entrega diária terá a sua recompensa.

Religar – Sobre a força e a fraqueza da religião, que tem no verbo religar uma leitura sapiente da vida: é desnecessário dizer muito. O «dizer» pouco é melhor em religião e em quase tudo. São lugares incomuns, ao contrário do que se pensa, dois pensamentos, em jeito de aforismo catequético para ateus. Primeiro: «Diz ao teu problema que tens um grande Deus e não digas a Deus que tens um grande problema». Segundo: «Com Deus, nada se perde; mas, sem Ele, tudo está perdido». Duas ações possíveis: rezar o Terço em peregrinação a um santuário da sua predileção devota. Ou ler, se já o fez, novamente, a excelente crónica de Pedro Mexia “Mal Nenhum”, sobre a confissão, na Revista Atual - Expresso (12-07-2014, p.3).

Disponha o seu coração para a Fé. Religue o seu viver ao Sagrado e ao Rito.

Investir – Um sim decisivo. Um não explicado. São duas ferramentas importantes para investir em si, nos outros, no «macro» e no «micro». Na arte de conviver, no sobreviver e no simples viver que são atravessados pelos seus investimentos, feitos ou adiados. Há uma passagem bíblica notável nos evangelhos sobre o que significa trabalhar arduamente numa pescaria - tudo investir! - e depois, da iniciativa fracassada, receber mais uma vez o desafio de Jesus «Faz-te ao largo; lançai as redes para a pesca» (cfr. Lc, 5, 1-11).

Disponha-se a investir. Leia e reze a Bíblia. Leia um evangelho de cada vez, sem receio de pouco entender. Saborear é mais simples do que parece.

Abrir – Abrir é vida. Fechar é morte. Mesmo sabendo que a abertura nem sempre origina a vida; nem mesmo o fechamento causará sempre a morte. Isto porque nós somos um relacionamento constante e que só o «abrir» fará crescer e evoluir. Como é que eu seria capaz de procurar-Te? chamar-Te? amar-Te... No fundo, abrir-me: se Tu Senhor, não me procurasses, chamasses e me amasses primeiro? Na Tua Encarnação está a Lei do meu «Abrir».

Disponha-se a compreender que “o mais importante” não é abrir, mas abrir-me à Vida e a Deus, através das pessoas e suas situações concretas.

Animar – Continuar de ânimo leve, sentir-se animado, apesar de tudo. Esta convicção do «apesar de tudo» é o combustível do animar. Uns têm mais, em outros a carência é crónica. Mas podemos e devemos apreender a viver animados. Isso é dom e tarefa do Espírito Santo, em todos nós.

Disponha-se a dividir os passos do que tem de ser realizado; não se atemorize. Suas ações serão raios de luz; em conjunto, seremos capazes de vencer nossas preguiças, nossas distrações. Que o Espírito Santo nos dê Ânimo Abundante: para não andarmos distraídos do essencial!

Recordar - Jorge Luís Borges tem um poema, com o título significativo: “Elegia da Lembrança Impossível”. Basta procurar na internet. Nós somos a nossa Memória. Há um número incontável de famílias a sofrer com as doenças da memória. Isso é um testemunho terrível. Acolha. Não podemos sofrer por antecipação. Para dar sentido ao sentido do sofrer: recordemos a partir do Coração; da afetividade liberta. Não seja prisioneiro, mas pessoa em doação.

Disponha-se a não lamentar a impossibilidade de não se lembrar de momentos que viveu. Recordar as mentiras que nunca mudaram nada! Ou as verdades que poderiam ter consertado tudo! Que não viva da recordação do que faria com o prémio nunca ganho do euro milhões! Que não daria pela memória de um encontro com os Amigos(as) e que, infelizmente, não acontecerá mais.

Senhor vou passar a guardar Tudo de Mãos Bem Abertas! No Coração d’Alma; na Consciência do Dever Cumprido! Na Felicidade Partilhada!

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